O fim da MTV, anunciado para o último dia de 2025, causa impacto na cultura jovem no mundo inteiro. Mesmo nos EUA, onde a MTV principal permanece apenas no nome, seu espírito desapareceu há algum tempo, substituído pelo vazio existencial dos “riélite chous”.
Os canais derivados musicais, que traziam a alma original da MTV de alguma forma, como MTV 80s e MTV 90s, sairão do ar no Reveillon. E no Brasil, mesmo a versão brasileira pós-2013 - subordinada às diretrizes da Paramount matriz estadunidense - deixará de existir. Tudo se reduzirá a programas que atendem aos interesses dos atuais executivos, preocupados com o streaming e os reality shows.
É claro que devemos lembrar que a MTV não é a “TV do rock” nem o “edifício-garagem” que muitos pensavam ser. Era uma televisão de pop eclético, na qual o rock era apenas um entre os estilos tocados. E tanto isso é verdade que a excelente franquia da MTV pelo Grupo Abril foi a que fez despertar nas mentes dos jovens dos anos 1990 o interesse pela MPB, então deixada no limbo, a ponto de estimular o retorno às rádios de 1993 uma música de 1971, “Não Quero Dinheiro”, de Tim Maia.
Ver que a MTV que tanto marcou a vida de muita gente é coisa do passado é de assustar. Duas canções referenciais, “Video Killed the Radio Star” dos Buggles, cujo clipe inaugurou a emissora, e “Money For Nothing” dos Dire Straits com participação de Sting (co-autor da canção junto a Mark Knopfler), uma descontraída homenagem à emissora, falam agora de algo que não faz parte do cotidiano dos jovens de hoje.
E olha que não devemos superestimar a Music Television. Ela era uma TV de hit-parade, que no Brasil foi erroneamente vista como substituta das rádios de rock. Esquecemos que, por exemplo, a Fluminense FM tinha um estilo e a MTV Brasil de 1990 tinha outro.
Botar esta como referência para aquela só fez surgirem as “Jovem Pan com guitarras” que fizeram acostumar mal os ouvidos de quem está hoje na faixa dos 50 e tantos anos, exceto gente como eu, é claro, que nunca dependi de um Emílio Surita da vida, escondido numa jaqueta de couro, dizendo qual o grupo de rock que eu deveria ouvir.
Entender a MTV como parâmetro para as rádios rock foi terrível pois, para uma canção de rock ser conhecida, ela teria que ter um videoclipe. Isso fez discriminar praticamente 99% do que se fez e faz de rock na história e álbuns seminais eram reduzidos, muitas vezes, a um terço de seu repertório. Bandas como AC/DC e Deep Purple chegaram a ser tratadas como one-hit wonders, através de “Back in Black” e “Smoke On The Water”, respectivamente.
A MTV era uma rede mainstream, e isso deve ser levado em conta. Mas reconhecer isso não impede de também reconhecer suas virtudes. Quando eu trabalhava no setor de Jornalismo da Rádio Educadora da Bahia, a televisão fica a quase sempre ligada na MTV. Era muito legal, embora eu tenha que me manter atento para produzir matérias dos boletins das rádios Educadora FM e OC a partir da imprensa baiana e da Agência Estado.
A estética MTV se fragmentou e hoje, no Brasil, o culturalismo da Faria Lima, que toma as rédeas da chamada cultura jovem de hoje em dia, com influências que atingem desde o rock (via 89 FM) até a cultura popular (via brega-popularesco), imita mal a linguagem da finada rede. É só ver as propagandas de eventos como Lollapalooza Brasil e The Town e comerciais como 99 Food e as campanhas brasileiras do Burger King, McDonald's, Riachuelo, Skol e outros produtos.
Mas a MTV, na essência, virou coisa do passado. A MTV Brasil, ainda sob a franquia da Abril, sucumbiu ao brega-popularesco e, mais tarde, acompanhou a derrocada da MTV matriz, quando esta passou a exibir reality shows e a reduzir a programação de videoclipes, cada vez mais jogados ao horário noturno. Neste caso, aí sim há um ponto em comum com as rádios rock que só fazem o rock ter alguma respiração no fim de noite.
Portanto, podemos dizer que as big techs mataram o astro da MTV. A obsessão da geração Z pelas futilidades das subcelebridades, a ilusão de pessoas supostamente comuns poderem conquistar fama e dinheiro com facilidade fez uma moderna rede de TV, que antes parecia se adaptar a mudanças, acabou sucumbindo de tal forma que hoje o que resta de MTV é só o nome de uma emissora que nada tem a ver mais com a fórmula que a originou.
E hoje o que promete dinheiro por nada e mulheres e homens de graça são os programas que prometem espetáculo de realidade, mas oferecem ficção malfeita e sem criatividade. As big techs mataram o astro da MTV.
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