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LULA PEGA CARONA EM AGENDAS HUMANISTAS

NO ALTO, O FOTÓGRAFO SEBASTIÃO SALGADO, FALECIDO HÁ POUCOS DIAS. ACIMA, O ATOR WAGNER MOURA ORIENTADO PELO DIRETOR KLEBER MENDONÇA FILHO PARA CENA DO PREMIADO FILME O AGENTE SECRETO.

Tentando se desfazer da imagem de mascote da Faria Lima, apesar dos recentes cortes de investimentos, como os R$ 31,3 bilhões do Orçamento de 2025 visando o arcabouço fiscal (o chamado "déficit zero"), o presidente Lula tenta pegar carona em pautas humanistas, principalmente em relação à lembrança dos abusos da ditadura militar.

E isso é insólito porque Lula, quando começou seu atual mandato, tratou com indiferença a memória da ditadura militar quando houve a lembrança dos 60 anos do golpe militar, que já tiveram o equívoco da comemoração em 31 de março, corroborando com a versão oficial, porém inverídica, do evento.

Para quem não sabe, o golpe militar atravessou a virada de março para abril de 1964. O golpe foi consumado no dia Primeiro de Abril. Mas, para não fazer o trocadilho com o Dia da Mentira ou o Dia dos Tolos - já bastava a mentira do golpe se vender como uma "revolução democrática" - , o dia oficial foi passado para a véspera, 31 de março, que na verdade era o meio do processo de encerramento forçado do governo João Goulart.

Lula só se lembrou da gravidade do evento quando veio o sucesso do filme Eu Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, que fala sobre a tragédia do deputado Rubens Paiva através da memória da viúva Eunice Paiva, relembrada pelo filho do casal, o escritor Marcelo Rubens Paiva, autor do livro que inspirou o filme.

E aí Lula foi apelar para se promover em cima das relações entre cultura e engajamento político, pegando carona na memória triste dos arbítrios da ditadura militar. Tudo poderia ser correto, até porque Lula viveu o período, se não fosse por um detalhe: hoje Lula tornou-se um pelego e é considerado pelas classes populares como um traidor, se vendendo para o tucanato político e os fisiológicos do MDB.

Por isso as homenagens se tornam tendenciosas e oportunistas, além de fazerem parte de um contexto em que Lula fez do seu atual mandato uma mera propaganda para o sonhado quarto mandato, marcado por erros que vão das alianças heterogêneas com a direita moderada e os artifícios do pesquisismo, do relatorismo e do cerimonialismo através dos lançamentos pomposos de medidas do governo, com tapumes mostrando "pobres de novela" ao fundo, diante de cores alegres e o logotipo cafona do atual Governo Federal.

Recentemente houve o falecimento do fotógrafo jornalístico Sebastião Salgado, voltado a temáticas humanistas de denúncia da exploração dos pobres e das suas degradantes condições de vida. Salgado, que tinha 81 anos ao morrer, também foi revelado como parceiro de Carlos Marighella na resistência armada contra a ditadura militar.

Lula até deve se manifestar diante dessa personalidade famosa, demonstrando seu profundo pesar e comunicando seu luto quanto à perda do fotógrafo. Até aí, tudo bem. Mas Lula, no contexto de seu pretensiosismo eleitoral - quando ele se impõe como "única opção para a democracia" e faz tudo para ser considerado reeleito por antecipação - , procura aproveitar o máximo cada agenda humanista para vincular tudo ao seu nome.

Em seguida, temos também a premiação, no Festival de Cinema de Cannes, na França, do filme O Agente Secreto, do cineasta Kleber Mendonça Filho, que levou o prêmio de Melhor Diretor, e protagonizado por Wagner Moura, que levou o prêmio de Melhor Ator. Ambos, cineasta e ator, também co-produziram o filme.

O enredo, que envolve suspense e drama sociopolítico, é focado na Recife (Kleber é um cineasta pernambucano) de 1977, época da ditadura militar e ano do desgaste do AI-5, o tenebroso ato institucional que tornou o regime ditatorial mais violento, e que por isso estava causando uma séria crise sociopolítica no Brasil da época.

Aliás, em 1977 estava em curso o culturalismo conservador do governo do general Ernesto Geisel, quando valores "positivos" que envolviam o obscurantismo religioso - como o uso das religiões neopentecostais (Igreja Universal e Igreja Internacional da Graça de Deus) e do Espiritismo brasileiro para combater a Teologia da Libertação católica (que era a principal força de oposição à ditadura) - , a bregalização cultural (que transformava o povo pobre em caricatura resignada de si mesmos) e a ascensão do poder de tecnocratas que iam de Jaime Lerner a Fernando Henrique Cardoso.

Infelizmente, são esses valores "positivos", trazidos pela ditadura militar para anestesiar a população e garantir a superioridade de pretensos intelectuais - como os tecnocratas que eliminavam o pensamento crítico nas universidades em prol de uma pretensa "objetividade" nos estudos sobre a realidade - , de pretensos filantropos e nos ídolos populares amestrados ou fabricados pelo mercado, que tentam prevalecer sob a falsa ressignificação "democrática", como se esses valores do culturalismo conservador fossem "perenes" e "acima das ideologias e dos tempos".

E aí vemos o quanto Lula mordeu a isca e mergulhou num caminho sem volta, refém desse culturalismo conservador que soa "positivo" na aparência, pois ele apenas soa "progressista" aos olhos da burguesia ilustrada que, nos anos 1990, estava associada politicamente ao PSDB, mas, hoje, transformou o PT numa franquia para seus interesses estratégicos.

Daí que poderia ser bonito, anos atrás, Lula evocar filmes como Eu Ainda Estou Aqui e O Agente Secreto ou lamentar a perda de figuras humanistas como Sebastião Salgado. Teria sido admirável, se fosse há uns 18 anos. 

Mas, hoje, com Lula decepcionando em seu atual mandato, na medida em que se compactua com a direita "democrática" de Sarney, FHC e companhia, essa evocação soa mais um oportunismo do que uma homenagem espontânea, mais um apelo para reeleger o petista do que para exaltar os verdadeiros valores humanos da vida brasileira.

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