Pular para o conteúdo principal

GÍRIA "BALADA" TEM MAIS A VER COM "NOVILÍNGUA" DO QUE SE PENSA

HAVIA, NO ADMIRÁVEL MUNDO NOVO, AS TAIS "SOMADAS"?

Já teve headbanger e evangélico que, na boa-fé, pronunciaram, em diferentes ocasiões, a gíria "balada" como se fosse um jargão moderno, sem perceber o "mico" de usar uma gíria clubber ligada ao consumo de drogas. Teve nordestino, a milhas de distância da Faria Lima, falando a mesma gíria, assim como muito trabalhador com ânsia de parecer "moderno" para seu meio social.

A gíria "balada", no sentido de agitos noturnos, é de longe a pior gíria de toda a História do Brasil. Nem "chuchu beleza", o jargão bicho-grilo brasileiro, soava tão patético. "Balada" é a maior aberração linguística do país por ser uma gíria que se recusava estar nos limites do espaço (expressão de um restrito grupo social) e do tempo (expressão de uma época específica).

A expressão é a única gíria com esquema de marketing e departamento comercial e sua inserção era combinada com editores de telejornais, roteiristas de novelas e produtores de programas de entretenimento, inicialmente na Rede Globo, mas depois em emissoras como Band, SBT, Record e Rede Tv!. Gíria de direita, "balada" chegou a estar no vocabulário das matérias do Diário do Centro do Mundo e até de políticos do PSOL.

Na verdade, a gíria "balada" era um produto a ser vendido. Como um carro que, na propaganda, passeia por ruas vazias nos centros das cidades e nas estradas à beira-mar, "balada" era um produto ligado a festas e ao hedonismo frenético atual. O uso da palavra "balada" pode ser entendido não como um ato espontâneo do cotidiano das pessoas, mas como um termo do "vocabulário do poder" (words of power) analisado pelo falecido jornalista inglês Robert Fisk.

A gíria "balada" era a novilíngua de 1984 de George Orwell aplicada num contexto de lazer alienado de Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley. A "balada" era um eufemismo, na linguagem original da juventude rica paulista, para um rodízio de ecstasy, a droga alucinógena em moda no começo dos anos 1990. 

O ecstasy, sendo um comprimido, era a tal "bala". Daí o termo "balada". E isso lembra muito o alucinógeno do livro de Huxley, a "soma", destinada a produzir sensações de prazer nas pessoas durante as festas noturnas. Havia então as tais "somadas"?

Sabemos, fora do perímetro do tendenciosismo jornalístico - ou showrnalístico, que se atreve a inserir uma gíria no noticiário considerado "sério" - , que a gíria "balada" foi patenteada por Tutinha, dono da Jovem Pan (a primeira a "popularizar" a gíria da Faria Lima, batizando um programa de dance music e sua coleção de CDs com o nome "Na Balada"), e difundida por Luciano Huck, um dos porta-vozes da juventude ilustrada farialimeira (farialimer).

Huck era então contratado pela Jovem Pan e estava de malas prontas para ir à Rede Globo, e daí usou os dois veículos midiáticos para difundir e expandir o uso da gíria "balada", então um termo da linguagem coloquial dos farialimeiros. A plutocracia achou ótimo testar o poder de manipulação da juventude através da palavra "balada", planejada para ser uma expressão "acima dos tempos e das tribos".

Desse modo, o método "novilíngua" da obra de Orwell vêm à tona, com o objetivo de empobrecer o vocabulário. De forma inescrupulosa, "balada" (não o termo original relacionado a música lenta e trajetórias dramáticas, que, esta sim, remetia à linguagem natural das pessoas) era usada tanto para definir agitos noturnos, apresentação de um DJ e jantar entre amigos, conforme pesquisei nos noticiários transmitidos pela Globo, Band, Record e SBT.

O uso da gíria "balada", portanto, era um meio de promover um produto, pois a palavra tinha o sentido "mágico" de simbolizar a vida noturna, a agregação social - não no sentido da verdadeira amizade entre pessoas, mas do compartilhamento de um consumo de bens e serviços oferecidos, com preços caros, pelas casas noturnas e restaurantes, visando o lucro financeiro nas madrugadas - e o hedonismo pessoal.

Já dá para perceber por que a gíria "balada" estava na pauta dos "tribunais de Internet" dos anos 2000 e 2010, tempos em que jovens reacionários, que depois se assumiriam bolsonaristas, ainda conseguiam enganar setores de esquerda nas redes sociais, ao compartilharem comunidades comuns (como "Eu Odeio Acordar Cedo", no Orkut). A gíria "balada", além de simbolizar um "ideal de vida" cobiçado pelos jovens, era a única forma "moderna" de mascarar mentes retrógradas de parte da juventude brasileira.

E, agora que se começa a divulgar, na Internet, denúncias do uso do prazer como meio de controle psicológico das pessoas, como um meio de anestesiamento social que permite até que os jovens brasileiros fiquem infantilizados e, assim, resignados com a realidade dual da precarização do mercado de trabalho, da decadência cultural (vide o som tenebroso do trap) e da aceitação dos preços caros dos produtos vendidos em eventos como o Lollapalooza Brasil e o Rock In Rio.

Portanto, a gíria "balada" é o símbolo dessa gente que sofre uma servidão silenciosa aos instintos, vivendo da falsa liberdade que é a subordinação aos impulsos do prazer consumista e cego, inconsciente e obsessivo, num contexto em que as redes sociais pressionam seus usuários a perseguir o prestígio social pela lacração, num sutil processo de tirania psicológica que não raro leva a muitos suicídios.

E aí vemos o quanto o entretenimento é usado como um processo de manipulação social, sem que mesmo o jornalismo da mídia alternativa pudesse observar. Vide as pautas infelizes da bregalização cultural que a mídia de esquerda difundiu, praticamente assinando em baixo em narrativas que estavam mais de acordo com os interesses das oligarquias midiáticas da Globo, Folha, Estadão e Abril. Grande tiro no pé da mídia de esquerda que, agindo assim, ajudou muito na abertura do caminho para o golpe político de 2016.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

RELIGIÃO DO AMOR?

Vejam como são as coisas, para uma sociedade que acha que os males da religião se concentram no neopentecostalismo. Um crime ocorrido num “centro espírita” de São Luís, no Maranhão, mostra o quanto o rótulo de “kardecismo” esconde um lodo que faz da dita “religião do amor” um verdadeiro umbral. No “centro espírita” Yasmin, a neta da diretora da casa, juntamente com seu namorado, foram assaltar a instituição. Os tios da jovem reagiram e, no tiroteio, o jovem casal e um dos tios morreram. Houve outros casos ao longo dos últimos anos. Na Taquara, no Rio de Janeiro, um suposto “médium” do Lar Frei Luiz foi misteriosamente assassinado. O “médium” era conhecido por fraudes de materialização, se passando por um suposto médico usando fantasias árabes de Carnaval, mas esse incidente não tem relação com o crime, ocorrido há mais de dez anos. Tivemos também um suposto latrocínio que tirou a vida de um dirigente de um “centro espírita” do Barreto, em Niterói, Estado do Rio de Janeiro. Houve incênd...

LULA GLOBALIZOU A POLARIZAÇÃO

LULA SE CONSIDERA O "DONO" DA DEMOCRACIA. Não é segredo algum, aqui neste blogue, que o terceiro mandato de Lula está mais para propaganda do que para gestão. Um mandato medíocre, que tenta parecer grandioso por fora, através de simulacros que são factoides governamentais, como os tais “recordes históricos” que, de tão fáceis, imediatos e fantásticos demais para um país que estava em ruínas, soam ótimos demais para serem verdades. Lula só empolga a bolha de seus seguidores, o Clube de Assinantes VIP do Lulismo, que quer monopolizar as narrativas nas redes sociais. E fazendo da política externa seu palco e seu palanque, Lula aposta na democracia de um homem só e na soberania de si mesmo, para o delírio da burguesia ilustrada que se tornou a sua base de apoio. Só mesmo sendo um burguês enrustido, mesmo aquele que capricha no seu fingimento de "pobreza", para aplaudir diante de Lula bancando o "dono" da democracia. Lula participou da Assembleia Geral da ONU e...

LUÍS INÁCIO SUPERSTAR

Não podemos estragar a brincadeira. Imagine, nós, submetidos aos fatos concretos e respirando o ar nem sempre agradável da realidade, termos que desmascarar o mundo de faz-de-conta do lulismo. A burguesia ilustrada fingindo ser pobre e Lula pelego fingindo governar pelos miseráveis. Nas redes sociais, o que vale é a fantasia, o mundo paralelo, o reino encantado do agradável, que ganha status de “verdade” se obtém lacração na Internet e reconhecimento pela mídia patronal. Lula tornou-se o queridinho das esquerdas festivas, atualmente denominadas woke , e de uma burguesia flexível em busca de tudo que lhe pareça “legal”, daí o rótulo “tudo de bom”. Mas o petista é visto com desconfiança pelas classes populares que, descontando os “pobres de novela”, não se sentem beneficiadas por um governo que dá pouco aos pobres, sem tirar muito dos ricos. A aparente “alta popularidade” de Lula só empolga a “boa” sociedade que domina as narrativas nas redes sociais. Lula só garante apoio a quem já está...

BURGUESIA ILUSTRADA E SEU VIRALATISMO

ESSA É A "FELICIDADE" DA BURGUESIA ILUSTRADA. A burguesia ilustrada, que agora se faz de “progressista, democrática e de esquerda”, tenta esconder sua herança das velhas oligarquias das quais descendem. Acionam seus “isentões”, os negacionistas factuais, que atuam como valentões que brigam com os fatos. Precisam manter o faz-de-conta e se passar pela “mais moderna sociedade humana do planeta”, tendo agora o presidente Lula como fiador. A burguesia ilustrada vive sentimentos confusos. Está cheia de dinheiro, mas jura que é “pobre”, criando pretextos tão patéticos quanto pagar IPVA, fazer autoatendimento em certos postos de gasolina, se embriagar nas madrugadas e falar sempre de futebol. Isso fora os artifícios como falar português errado, quase sempre falando verbos no singular para os substantivos do plural. Ao mesmo tempo megalomaníaca e auto-depreciativa, a burguesia ilustrada criou o termo “gente como a gente” como uma forma caricata da simplicidade humana. É capaz de cele...

“COMBATE AO PRECONCEITO” TRAVOU A RENOVAÇÃO REAL DA MPB

O falecimento do cantor e compositor carioca Jards Macalé aos 82 anos, duas semanas após a de Lô Borges, mostra o quanto a MPB anda perdendo seus mestres um a um, sem que haja uma renovação artística que reúna talento e visibilidade. Macalé, que por sorte se apresentou em Belém, no Pará, no Festival Se Rasgum, em 2024. Jards foi escalado porque o convidado original, Tom Zé, não teve condições de tocar no evento. A apresentação de Macalé acabou sendo uma despedida, um dos últimos shows  do artista em sua vida. Belém é capital do Estado da Região Norte de domínio coronelista, fechado para a MPB - apesar da fama internacional dos mestres João Do ato e Billy Blanco - e impondo a música brega-popularesca, sobretudo forró-brega, breganejo e tecnobrega, como mercado único. A MPB que arrume um dueto com um ídolo popularesco de plantão para penetrar nesses locais. Jards, ao que tudo indica, não precisou de dueto com um popularesco de plantão, seja um piseiro ou um axezeiro, para tocar num f...

O ERRO QUE DENISE FRAGA COMETEU, NA BOA-FÉ

A atriz Denise Fraga, mesmo de maneira muito bem intencionada, cometeu um erro ao dar uma entrevista ao jornal O Estado de São Paulo para divulgar o filme Livros Restantes, dirigido por Márcia Paraíso, com estreia prevista para 11 de dezembro. Acreditando soar “moderna” e contemporânea, Denise, na melhor das intenções, cometeu um erro na boa-fé, por conta do uso de uma gíria. “As mulheres estão mais protagonistas das suas vidas. Antes esperavam que aos 60 você estivesse aposentando; hoje estamos indo para a balada com os filhos”. Denise acteditou que a gíria “balada” é uma expressão da geração Z, voltada a juventude contemporânea, o que é um sério equívoco sem saber, Denise cometeu um grave erro de citar uma gíria ligada ao uso de drogas alucinógenas por uma elite empresarial nos agitos noturnos dos anos 1990. A gíria “balada” virou o sinônimo do “vocabulário de poder” descrito pelo jornalista britânico Robert Fisk. Também simboliza a “novilíngua” do livro 1984, de George Orwell, no se...

O NEGACIONISMO FACTUAL E A 89 FM

Era só o que faltava. Textos que contestam a validade da 89 FM - que celebra 40 anos de existência no dia 02 de dezembro, aniversário de Britney Spears - como “rádio rock” andam sendo boicotados por internautas que, com seu jeito arrogante e boçal, disparam o bordão “Lá vem aquele chato criticar a 89 novamente”. Os negacionistas factuais estão agindo para manter tudo como o “sistema” quer. Sempre existe uma sabotagem quando a hipótese de um governo progressista chega ao poder. Por sorte, Lula andou cedendo mais do que podia e reduziu seu terceiro mandato ao mínimo denominador comum dos projetos sociais que a burguesia lhe autorizou a fazer. Daí não ser preciso apelar para a farsa do “combate ao preconceito” da bregalização cultural que só fez abrir caminho para Jair Bolsonaro. Por isso, a elite do bom atraso investe na atuação “moderadora” do negacionista factual, o “isentão democrático”, para patrulhar as redes sociais e pedir o voicote a páginas que fogem da assepsia jornalística da ...

A RELIGIÃO QUE COPIA NOMES DE SANTOS PARA ENGANAR FIÉIS

SÃO JOÃO DE DEUS E SÃO FRANCISCO XAVIER - Nomes "plagiados" por dois obscurantistas da fé neomedieval "espirita". Sendo na prática uma mera repaginação do velho Catolicismo medieval português que vigorou no Brasil durante boa parte do período colonial, o Espiritismo brasileiro apenas usa alguns clichês da Doutrina Espírita francesa como forma de dar uma fachada e um aparato pretensamente diferentes. Mas, se observar seu conteúdo, se verá que quase nada do pensamento de Allan Kardec foi aproveitado, sendo os verdadeiros postulados fundamentados na Teologia do Sofrimento da Idade Média. Tendo perdido fiéis a ponto de cair de 2,1% para 1,8% segundo o censo religioso de 2022 em relação ao anterior, de 2012, o "espiritismo à brasileira" tenta agora usar como cartada a dramaturgia, sejam novelas e filmes, numa clara concorrência às novelas e filmes "bíblicos" da Record TV e Igreja Universal. E aí vemos que nomes simples e aparentemente simpáticos, como...

“JORNALISMO DA OTAN” BLINDA CULTURALISMO POPULARESCO DO BRASIL

A bregalização e a precarização de outros valores socioculturais no Brasil estão sendo cobertos por um véu que impede que as investigações e questionamentos se tornem mais conhecidos. A ideologia do “Jornalismo da OTAN” e seu conceito de “culturalismo sem cultura”, no qual o termo “cultura” é um eufemismo para propaganda de manipulação política, faz com que, no Brasil, a mediocridade e a precarização cultural sejam vistas como um processo tão natural quanto o ar que respiramos e que, supostamente, reflete as vivências e sentimentos da população de cada região. A mídia de esquerda mordeu a isca e abriu caminho para o golpismo político de 2016, ao cair na falácia do “combate ao preconceito” da bregalização. A imprensa progressista quase faliu por adotar a mesma agenda cultural da mídia hegemônica, iludida com os sorrisos desavisados da plateia que, feito gado, era teleguiada pelo modismo popularesco da ocasião. A coisa ainda não se resolveu como um todo, apesar da mídia progressista ter ...

O BRASIL DOS SONHOS DA FARIA LIMA

Pouca gente percebe, mas há um poder paralelo do empresariado da Faria Lima, designado a moldar um sistema de valores a ser assimilado “de forma espontânea” por diversos públicos que, desavisados, tom esses valores provados como se fossem seus. Do “funk” (com seu pseudoativismo brega identitário) ao Espiritismo brasileiro (com o obscurantismo assistencialista dos “médiuns”), da 89 FM à supervalorização de Michael Jackson, do fanatismo gurmê do futebol e da cerveja, do apetite “original” pelas redes sociais, pelo uso da gíria “balada” e dos “dialetos” em portinglês (como “ dog ”, “ body ” e “ bike ”), tudo isso vem das mentes engenhosas das elites empresariais do Itaim Bibi, na Zona Sul paulistana, e de seis parceiros eventuais como o empresariado carnavalesco de Salvador e o coronelismo do Triângulo Mineiro, no caso da religião “espírita”. E temos a supervalorização de uma banda como Guns N'Roses, que não merece a reputação de "rock clássico" que recebe do público brasile...