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ESTUPRO EM EVENTO "SERTANEJO" NOS FAZ REFLETIR SOBRE O TAL "COMBATE AO PRECONCEITO"


Um vídeo sobre estupro foi divulgado nas redes sociais e foi gravado durante uma apresentação, com plateia superlotada, da dupla "sertaneja" Henrique e Juliano. A cabeleireira Géssica Gomes dos Santos, de 31 anos, casada e com duas filhas, de sete e quinze anos, estava tomando uma cerveja quando um homem se chegou a ela e a teria dopado, e em seguida, praticado o estupro.

Ela estava com o marido, que teria sido também dopado. O vídeo foi divulgado nas redes sociais e o casal e as filhas foram alvos de gozações violentas. Géssica - que, creio, tem a sorte de não inspirar cacófatos por conta da ligação da última sílaba do prenome com a primeira do nome do meio - deixou de comparecer ao trabalho, de tão envergonhada. O marido também tornou-se alvo de chacotas. Na mesma apresentação, outra situação sem relação com a acima descrita aconteceu, que foi um PM atirar num fã que estava na plateia.

Ultimamente, o "sertanejo" vive um inferno astral por conta de sua associação ao bolsonarismo. Mas como no Brasil a vida não dá saltos, "sertanejos", no âmbito musical, e "neopenteques", no âmbito religioso, se tornaram decadentes e alvos diretos ou indiretos de escândalos - o incidente do estupro nada tem a ver com a dupla em questão, mas devido a uma plateia superlotada sem esquema digno de segurança - porque se tornaram símbolo do desgoverno de Jair Bolsonaro.

Nestes tempos, porém, em que um lulismo domesticado porém arrogante inaugura, arrobando as porteiras do cenário distópico de hoje, o período da positividade tóxica, devemos tomar muito cuidado, porque neste cenário culturalista que temos, há o "bom viralatismo" de funqueiros e "espíritas" que tratam o povo pobre como um monte de "animais dóceis" para serem domesticados por um discurso que evita a hidrofobia própria dos bolsonaristas. 

No entanto, ambos os fenômenos são marcados por um rol de falsidades, de oportunismos, da espetacularização da pobreza e da tragédia humana, embora ritmo e religião fossem supostamente "opostos" no âmbito moral. Mas é a lógica do Carnevale medieval: ao dogmatismo moralista do Espiritismo brasileiro, que é o Catolicismo da Idade Média repaginado, se contrapõe a libertinagem profana do "funk". Todavia, ambos se unem na promessa paternalista de "fazer pobre sorrir".

A bregalização do Brasil, aliás, esse culturalismo vira-lata que gerou funqueiros, "sertanejos", "médiuns", mulheres-objetos, craques de futebol fanfarrões, ídolos cafonas do passado e toda a multidão que fazia o nosso país ficar entre o "mundo cão" do Aqui Agora, o populismo conservador de Sílvio Santos e o imaginário da "pobreza feliz" da novela das 20-21 horas da Rede Globo, tudo isso servido como chá de losna na goela da mídia de esquerda, tem que ser totalmente analisada.

Hoje os "brinquedos culturais" da direita que as esquerdas acolheram há vinte anos se encontram nos armários. Não há um interesse em se livrar desse entulho cultural. Pelo contrário, a eles se acrescentou mais um: o "boneco" Geraldo Alckmin que parece um cosplay do Antônio Fagundes fazendo o papel do "bom empresário" da "novela das nove". As esquerdas até andam usando muito esse "boneco", enquanto não tiram do armário os antigos "brinquedinhos", já negativamente visados.

Graças a isso é que vemos o quanto esse papo de "combate ao preconceito" criou um país imbecilizado e culturalmente devastado. E não se fala em cortes de verbas nem em ídolos bolsonaristas. Fala-se no "bom" viralatismo, aquele que fica glamourizando ídolos musicais medíocres, de letras primárias, como Benito di Paula e Michael Sullivan, nomes que somos proibidos de criticar, enquanto que, infelizmente, é socialmente mais "aceitável" esculhambar um Renato Russo ou Tom Jobim.

Na música brasileira, o cenário é devastador. A nossa MPB se rendeu à geração de "carneirinhos", da linha de Anavitória e companhia, enquanto nossos artistas mais representativos estão idosos. Milton Nascimento está se aposentando dos palcos, Chico Buarque tem 78 anos, Djavan tem 73 anos. Nossa boa MPB é quase um Retiro dos Artistas, se não fossem eles continuando ativos e produzindo música.

Perdemos anteontem Paulo Diniz, o genial artista que teve 82 anos e ficou famoso pela canção "Quero Voltar para Bahia". Até 2020, aliás, eu e meu irmão iríamos para Salvador, mas a pandemia e o ápice do bolsonarismo nos impediram e hoje a capital baiana, sim, está realmente perigosa, porque o êxodo rural atingiu níveis extremos e a cidade vive uma séria crise econômica e cultural, apesar dos esforços em melhorar seus pontos urbanos, sempre imitando São Paulo, hoje a cidade onde moramos.

Mas foi em Niterói, na chamada Concha Acústica, próxima ao Canto do Rio Futebol Clube e no acesso à Rua Hernani de Mello, que eu vi uma apresentação de Paulo Diniz. Estávamos eu, meu irmão e meus pais, há 40 anos, vendo o grande músico que alternava sambas híbridos e pós-tropicalistas com soul - que é o caso de "Quero Voltar para Bahia", do refrão em inglês "I don't want to stay here / I wanna to go back to Bahia", em alusão ao exílio britânico de Caetano Veloso - , com uma plateia entusiasmada.

Eu tinha 11 anos de idade. Eu tive um aprendizado cultural bom. Um vizinho num apartamento da Rua São João, no condomínio dos fundos do Edifício Moreira de Souza - o prédio principal está no meu livro de fotografia A Niterói Que Eu Vejo (2017-2021) - , que tocava guitarra, ouvia a Rádio Fluminense FM. 

Criança, eu pude conhecer uma rádio de rock de primeira, em performance impecável até mais ou menos 1986. Desde meus vinte e poucos anos, porém, após a puberdade, evito ouvir muito as "Jovem Pan com guitarras" que hoje se autoproclamam "rádios rock", com seus similares de Emílio Surita e Celso Portiolli escondidos em jaquetas de couro, para não atirar o aparelho de rádio pela janela. 

E fico pasmo quando tem muito marmanjão barbado com voz grossa aceitando as 89 da vida e uma Kiss FM viajando na garupa nessa Harley-Davidson de parque de diversões. Sobre a crise do radialismo rock, fundamental ler o seminal livro Radialismo Rock: Por que não deu certo?.

Na música brasileira, quem é que tem oportunidade de conhecer o som de Paulo Diniz aos 11 anos? Se hoje gente grisalha acha maravilhosas as letras constrangedoras de Michael Sullivan e Benito di Paula, coisas que talvez nem criança de quatro anos teria coragem de escrever, então significa que culturalmente nosso país está no fundo do poço. 

Talvez as pessoas possam entender melhor a situação lendo Esses Intelectuais Pertinentes..., que explica as raízes do bolsonarismo através do dito "combate ao preconceito". Seria bom o pessoal ler e adquirir esse importante livro, antes que seus sorrisos sem graça chorem na hipótese de Jair Bolsonaro tramar mais um golpe ou ser reeleito pela maioria silenciosa que se encontra fora das bolhas das esquerdas festivas e da normalidade isenta.

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