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ASSASSINATO DE MARIELLE FRANCO REVELA A COMPLEXIDADE DO RJ E DO BRASIL


A prisão dos prováveis mandantes da morte da vereadora do PSOL, Marielle Franco, em 14 de março de 2018 - crime que, na época, me deixou profundamente irritado - , os irmãos Domingos e Chiquinho Brasão e o ex-delegado da Polícia Federal, Rivaldo Barbosa (que assumiu o referido cargo na véspera do crime), revela a complexa situação do Brasil pós-golpe de 2016 e do Rio de Janeiro em particular.

O caso ainda está sob investigação. O atirador e miliciano, Ronnie Lessa, passou a fazer delação e a prisão dos três - Chiquinho, político destituído e prestes a ser expulso do partido União Brasil, se diz"inocente" e alega "ter tido boas relações" com a vereadora morta - apenas dá início a inquéritos que irão mostrar coisas ainda mais sombrias dos bastidores do chamado "escritório do crime" no Rio de Janeiro.

A complexidade se dá porque o Rio de Janeiro se ressentiu da perda de atatus de capital do Brasil. O grupo político de Saturnino Braga, na ditadura militar, fez a fusão dos Estados do Rio de Janeiro e da Guanabara que gerou danos e influiu no colapso do atual Estado e na decadência da atual e antiga capital fluminense. Niterói, antiga capital que não cria rodovia própria para dois bairros vizinhos, Rio do Ouro e Várzea das Moças, que atrapalham o tráfego da RJ -106 para a Região dos Lagos, transformando a rodovia estadual na humilhante condição de "avenida de bairro", permanece na zona de conforto de servir de capacho para a cidade vizinha.

O grupo de Saturnino Braga dissolveu o lacerdismo da antiga Guanabara e, criando grupos derivados como os de César Maia e do finado Luiz Paulo Conde, que se sustentaram no brizolismo até se converterem na centro-direita fluminense, criaram as bases coronelistas que consagraram, no Estado do Rio de Janeiro, práticas de fisiologismo político antes imagináveis no interior do Norte ou Nordeste.

Ultimamente esse fisiologismo criou um braço "progressista" num Estado marcado por uma esquerda fraca, pois a esquerda fluminense não consegue descolar, se limitando a ser "esquerda Zona Sul". Esse braço é representado, sobretudo, pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, e pelo grupo político de Rodrigo Neves em Niterói.

A título de comparação, as esquerdas baianas e os movimentos sociais vinculados são mais fortes e atuantes, apesar dos esforços do filhote da ditadura militar, Mário Kertész, hoje dublê de rádiojornalista da Rádio Metrópole e "amigo de infância" do presidente Lula, em ser dono dos movimentos esquerdistas baianos.

Só que esse fisiologismo político, com autoridades governando para si e seus amigos e somente se lembrando da população quando estão nos palanques, criou um vácuo que, somado ao ressentimento que fez o Rio de Janeiro, para se vingar da perda de status de capital do Brasil, foi somar poder estadual roubamdo de Niterói o status de capital fluminense, fez aumentar o crime organizado e chegar a um cenário em que milicianos com representação no Legislativo fluminense mandarem matar uma vereadora e o descaso das autoridades deixar um museu ser destruído por um incêndio.

Um Rio de Janeiro antes cosmopolita, democrático, diversificado e relativamente sofisticado, sucumbiu a visões pragmáticas na ilusão de que "para melhorar, é preciso piorar". Daí os ônibus padronizados que confundiam os passageiros, que pegavam ônibus para a Pavuna pensando irem ao Méier devido a uma mesma pintura de ônibus, ou a vergonhosa performance da Rádio Cidade como "rádio rock", num claro ressentimento da pioneira FM pop brasileira não ter alcançado o prestígio da antiga Fluminense FM. Daí uma terra que teve Leila Diniz e Sylvia Telles ter se contentado com Valesca Popozuda e Mulher Melão.

Nesse pragmatismo, as favelas passaram a ser gourmetizadas já que, como combater a pobreza tem um custo financeiro incalculável, criou-se um jeitinho que fez a pobreza deixar de ser vista como um problema para ser uma "identidade", com as favelas virando "paisagens" de consumo e entretenimento, palcos dos "safáris humanos" para as elites consumirem a simbologia ficcional do "pobre de comédia " dessas Disneylândias sem asfalto e com barracos mal construídos, glamourizados pela retórica paternalista de intelectuais festivos.

Só que, por outro lado, a pobreza se dividiu. Há o pobre caricato das comédias de TV e do imaginário festivo, hedonista e consumista do "funk", semelhante a uma simbologia que constitui a axé-music em Salvador. De outro, o pobre sem chão assediado por traficantes que ofereciam a proteção que o poder público fisiológico não garantia, o jogo-do-bicho que trazia o enriquecimento fácil e, mais tarde, as milícias que pfereciam segurança e outros serviços. Tudo pragmático.

Nesse meio caminho do pobre caricato versus pobre real, veio Marielle Franco dentro do meio identitário que, na sua boa-fé, surgiu no seio de um "funk" nascido junto com Jair Bolsonaro, embora o ritmo musical brega-popularesco seja, na verdade, originário da Miami anticastrista e o nefasto ex-presidente ter nascido no Oeste paulista próximo do Triângulo Mineiro.

Com exclusividade, este blogue mostra o quanto o alegado "esquerdismo" do "funk", sustentado por uma narrativa persistente que transforma pobreza e negritude em carteiradas, é uma grande mentira monrada para captar verbas estatais de governos federais petistas. E isso não é invenção, vide revelações de que Rômulo Costa e Liga do Funk estabeleceram alianças com quem tramou o golpe contra Dilma Rousseff.

Tudo gerou um quadro complexo que fez o Rio de Janeiro decair vertiginosamente que há rumores de um êxodo de moradores do Grande Rio para a cidade de São Paulo. Com um fisiologismo político das autoridades, o coronelismo dos bicheiros e a pistolagem das milícias, o Rio de Janeiro passou a viver o pesadelo real antes caraterístico de algum rincão perdido do interior da Bahia ou do Pará.

A tragédia de Marielle Franco é, portanto, algo bem mais complicado do que atribuir a esse fato como fruto da política bolsonarista. Não se trata do maniqueísmo fácil que contrapõe a "democracia" lulista com o bolsonarismo, mas de um contexto mais complicado cujas raízes envolvem as condições que fizeram o Brasil sucumbir ao golpe de 1964 e a um sistema de valores que, construído na Era Geisel com "tradições" defendidas pelas velhas elites que ainda persistem no poder, disfarçadas numa classe "democrática" aqui definida como a elite do bom atraso.

Muita coisa ainda virá. O caso Marielle é apenas a ponta do aicebergue de uma catástrofe brasileira.

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