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DIFÍCIL É CRITICAR LULA SEM SER BOLSONARISTA


A missão do verdadeiro jornalista não é narrar contos de fadas, mas procurar interpretar os fatos com o mínimo de honestidade e realismo possíveis. Pelo menos, deveria ser assim. Mas, desde que Lula voltou ao poder em 2023, o boicote ao pensamento crítico manifesto por textos informativos é preocupante, vindo de setores infantilizados das esquerdas médias e da sociedade dita "democrática".

Por isso meu blogue é afetado pelo desprezo a certas pautas, que não estão de acordo com as fantasias e os pensamentos desejosos de muita gente. A realidade em curso é que começa, aos poucos, a lapidar essa situação de forma que o inicial deslumbramento com o lulismo 3.0 se torna alvo de críticas duras fora do "Clube de Assinantes VIP" da "democracia de um homem só" de Lula.

Demorei a escrever aqui a situação da geopolítica internacional, que foi impactada pela renúncia do presidente estadunidense Joe Biden à reeleição, depois que ele sofreu pressão para desistir da corrida presidencial. Até pouco antes daquele domingo, Biden jurava que se manteria candidato, mas agora é sua vice, a advogada Kamala Harris, que se torna candidata à sucessão do atual titular do cargo.

Nesse tempo entre o domingo e hoje, teve também a declaração do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, de que, se for derrotado nas votações de 28 de julho próximo, o país vizinho ao nosso viveria um "banho de sangue". A declaração foi tida como uma "chantagem", mas Maduro explicou que se tratava de uma reflexão, do que ele acredita ser o revanchismo da direita venezuelana.

Difícil o pessoal entender que Linhaça Atômica é um blogue de esquerda, como também soa para muitos difícil compreender por que eu me decepcionei com Lula e o deixei de apoiar depois de 2020. Mas, ao longo desses meses, expliquei com fatos os motivos dessa profunda decepção, pois eu acompanhei os dois outros mandatos de Lula e vi que o atual está muito aquém dos outros dois, que já eram bons, embora nada revolucionários.

É mais fácil as pessoas entenderem as críticas ao presidente Lula se elas partissem de um bolsonarista. Fácil ficar nas zonas de conforto e imaginar que quem critica Lula é sempre o reacionário barato que chama o petista de "ladrão" e de extrema-direita. Não se imagina um esquerdista preocupado com as causas trabalhistas e a realidade popular autêntica criticar duramente o Lula. Isso soa como uma heresia para as esquerdas médias que surfam nas redes sociais dominadas pela elite do atraso. 

O raciocínio binário contamina os brasileiros médios de todos os espectros ideológicos, a partir de narrativas trazidas pela elite do bom atraso, ou seja, a mesma elite do atraso que se repaginou a partir de 2021 para uma postura mais "democrática".

Por isso é que ninguém entende a complexidade das coisas. Nem o próprio Lula, que poderia ter se aposentado da política e evitado o papelão que está cometendo, com o governo de simulacros, ou seja, com muito discurso, muita aparência e pouca ação.

Comparando com Biden, Lula está até pior nas gafes provenientes de sua idade avançada. Não sou etarista, afinal eu tenho 53 anos, mas no caso de Lula tenho que admitir que ele está mais velho do que sua aparência sugere e, do contrário que alardeiam os lulistas, o presidente não está acompanhando as mudanças de contextos e situações, de um lado, e mostrou-se incapaz de manter seus princípios progressistas, de outro.

O que vejo no governo Lula, neste atual mandato, é um misto de governo FHC com Sarney, no qual há muito artifício, muita maquiagem, muito palavreado para tentar fazer crer que o atual presidente brasileiro está "mais esquerdista" do que nos dois mandatos anteriores.

Nos dois mandatos anteriores, Lula sinalizava uma possibilidade de recuperação, ainda que de forma parcial e branda, mas promissora e de alguma forma expressiva, de pautas populares que o golpe de 1964 derrubou ao expulsar João Goulart do cargo presidencial. Observava isso em 2003, ano do início do primeiro mandato.

Mas hoje, por ironia, Lula, agora sequestrado pela elite do atraso e convertido numa mascote da burguesia "ilustrada", tornou-se uma espécie de arremedo de João Goulart feito sob medida para anti-janguistas. Pois a chamada sociedade "democrática" de hoje, a "sociedade do amor", pede para "julgarmos menos e amarmos mais" para que assim se ponha debaixo do tapete as atrocidades históricas da burguesia que hoje apoia Lula, evitando o senso crítico que botaria essa elite a perder.

Em outras palavras, a "boa" sociedade, a "gente bem" descrita pelo colunismo social dos anos 1960, a classe que derrubou João Goulart e que tenta se ressignificar, na aparência, sob a máscara de uma sociedade "democrática", para manter os mesmos privilégios fantasiada, agora, de "gente simples", quer banir o senso crítico que poderia resgatar as velhas maldades da classe que hoje quer se passar por boazinha.

Acompanhei a linha do tempo do golpe contra Dilma Rousseff, em 2016, e do processo que levou à volta de Lula à presidência do Brasil. Sem me apegar a fetiches da idolatria política, procurei manter meu apoio ao Lula, mas isso não foi possível, pois o petista cometeu atitudes muito estranhas à sua trajetória, fazendo um acordo às escuras com a mesma burguesia favorecida pelo projeto perverso de Michel Temer.

Não é difícil perceber, com atenção, que as críticas a Temer e seus retrocessos partem não de Lula, mas de Dilma Rousseff, Gleisi Hoffmann, Lindbergh Farias e outros petistas. Estes fazem críticas a Temer, mas Lula se abstém. O presidente insiste em negar, mas fatos mostram que o petista negociou para sair da prisão, usando o Supremo Tribunal Federal como intermediário nestes acordos.

Por isso, Lula parece passar pano no legado de Temer e preferir apelidar de "democracia" as concessões que o presidente faz à direita moderada, disfarçando essas concessões da forma que lhe convier, mesmo que seja para transformar em opiniões tudo aquilo que o chefe da nação não tem condições de fazer.

Do projeto progressista original de Lula, que já era mais brando que Getúlio Vargas, João Goulart e, sobretudo, Leonel Brizola, restou apenas o mínimo denominador comum das medidas sociais que as forças neoliberais autorizam o petista a fazer. Quanto ao que Lula não está autorizado a fazer, como medidas mais ousadas, resta apenas opinar e comentar. Para os lulistas, basta os aparatos das palavras, imagens e símbolos. A realidade que se adapte ao mundo de sonho e fantasia do lulismo 3.0.
 

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