Pular para o conteúdo principal

BREGALIZAÇÃO CONTRIBUIU PARA A APATIA POPULAR


Um dos temas mais correntes nos últimos meses é a apatia popular.

O governo Michel Temer impõe retrocessos sociais e, mesmo acusado de corrupção, consegue se livrar de processos e se mantém no poder mesmo com popularidade muito baixa.

Mesmo assim, não há uma manifestação popular de peso, que pudesse tirá-lo do poder.

Temer está mais esnobe, rindo da população, se divertindo como um canastrão político.

Fala-se que os panelaços e as passeatas verde-amarelas foram meros modismos lançados pela Rede Globo.

Hoje não há sequer sombra disso. Quando muito, pessoas se limitam a reclamar pelas costas nas mídias sociais, mas mesmo assim só entre seus pares.

Culturalmente, isso teve a influência da bregalização e de toda a pregação que intelectuais "bacanas" faziam, ainda no segundo governo Fernando Henrique Cardoso.

A "guevarização" de cantores bregas, musas siliconadas e tabloides policialescos tentava sobrepor formas caricaturais de povo pobre à própria realidade das classes populares.

Falava-se dessa visão, ao mesmo tempo espetacularizada e depreciativa, como se ela fosse "libertária".

Havia a "pobreza legal", em que situações negativas de pobreza e subemprego eram defendidos como se fosse "ideal de vida" do povo pobre.

A prostituição, o alcoolismo, o comércio de produtos piratas ou contrabandeados, a residência em casas improvisadas e inseguras, tudo isso foi definido como "maravilhoso" pelo discurso intelectual.

Foi uma grande farra feita pelo discurso intelectual, defendido por jornalistas, cineastas, acadêmicos músicos, atores e outros que queriam passar uma imagem "bem bacana" para a opinião pública.

Uma frente ampla de pessoas de classe média e de ex-pobres que se passavam por progressistas e vanguardistas, até fazendo pregações ideológicas nas mídias de esquerda.

Tudo pela desculpa do "combate ao preconceito".

Entre pessoas de boa-fé ou de má-fé, veio a utopia de que, com mais consumismo do que cidadania, o povo pobre poderia se emancipar através da espetacularização da miséria.

Mas a emancipação não veio e o povo pobre perdeu o protagonismo, enquanto as elites retomaram o poder com apetite redobrado.

O debate que se recusava a fazer sobre a cultura do povo pobre acabou abrindo o espaço para o "debate" entre grupos reacionários.

Houve intelectual aparentemente de esquerda que, não se sabe se por boa ou má-fé, disse que melhorar a cultura do povo pobre era "higienismo".

Acreditava-se na "pureza" da ignorância, do grotesco, dos baixos instintos, das populações pobres.

Eram as Disneylândias suburbanas, lixo nas calçadas, lamas nas ruas, gente desdentada rebolando alegremente, os pobres "felizes" com sua condição.

Documentários, grandes reportagens e monografias chegaram a ser feitos para exaltar essa "pobreza linda" de um povo "bravamente feliz".

Falácias aparentemente bonitas, simpáticas, mas que só expressavam etnocentrismo.

E aí, pronto. A intelectualidade lançou o "orgulho de ser pobre", o povo pobre se contentou com sua caricatura e se tornou manipulado pela grande mídia.

A classe média reaça aproveitou a deixa e ocupou a lacuna do debate e do ativismo abortados.

E aí temos o resultado: Dilma Rousseff expulsa do poder, Michel Temer traindo a titular e assumindo o poder com a pauta política dos rivais.

Poucos admitem que o "popular demais" era defendido nas redes sociais pela juventude reaça.

Os "coxinhas" não iriam defender Chico Buarque nem ouvir Bossa Nova, muito menos coisas mais sofisticadas.

Eles ouviam mesmo "funk", "sertanejo", "pagode romântico", axé-music, "forró eletrônico".

"Desciam até o chão" com o "funk" e "saíam do chão" com a axé-music.

Adoravam "mulheres-frutas" e se divertiam com os policialescos da imprensa escrita ou da TV.

Tudo isso não era admitido pelas forças progressistas, e só agora as consequências se tornaram mais claras.

Uma grande apatia popular passou a ocorrer, mesmo com as ameaças de extinção dos direitos trabalhistas.

As esquerdas se esqueceram que o "popular demais" era um subproduto da mídia hegemônica nacional e do coronelismo midiático regional.

"Guevarizou-se" uma abordagem caricatural do povo pobre, e, em vez do "povão" passar a ler Antonio Gramsci, a classe média passou a ler Ludwig Von Mises.

Daí a ressaca de hoje, quando a intelectualidade "bacana" passou a viver em baixo astral.

Não conseguiu seu protagonismo nas suas pregações em prol de uma "cultura popular" espetacularizada e consumista.

E não conseguiu articular as esquerdas para uma hipotética combinação entre comercialismo brega e folclore popular, que se revelou improcedente.

O povo pobre era combinado a "brincar de ser ativista" com o espetáculo brega, que se revelou mais a celebração da "alegria de ser pobre" do que uma luta por melhoria de vida.

Resultado. Menos mobilizações populares. Isolamento das forças progressistas num debate público que ficou mais restrito.

A bregalização cultural fortaleceu as grandes empresas e corporações que patrocinavam o "popular demais", e a própria mídia hegemônica saiu fortalecida com isso.

O discurso do "combate ao preconceito" fortaleceu um mercado que, embora esteja supostamente associado às classes populares, é financiado e concebido pelas elites.

A bregalização enfraqueceu culturalmente o povo pobre, e, com isso, parte dele se tornou o "pobre de direita".

A "pobreza feliz" era bonita nas palavras arrumadas das monografias, na dramaticidade objetiva dos documentários, da narrativa ocular das grandes reportagens.

Mas ela desmobilizou o povo pobre, por mais que a retórica pró-brega falasse em suposto ativismo, como se viu no discurso em prol do "funk".

As esquerdas imaginaram que a breguice iria transformar o Brasil numa Cuba castrista e hiperconectada.

Se enganaram. O que se viu foi um Brasil mais reacionário, mais direitista, mais elitista.

E agora nota-se a impotência diante dos retrocessos sociais do governo Temer, cujos movimentos de protesto, de repente, se reduziram a casos pontuais.

E toda essa apatia se deve a uma elite de intelectuais que, etnocêntrica, se julgava ser "mais povo que o povo".

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

RELIGIÃO DO AMOR?

Vejam como são as coisas, para uma sociedade que acha que os males da religião se concentram no neopentecostalismo. Um crime ocorrido num “centro espírita” de São Luís, no Maranhão, mostra o quanto o rótulo de “kardecismo” esconde um lodo que faz da dita “religião do amor” um verdadeiro umbral. No “centro espírita” Yasmin, a neta da diretora da casa, juntamente com seu namorado, foram assaltar a instituição. Os tios da jovem reagiram e, no tiroteio, o jovem casal e um dos tios morreram. Houve outros casos ao longo dos últimos anos. Na Taquara, no Rio de Janeiro, um suposto “médium” do Lar Frei Luiz foi misteriosamente assassinado. O “médium” era conhecido por fraudes de materialização, se passando por um suposto médico usando fantasias árabes de Carnaval, mas esse incidente não tem relação com o crime, ocorrido há mais de dez anos. Tivemos também um suposto latrocínio que tirou a vida de um dirigente de um “centro espírita” do Barreto, em Niterói, Estado do Rio de Janeiro. Houve incênd...

LULA GLOBALIZOU A POLARIZAÇÃO

LULA SE CONSIDERA O "DONO" DA DEMOCRACIA. Não é segredo algum, aqui neste blogue, que o terceiro mandato de Lula está mais para propaganda do que para gestão. Um mandato medíocre, que tenta parecer grandioso por fora, através de simulacros que são factoides governamentais, como os tais “recordes históricos” que, de tão fáceis, imediatos e fantásticos demais para um país que estava em ruínas, soam ótimos demais para serem verdades. Lula só empolga a bolha de seus seguidores, o Clube de Assinantes VIP do Lulismo, que quer monopolizar as narrativas nas redes sociais. E fazendo da política externa seu palco e seu palanque, Lula aposta na democracia de um homem só e na soberania de si mesmo, para o delírio da burguesia ilustrada que se tornou a sua base de apoio. Só mesmo sendo um burguês enrustido, mesmo aquele que capricha no seu fingimento de "pobreza", para aplaudir diante de Lula bancando o "dono" da democracia. Lula participou da Assembleia Geral da ONU e...

LUÍS INÁCIO SUPERSTAR

Não podemos estragar a brincadeira. Imagine, nós, submetidos aos fatos concretos e respirando o ar nem sempre agradável da realidade, termos que desmascarar o mundo de faz-de-conta do lulismo. A burguesia ilustrada fingindo ser pobre e Lula pelego fingindo governar pelos miseráveis. Nas redes sociais, o que vale é a fantasia, o mundo paralelo, o reino encantado do agradável, que ganha status de “verdade” se obtém lacração na Internet e reconhecimento pela mídia patronal. Lula tornou-se o queridinho das esquerdas festivas, atualmente denominadas woke , e de uma burguesia flexível em busca de tudo que lhe pareça “legal”, daí o rótulo “tudo de bom”. Mas o petista é visto com desconfiança pelas classes populares que, descontando os “pobres de novela”, não se sentem beneficiadas por um governo que dá pouco aos pobres, sem tirar muito dos ricos. A aparente “alta popularidade” de Lula só empolga a “boa” sociedade que domina as narrativas nas redes sociais. Lula só garante apoio a quem já está...

BURGUESIA ILUSTRADA E SEU VIRALATISMO

ESSA É A "FELICIDADE" DA BURGUESIA ILUSTRADA. A burguesia ilustrada, que agora se faz de “progressista, democrática e de esquerda”, tenta esconder sua herança das velhas oligarquias das quais descendem. Acionam seus “isentões”, os negacionistas factuais, que atuam como valentões que brigam com os fatos. Precisam manter o faz-de-conta e se passar pela “mais moderna sociedade humana do planeta”, tendo agora o presidente Lula como fiador. A burguesia ilustrada vive sentimentos confusos. Está cheia de dinheiro, mas jura que é “pobre”, criando pretextos tão patéticos quanto pagar IPVA, fazer autoatendimento em certos postos de gasolina, se embriagar nas madrugadas e falar sempre de futebol. Isso fora os artifícios como falar português errado, quase sempre falando verbos no singular para os substantivos do plural. Ao mesmo tempo megalomaníaca e auto-depreciativa, a burguesia ilustrada criou o termo “gente como a gente” como uma forma caricata da simplicidade humana. É capaz de cele...

“COMBATE AO PRECONCEITO” TRAVOU A RENOVAÇÃO REAL DA MPB

O falecimento do cantor e compositor carioca Jards Macalé aos 82 anos, duas semanas após a de Lô Borges, mostra o quanto a MPB anda perdendo seus mestres um a um, sem que haja uma renovação artística que reúna talento e visibilidade. Macalé, que por sorte se apresentou em Belém, no Pará, no Festival Se Rasgum, em 2024. Jards foi escalado porque o convidado original, Tom Zé, não teve condições de tocar no evento. A apresentação de Macalé acabou sendo uma despedida, um dos últimos shows  do artista em sua vida. Belém é capital do Estado da Região Norte de domínio coronelista, fechado para a MPB - apesar da fama internacional dos mestres João Do ato e Billy Blanco - e impondo a música brega-popularesca, sobretudo forró-brega, breganejo e tecnobrega, como mercado único. A MPB que arrume um dueto com um ídolo popularesco de plantão para penetrar nesses locais. Jards, ao que tudo indica, não precisou de dueto com um popularesco de plantão, seja um piseiro ou um axezeiro, para tocar num f...

O ERRO QUE DENISE FRAGA COMETEU, NA BOA-FÉ

A atriz Denise Fraga, mesmo de maneira muito bem intencionada, cometeu um erro ao dar uma entrevista ao jornal O Estado de São Paulo para divulgar o filme Livros Restantes, dirigido por Márcia Paraíso, com estreia prevista para 11 de dezembro. Acreditando soar “moderna” e contemporânea, Denise, na melhor das intenções, cometeu um erro na boa-fé, por conta do uso de uma gíria. “As mulheres estão mais protagonistas das suas vidas. Antes esperavam que aos 60 você estivesse aposentando; hoje estamos indo para a balada com os filhos”. Denise acteditou que a gíria “balada” é uma expressão da geração Z, voltada a juventude contemporânea, o que é um sério equívoco sem saber, Denise cometeu um grave erro de citar uma gíria ligada ao uso de drogas alucinógenas por uma elite empresarial nos agitos noturnos dos anos 1990. A gíria “balada” virou o sinônimo do “vocabulário de poder” descrito pelo jornalista britânico Robert Fisk. Também simboliza a “novilíngua” do livro 1984, de George Orwell, no se...

O NEGACIONISMO FACTUAL E A 89 FM

Era só o que faltava. Textos que contestam a validade da 89 FM - que celebra 40 anos de existência no dia 02 de dezembro, aniversário de Britney Spears - como “rádio rock” andam sendo boicotados por internautas que, com seu jeito arrogante e boçal, disparam o bordão “Lá vem aquele chato criticar a 89 novamente”. Os negacionistas factuais estão agindo para manter tudo como o “sistema” quer. Sempre existe uma sabotagem quando a hipótese de um governo progressista chega ao poder. Por sorte, Lula andou cedendo mais do que podia e reduziu seu terceiro mandato ao mínimo denominador comum dos projetos sociais que a burguesia lhe autorizou a fazer. Daí não ser preciso apelar para a farsa do “combate ao preconceito” da bregalização cultural que só fez abrir caminho para Jair Bolsonaro. Por isso, a elite do bom atraso investe na atuação “moderadora” do negacionista factual, o “isentão democrático”, para patrulhar as redes sociais e pedir o voicote a páginas que fogem da assepsia jornalística da ...

A RELIGIÃO QUE COPIA NOMES DE SANTOS PARA ENGANAR FIÉIS

SÃO JOÃO DE DEUS E SÃO FRANCISCO XAVIER - Nomes "plagiados" por dois obscurantistas da fé neomedieval "espirita". Sendo na prática uma mera repaginação do velho Catolicismo medieval português que vigorou no Brasil durante boa parte do período colonial, o Espiritismo brasileiro apenas usa alguns clichês da Doutrina Espírita francesa como forma de dar uma fachada e um aparato pretensamente diferentes. Mas, se observar seu conteúdo, se verá que quase nada do pensamento de Allan Kardec foi aproveitado, sendo os verdadeiros postulados fundamentados na Teologia do Sofrimento da Idade Média. Tendo perdido fiéis a ponto de cair de 2,1% para 1,8% segundo o censo religioso de 2022 em relação ao anterior, de 2012, o "espiritismo à brasileira" tenta agora usar como cartada a dramaturgia, sejam novelas e filmes, numa clara concorrência às novelas e filmes "bíblicos" da Record TV e Igreja Universal. E aí vemos que nomes simples e aparentemente simpáticos, como...

“JORNALISMO DA OTAN” BLINDA CULTURALISMO POPULARESCO DO BRASIL

A bregalização e a precarização de outros valores socioculturais no Brasil estão sendo cobertos por um véu que impede que as investigações e questionamentos se tornem mais conhecidos. A ideologia do “Jornalismo da OTAN” e seu conceito de “culturalismo sem cultura”, no qual o termo “cultura” é um eufemismo para propaganda de manipulação política, faz com que, no Brasil, a mediocridade e a precarização cultural sejam vistas como um processo tão natural quanto o ar que respiramos e que, supostamente, reflete as vivências e sentimentos da população de cada região. A mídia de esquerda mordeu a isca e abriu caminho para o golpismo político de 2016, ao cair na falácia do “combate ao preconceito” da bregalização. A imprensa progressista quase faliu por adotar a mesma agenda cultural da mídia hegemônica, iludida com os sorrisos desavisados da plateia que, feito gado, era teleguiada pelo modismo popularesco da ocasião. A coisa ainda não se resolveu como um todo, apesar da mídia progressista ter ...

O BRASIL DOS SONHOS DA FARIA LIMA

Pouca gente percebe, mas há um poder paralelo do empresariado da Faria Lima, designado a moldar um sistema de valores a ser assimilado “de forma espontânea” por diversos públicos que, desavisados, tom esses valores provados como se fossem seus. Do “funk” (com seu pseudoativismo brega identitário) ao Espiritismo brasileiro (com o obscurantismo assistencialista dos “médiuns”), da 89 FM à supervalorização de Michael Jackson, do fanatismo gurmê do futebol e da cerveja, do apetite “original” pelas redes sociais, pelo uso da gíria “balada” e dos “dialetos” em portinglês (como “ dog ”, “ body ” e “ bike ”), tudo isso vem das mentes engenhosas das elites empresariais do Itaim Bibi, na Zona Sul paulistana, e de seis parceiros eventuais como o empresariado carnavalesco de Salvador e o coronelismo do Triângulo Mineiro, no caso da religião “espírita”. E temos a supervalorização de uma banda como Guns N'Roses, que não merece a reputação de "rock clássico" que recebe do público brasile...