Pular para o conteúdo principal

NO BRASIL, OS JOVENS PRECISAM TER MAIS DISCERNIMENTO

FILHO DO GRANDE ALMIR SATER, GABRIEL SATER SE RENDE A CANASTRÕES DO "SERTANEJO".

"Pai, chiclete de bola dá em árvore?", é o que parecem perguntar os mais jovens que não possuem discernimento entre o que é comercial e o que é artístico. Parafraseando um comercial de operadora de TV por assinatura, existe "arte e cultura" e existe "tipo arte e cultura" que as gerações mais novas pensam que é a mesma coisa.

Dá dó. Nos meus tempos de escola, na década de 1980, os adolescentes e pré-adolescentes tinham melhor discernimento do que os universitários de hoje. Aqui não se separa o joio do trigo porque até os antropólogos com pós-PhD tentam nos fazer crer que o joio é parte inseparável do trigo e que os bugalhos já contém o alho na sua própria palavra.

Difícil nadar contra a corrente contra esses acadêmicos e outros intelectuais "bacanas" dotados de muita visibilidade. Se eles dizem que o "funk" é "cultura de qualidade", temos que aceitar, porque só eles têm os microfones abertos para eles. Nós, que questionamos as coisas, não temos a visibilidade plena que eles têm. E aí a visão de cultura que temos se complica gravemente.

Se já falei do neto de Bob Dylan, Pablo Dylan, que acha Kanye West "revolucionário" - algo que soa tão ridículo quanto dizer que Bill Gates é guevariano - , aqui a coisa fica muito mais séria. Gabriel Sater, filho do grande músico caipira Almir Sater, foi protagonizar uma peça, Nuvem de Lágrimas, baseada nas canções dos canastrões do "sertanejo" Chitãozinho & Xororó.

Essa dupla é um dos símbolos das baixarias musicais que começaram a soterrar a cultura brasileira em 1990. Foi nesse ano que se iniciou a farra politiqueira das concessões de rádio feitas anos antes por José Sarney e Antônio Carlos Magalhães, o que fez degradar o perfil das mais tocadas em FM para as canastrices da breguice que rumava para um domínio totalitário.

Pior: a peça é, como dramaturgia, uma adaptação livre de uma obra de Jane Austen, a mesma que teve seu livro Emma adaptado para o divertido filme As Patricinhas de Beverly Hills, da cineasta e roteirista Amy Heckerling. É, existem adaptações e "adaptações", e as "patricinhas" daqui gostam de breganejo. Já Brittany Murphy iria torcer o nariz.

Claro que filhos nem sempre são cúmplices dos pais ou seus herdeiros fiéis. Vide Giuliano Manfredini, que não vivenciou o cenário de rock dos tempos de seu pai, Renato Russo, e só conheceu o Rock Brasil da forma deturpada das bandinhas dos anos 1990, melhor estruturadas técnica, tecnologica e economicamente, mas artisticamente anoréxicas.

Nem se fala de Preta Gil, porque esta é o convencionalismo do convencionalismo do convencionalismo, de uma corrente em que a provocatividade, de tanto virar um fim em si mesma, deixou de provocar. Até porque Gilberto Gil, apesar de culto, é um complacente entusiasmado da imbecilização cultural que assola o país.

É certo que Almir Sater é amigo de Chitãozinho & Xororó e fez parcerias com eles, mas, em que pese uma certa complacência, acredito que, no fundo, Almir deva se lembrar do ditado "amigos, amigos, negócios à parte" e deve entender o vínculo que a dupla paranaense tem tanto das regras gerais da indústria cultural quanto de suas ligações com o cenário de música brega dominante no país.

Falta uma certa firmeza dos jovens em recusar essa pasmaceira. Se os jovens de hoje rompem com alguma coisa, é com o espírito de ruptura que essa etapa da vida expressa. Em tese, isso nada seria demais, por ser uma ruptura com a obrigação de estar sempre rompendo, mas na prática isso se torna perigoso no contexto em que se vive no mundo, principalmente no Brasil.

Nota-se a juventude brasileira mais "cordeirinha", a revolta agora é contra ser "ovelha negra", ser "do contra", vide o reacionarismo que se tem nas mídias sociais, onde jovens de mentalidade extremo-direitista (embora alguns se autoproclamem "esquerda-liberal" só para não assustar os amigos) se voltam violentamente contra quem contesta e se mobiliza contra o "estabelecido".

Ver a juventude com essa paranoia de querer seguir o rebanho e nadar em favor da corrente é assustador, se percebermos que até na ditadura, por volta de 1965 a 1968, os jovens se mobilizavam, seja na trincheira sutil dos festivais da canção, seja no enfrentamento da repressão militar nas ruas das cidades, contra os arbítrios impostos pelos generais.

Hoje os jovens se submetem até a um vocabulário imposto pela grande mídia reacionária, uma "novilíngua" (só para citar 1984 de George Orwell) em que tudo que for lazer noturno vira "balada", todo agrupamento de gente é "galera" e todo tipo de freguês agora é "cliente", vocabulários que, a exemplo da Oceânia do Grande Irmão da obra orwelliana, empobrecem a nossa língua.

Claro que os jovens vão se defender e afirmar seu narcisismo geracional. Iludidos pela utopia tecnocrática, acham que tudo que é tecnológico e midiático é humano e democrático, e se acham "revolucionários" se submetendo, feito carneirinhos mansos, ao receituário da grande mídia que determina seus comportamentos, suas gírias, suas mentalidades etc.

Daí que, na MPB, as gerações mais recentes soam muito confusas, como em outros setores da cultura e da sociedade. Jovens que posam de "alternativos" abraçando os listões da Billboard, gente que se diz "bolivariana" consumindo o "sertanejo" e o "forró eletrônico" financiados pelo latifúndio, pessoas que tomam como "idioma de sua geração" gírias impostas pela Rede Globo e por aí vai.

Os jovens perderam o discernimento e, para eles, até o mainstream mais antigo lhes parece "alternativo". Mesmo um Men At Work que rolava fácil nas rádios FM - era, por exemplo, o pouco de rock que poderia aparecer nas rádios de pop dançante - hoje é visto pelos mais novos como se fosse uma banda de garagem que só era curtida por uma meia-dúzia de iniciados.

Os jovens de hoje são culturalmente mais superficiais, mesmo quando são bem intencionados. Eles precisam ir adiante, porque perderam o faro de garimpagem das gerações anteriores, aquele senso de curiosidade e discernimento. Hoje os jovens aceitam tudo de bandeja, basta ser sucesso e todos os seus amigos gostarem.

Perdidos no carnaval consumista e tecnocrático dos anos 90, a "década perdida" do Brasil, os jovens de hoje só apreciam o mais básico dos básicos, que diante de sucessivas nivelações por baixo, já está bem abaixo do basicamente necessário.

Por isso a subnutrição cultural das gerações recentes. E isso é perigoso, porque eles pensam, na sua boa-fé de geração midiatizada e consumista, que todas as porcarias que curte possuem "grande valor indiscutível". Para eles, tanto faz que as melhores receitas sejam feitas não mais com trigo, mas com o joio que acaba sobrando por causa dos interesses do mercado.

Tudo lhes é qualquer nota, tudo lhes satisfaz porque é sucesso e está na moda, sem perceber o quanto há de interesses políticos, midiáticos e empresariais que estão por trás de tudo que esses jovens curtem. A falta de discernimento e contestação corrompe as gerações nascidas depois de 1978 no Brasil, salvo honrosas exceções.

É muito triste ver que eles ainda se acham detentores da palavra final sobre a cultura brasileira, que para eles tanto faz se reduzir a esse engodo que está aí. Afinal, para eles, tudo é "sucesso" e "está na moda", e se contentam com isso.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

RELIGIÃO DO AMOR?

Vejam como são as coisas, para uma sociedade que acha que os males da religião se concentram no neopentecostalismo. Um crime ocorrido num “centro espírita” de São Luís, no Maranhão, mostra o quanto o rótulo de “kardecismo” esconde um lodo que faz da dita “religião do amor” um verdadeiro umbral. No “centro espírita” Yasmin, a neta da diretora da casa, juntamente com seu namorado, foram assaltar a instituição. Os tios da jovem reagiram e, no tiroteio, o jovem casal e um dos tios morreram. Houve outros casos ao longo dos últimos anos. Na Taquara, no Rio de Janeiro, um suposto “médium” do Lar Frei Luiz foi misteriosamente assassinado. O “médium” era conhecido por fraudes de materialização, se passando por um suposto médico usando fantasias árabes de Carnaval, mas esse incidente não tem relação com o crime, ocorrido há mais de dez anos. Tivemos também um suposto latrocínio que tirou a vida de um dirigente de um “centro espírita” do Barreto, em Niterói, Estado do Rio de Janeiro. Houve incênd...

LULA GLOBALIZOU A POLARIZAÇÃO

LULA SE CONSIDERA O "DONO" DA DEMOCRACIA. Não é segredo algum, aqui neste blogue, que o terceiro mandato de Lula está mais para propaganda do que para gestão. Um mandato medíocre, que tenta parecer grandioso por fora, através de simulacros que são factoides governamentais, como os tais “recordes históricos” que, de tão fáceis, imediatos e fantásticos demais para um país que estava em ruínas, soam ótimos demais para serem verdades. Lula só empolga a bolha de seus seguidores, o Clube de Assinantes VIP do Lulismo, que quer monopolizar as narrativas nas redes sociais. E fazendo da política externa seu palco e seu palanque, Lula aposta na democracia de um homem só e na soberania de si mesmo, para o delírio da burguesia ilustrada que se tornou a sua base de apoio. Só mesmo sendo um burguês enrustido, mesmo aquele que capricha no seu fingimento de "pobreza", para aplaudir diante de Lula bancando o "dono" da democracia. Lula participou da Assembleia Geral da ONU e...

LUÍS INÁCIO SUPERSTAR

Não podemos estragar a brincadeira. Imagine, nós, submetidos aos fatos concretos e respirando o ar nem sempre agradável da realidade, termos que desmascarar o mundo de faz-de-conta do lulismo. A burguesia ilustrada fingindo ser pobre e Lula pelego fingindo governar pelos miseráveis. Nas redes sociais, o que vale é a fantasia, o mundo paralelo, o reino encantado do agradável, que ganha status de “verdade” se obtém lacração na Internet e reconhecimento pela mídia patronal. Lula tornou-se o queridinho das esquerdas festivas, atualmente denominadas woke , e de uma burguesia flexível em busca de tudo que lhe pareça “legal”, daí o rótulo “tudo de bom”. Mas o petista é visto com desconfiança pelas classes populares que, descontando os “pobres de novela”, não se sentem beneficiadas por um governo que dá pouco aos pobres, sem tirar muito dos ricos. A aparente “alta popularidade” de Lula só empolga a “boa” sociedade que domina as narrativas nas redes sociais. Lula só garante apoio a quem já está...

BURGUESIA ILUSTRADA E SEU VIRALATISMO

ESSA É A "FELICIDADE" DA BURGUESIA ILUSTRADA. A burguesia ilustrada, que agora se faz de “progressista, democrática e de esquerda”, tenta esconder sua herança das velhas oligarquias das quais descendem. Acionam seus “isentões”, os negacionistas factuais, que atuam como valentões que brigam com os fatos. Precisam manter o faz-de-conta e se passar pela “mais moderna sociedade humana do planeta”, tendo agora o presidente Lula como fiador. A burguesia ilustrada vive sentimentos confusos. Está cheia de dinheiro, mas jura que é “pobre”, criando pretextos tão patéticos quanto pagar IPVA, fazer autoatendimento em certos postos de gasolina, se embriagar nas madrugadas e falar sempre de futebol. Isso fora os artifícios como falar português errado, quase sempre falando verbos no singular para os substantivos do plural. Ao mesmo tempo megalomaníaca e auto-depreciativa, a burguesia ilustrada criou o termo “gente como a gente” como uma forma caricata da simplicidade humana. É capaz de cele...

“COMBATE AO PRECONCEITO” TRAVOU A RENOVAÇÃO REAL DA MPB

O falecimento do cantor e compositor carioca Jards Macalé aos 82 anos, duas semanas após a de Lô Borges, mostra o quanto a MPB anda perdendo seus mestres um a um, sem que haja uma renovação artística que reúna talento e visibilidade. Macalé, que por sorte se apresentou em Belém, no Pará, no Festival Se Rasgum, em 2024. Jards foi escalado porque o convidado original, Tom Zé, não teve condições de tocar no evento. A apresentação de Macalé acabou sendo uma despedida, um dos últimos shows  do artista em sua vida. Belém é capital do Estado da Região Norte de domínio coronelista, fechado para a MPB - apesar da fama internacional dos mestres João Do ato e Billy Blanco - e impondo a música brega-popularesca, sobretudo forró-brega, breganejo e tecnobrega, como mercado único. A MPB que arrume um dueto com um ídolo popularesco de plantão para penetrar nesses locais. Jards, ao que tudo indica, não precisou de dueto com um popularesco de plantão, seja um piseiro ou um axezeiro, para tocar num f...

O ERRO QUE DENISE FRAGA COMETEU, NA BOA-FÉ

A atriz Denise Fraga, mesmo de maneira muito bem intencionada, cometeu um erro ao dar uma entrevista ao jornal O Estado de São Paulo para divulgar o filme Livros Restantes, dirigido por Márcia Paraíso, com estreia prevista para 11 de dezembro. Acreditando soar “moderna” e contemporânea, Denise, na melhor das intenções, cometeu um erro na boa-fé, por conta do uso de uma gíria. “As mulheres estão mais protagonistas das suas vidas. Antes esperavam que aos 60 você estivesse aposentando; hoje estamos indo para a balada com os filhos”. Denise acteditou que a gíria “balada” é uma expressão da geração Z, voltada a juventude contemporânea, o que é um sério equívoco sem saber, Denise cometeu um grave erro de citar uma gíria ligada ao uso de drogas alucinógenas por uma elite empresarial nos agitos noturnos dos anos 1990. A gíria “balada” virou o sinônimo do “vocabulário de poder” descrito pelo jornalista britânico Robert Fisk. Também simboliza a “novilíngua” do livro 1984, de George Orwell, no se...

O NEGACIONISMO FACTUAL E A 89 FM

Era só o que faltava. Textos que contestam a validade da 89 FM - que celebra 40 anos de existência no dia 02 de dezembro, aniversário de Britney Spears - como “rádio rock” andam sendo boicotados por internautas que, com seu jeito arrogante e boçal, disparam o bordão “Lá vem aquele chato criticar a 89 novamente”. Os negacionistas factuais estão agindo para manter tudo como o “sistema” quer. Sempre existe uma sabotagem quando a hipótese de um governo progressista chega ao poder. Por sorte, Lula andou cedendo mais do que podia e reduziu seu terceiro mandato ao mínimo denominador comum dos projetos sociais que a burguesia lhe autorizou a fazer. Daí não ser preciso apelar para a farsa do “combate ao preconceito” da bregalização cultural que só fez abrir caminho para Jair Bolsonaro. Por isso, a elite do bom atraso investe na atuação “moderadora” do negacionista factual, o “isentão democrático”, para patrulhar as redes sociais e pedir o voicote a páginas que fogem da assepsia jornalística da ...

A RELIGIÃO QUE COPIA NOMES DE SANTOS PARA ENGANAR FIÉIS

SÃO JOÃO DE DEUS E SÃO FRANCISCO XAVIER - Nomes "plagiados" por dois obscurantistas da fé neomedieval "espirita". Sendo na prática uma mera repaginação do velho Catolicismo medieval português que vigorou no Brasil durante boa parte do período colonial, o Espiritismo brasileiro apenas usa alguns clichês da Doutrina Espírita francesa como forma de dar uma fachada e um aparato pretensamente diferentes. Mas, se observar seu conteúdo, se verá que quase nada do pensamento de Allan Kardec foi aproveitado, sendo os verdadeiros postulados fundamentados na Teologia do Sofrimento da Idade Média. Tendo perdido fiéis a ponto de cair de 2,1% para 1,8% segundo o censo religioso de 2022 em relação ao anterior, de 2012, o "espiritismo à brasileira" tenta agora usar como cartada a dramaturgia, sejam novelas e filmes, numa clara concorrência às novelas e filmes "bíblicos" da Record TV e Igreja Universal. E aí vemos que nomes simples e aparentemente simpáticos, como...

“JORNALISMO DA OTAN” BLINDA CULTURALISMO POPULARESCO DO BRASIL

A bregalização e a precarização de outros valores socioculturais no Brasil estão sendo cobertos por um véu que impede que as investigações e questionamentos se tornem mais conhecidos. A ideologia do “Jornalismo da OTAN” e seu conceito de “culturalismo sem cultura”, no qual o termo “cultura” é um eufemismo para propaganda de manipulação política, faz com que, no Brasil, a mediocridade e a precarização cultural sejam vistas como um processo tão natural quanto o ar que respiramos e que, supostamente, reflete as vivências e sentimentos da população de cada região. A mídia de esquerda mordeu a isca e abriu caminho para o golpismo político de 2016, ao cair na falácia do “combate ao preconceito” da bregalização. A imprensa progressista quase faliu por adotar a mesma agenda cultural da mídia hegemônica, iludida com os sorrisos desavisados da plateia que, feito gado, era teleguiada pelo modismo popularesco da ocasião. A coisa ainda não se resolveu como um todo, apesar da mídia progressista ter ...

O BRASIL DOS SONHOS DA FARIA LIMA

Pouca gente percebe, mas há um poder paralelo do empresariado da Faria Lima, designado a moldar um sistema de valores a ser assimilado “de forma espontânea” por diversos públicos que, desavisados, tom esses valores provados como se fossem seus. Do “funk” (com seu pseudoativismo brega identitário) ao Espiritismo brasileiro (com o obscurantismo assistencialista dos “médiuns”), da 89 FM à supervalorização de Michael Jackson, do fanatismo gurmê do futebol e da cerveja, do apetite “original” pelas redes sociais, pelo uso da gíria “balada” e dos “dialetos” em portinglês (como “ dog ”, “ body ” e “ bike ”), tudo isso vem das mentes engenhosas das elites empresariais do Itaim Bibi, na Zona Sul paulistana, e de seis parceiros eventuais como o empresariado carnavalesco de Salvador e o coronelismo do Triângulo Mineiro, no caso da religião “espírita”. E temos a supervalorização de uma banda como Guns N'Roses, que não merece a reputação de "rock clássico" que recebe do público brasile...