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MPB VIROU UM ANTRO DE HOMENAGENS. EXTREMA-UNÇÃO?


A MPB não é para ser homenageada, é para ser vivida, escrevi uma vez. Há um grande perigo nessa onda de homenagens e tributos que ocorrem na ala tradicional - e que um dia foi transformadora - da Música Popular Brasileira, Serão tais eventos uma espécie de extrema-unção da MPB?

Vendo o recente Prêmio de Música Popular Brasileira da rádio carioca MPB FM e eventos como o tributo ao samba promovido por uma marca de cosméticos, fico temendo pela MPB autêntica, Essas homenagens têm um gosto estranho de despedida, de celebrar algo passado, de prenunciar não o fim de um ciclo da MPB, mas o fim da MPB como um todo.

Confesso que a MPB nunca foi meu forte no meu gosto pessoal. Não porque odiasse a MPB ou me desinteressasse por ela em si. Eu adoraria poder adorar a MPB, mas na minha adolescência suas músicas nada falavam para minha vida.

Eu tinha os neurônios fervendo, como todo adolescente há cerca de trinta anos, mas a MPB só me oferecia canções românticas ou menos vibrantes, que entre outras coisas falavam de relações amorosas que eu era incapaz de viver, porque a maioria das mulheres que me interessavam estava comprometida com outros homens.

Eu preferia ouvir rock estrangeiro, e alguma coisa de Rock Brasil, embora a supremacia da indústria fonográfica podava demais nossos roqueiros que, talentosos e bem intencionados,perdiam boa parte do tesão original em discos de estúdio muito mal mixados.

Mas eu adoraria ter uma namorada que me ensinasse a gostar de MPB. Pudesse ouvir um Flávio Venturini ou um João Gilberto, abraçado a uma moça culta cujas coisas mais triviais que lia eram versos e prosas de Mário Quintana, Clarice Lispector e Carlos Drummond de Andrade e que independe da televisão aberta para dizer qual é o pintor sofisticado da moda.

Isso nunca ocorreu e, anos e anos depois, o Rock Brasil se complicou e se acomodou tanto quanto a MPB que aquele criticava, e o coronelismo midiático fortalecido por José Sarney, ACM e Fernando Collor despejou o lixo da breguice que contamina o mercado até hoje,

E aí essa breguice se tornou tão hegemônica, que volta e meia surge algum lunático - geralmente algum intelectual "bacaninha" - dizendo que ela é a "verdadeira MPB", como se MPB fosse uma modalidade olímpica em que o vencedor é aquele que lota plateias em menos tempo, de preferência quando dá sua primeira sílaba numa passagem de som.

Fernando Temporão, músico e compositor carioca, disse que a MPB "é datada, passou, acabou!". Em certo sentido, ele tem razão, já que a MPB virou coisa de socialites em festa de idosos, e o Prêmio de Música Popular Brasileira virou "prêmio naftalina", nos dizeres de Temporão.

O jornalista Mauro Ferreira, em seu blogue, tem razão ao sugerir que Fernando Temporão expressa talvez o pensamento de uma parcela de uma geração mais jovem que nunca teve a MPB como referência, e o que era um movimento de resistência cultural, que em 1965 uniu bossanovistas e cepecistas (que apostavam numa música de raiz e de protesto), hoje é uma sigla morta.

O problema é que também a salvação da MPB não está nos bregas. A ala pseudo-sofisticada, de Michael Sullivan a Alexandre Pires, de José Augusto a Zezé di Camargo & Luciano, passando por Belo, Ivete Sangalo, Raça Negra e Daniel, só piorou quando tentaram moldar suas carreiras e repertórios à imagem e semelhança do que havia de mais manjado e comercial na MPB autêntica.

Canastrões, os neo-bregas se perderam totalmente, não produziram novos sucessos, e eles mesmos foram contagiados pela onda de revivais, já que, se a MPB autêntica, capaz de lançar grandes e boas novas canções, se perde em revivais, os neo-bregas (os tais "sofisticados") ficam ainda mais perdidos por causa de sua obsessão, pedante, pretensiosa e incompetente, em soar "emepebistas".

Dessa forma, os neo-bregas, que se autodefinem como um "referencial de MPB" para o chamado "povão", soam ainda muito mais mofados, antiquados e impotentes que a MPB autêntica que padece na sua paralisia. Não serão os neo-bregas a salvação para o marasmo na MPB, até porque eles repetem os mesmos vícios, sem ter metade do talento dos epemebistas autênticos.

Também os pós-bregas (os bregas "moderninhos", pós-MTV), não iriam resolver o problema. Fico imaginando se haveria essa mesma bronca se os prêmios fossem dados a Valesca Popozuda, Luan Santana, Thiaguinho, Psirico, Michel Teló e MC Guimê, nomes extremamente ruins, mas que representam, aos olhos da intelligentzia mais festiva, o que há de "moderno" (?!) na música brasileira.

Mas eles são mais fetiches, e estão até mesmo abaixo da canastrice dos neo-bregas, porque possuem o QI das sub-celebridades, sem sequer ter alguma pose. Se os neo-bregas são ruins, os pós-bregas são piores, apesar de, em tese, conhecerem mais música pop e estarem por dentro das novidades da Internet.

É evidente que a música brasileira sofre uma crise. Há muitos bons artistas mas eles são desprezados até pela intelectualidade "bacaninha". O que esta define como "nova e vibrante música brasileira" é, na verdade, uma gororoba que inclui artistas inócuos (como Tulipa Ruiz), bravateiros como Emicida e gente mais interessada em pop estrangeiro do que em cultura brasileira.

Isso quando as elites pensantes tão badaladas na Internet e nas palestras hiperlotadas não saem na chorosa defesa do brega. Mas se nós temos uma intelectualidade engessada, mais voltada a criar polêmicas baratas do que a transmitir e produzir conhecimento, então a coisa está séria.

Enquanto isso, a MPB autêntica se perde em homenagens e tributos, em apresentações que celebram o passado, e não falam do presente, mesmo quando tentam exaltá-lo. Isso dá calafrios, pois mesmo gente recente como Maria Rita Mariano e Diogo Nogueira, descendentes de cantores finados, já sofrem esse cacoete de não viver a MPB hoje, mas viver da MPB de ontem. Triste.

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