Depois do senador Humberto Costa e do deputado Chico Alencar, o intelectual Leandro Karnal resolveu também tentar apagar as marcas do beija-mão à plutocracia.
Sabemos que Humberto Costa, depois de recorrer à Veja para dar uma entrevista nas páginas amarelas, alegou que seu depoimento foi "distorcido" pela revista.
Chico Alencar, que foi à festa de aniversário profissional de Ricardo Noblat, jornalista de O Globo, depois que beijou a mão de Aécio Neves, disse que os comentários que fez em favor dele eram "ironia".
Agora, Leandro Karnal, depois de ter jantado com Sérgio Moro e feito uma postagem elogiosa, apagou o texto e disse que "tomará cuidado depois".
Afirmou que foi "vago demais em campo minado" e disse que "adoraria" jantar também com Maria do Rosário, Ciro Gomes etc.
Ele aderiu a Moro por subestimar as polarizações ideológicas de hoje, que não são um FlaXFlu onde os dois lados estão com a razão.
É a polarização dos movimentos sociais com a plutocracia, do patrimônio nacional com o entreguismo, das conquistas trabalhistas progressistas com as retrógradas reformas trabalhista, previdenciária e educacional.
Karnal tentou apagar as marcas do beija-mão, mas não é fácil recuperar-se dos efeitos.
É preciso muito senso de autocrítica, muita mudança de postura, muita sinceridade.
O caso da senadora Kátia Abreu, da bancada ruralista, é ilustrativo.
Ela era reacionária, anti-petista, musa do agronegócio etc e tal.
Mas, surpreendentemente, mudou de lado e, de uma das ferozes críticas a Dilma Rousseff, passou a defendê-la nos momentos mais difíceis do final brusco do mandato presidencial.
A título de comparação, Kátia trocou os papéis com a colega Marta Suplicy, que, de petista convicta e ministra de Dilma, virou reacionária a blindar o governo Michel Temer e seu pacote de retrocessos.
É como na mídia. Não é qualquer um que diz "adoro a esquerda", "ser de esquerda é legal" e sair mandando beijos para Lula e Dilma que vira esquerdista de verdade.
Como não é qualquer um que se comporta como Paulo Henrique Amorim e os irmãos Paulo e Kiko Nogueira (Diário do Centro do Mundo), que, vindos da mídia venal, dão um banho de jornalismo na mídia progressista, esbanjando informação séria e consistente.
Há aventureiros surfando na onda progressista, como existem esquerdistas mais frágeis.
Os queridinhos das esquerdas médias, Pedro Alexandre Sanches e MC Leonardo, também tiveram seus momentos de beija-mão.
Pedro Sanches saudou Gilberto Dimenstein, um dos tucanos da Folha de São Paulo, no evento que pedia a volta do programa Manos e Minas da TV Cultura.
Ele e seu colega do Farofafá, Eduardo Nunomura, fizeram o favor ao tucano Armínio Fraga, ao divulgar o disco de seu filho, um obscuro cantor musical.
Sanches e Nunomura também cobriram eventos culturais promovidos pelo governo de Geraldo Alckmin.
E Sanches quase deu as mãos a Reinaldo Azevedo pela aversão comum a Chico Buarque, no caso do Procure Saber.
MC Leonardo, que em muitos textos lembra as abordagens "marxistas" de Cabo Anselmo (sério, pude comparar os textos de Caros Amigos com os do militar publicados na revista O Cruzeiro), também deu seu beija-mão mais sutil.
Ele participou de debates promovidos pela Rede Globo, um deles no Museu de Arte do Rio de Janeiro, de propriedade dos irmãos Marinho.
Portanto, MC Leonardo não é uma pessoa com a qual se possa contar para debater a regulação da mídia.
O "funk" tem seu vínculo e suas gratidões ao poder midiático que lhe garantiu sucesso e visibilidade.
O próprio Rômulo Costa, da Furacão 2000, também mostrou seu beija-mão antes daquela empastelada passeata em Copacabana, em abril do ano passado.
Não bastasse a "alegria do funk" se sobrepor aos apelos contra o impeachment de Dilma, Costa tem em seu currículo a nomeação de ninguém menos que Luciano Huck como "embaixador do funk".
Daí a origem "é o caldeirão", gíria funqueira que quer dizer "é o máximo". A gíria se inspira no famoso programa de TV do apresentador-empresário, filiado ao PSDB e amigo de Aécio Neves.
O "funk" também contou com o ex-secretário do então prefeito carioca Eduardo Paes, André Lazaroni, do PMDB carioca, como autor do projeto que institui o "Dia do Funk".
Lazaroni integrou a chapa "Aezão", que apoiou Luiz Fernando Pezão e Aécio Neves em 2014, e apareceu num evento esportivo ao lado de Fernando Henrique Cardoso e do próprio senador mineiro.
Costa quis, naquele "baile funk" de 17 de Abril, expressar sua ojeriza a Eduardo Cunha.
Mas a ex-mulher, Verônica Costa, parlamentar do "funk", é do mesmo PMDB carioca do deputado cassado, e também da mesma "bancada da Bíblia".
Evidentemente, pretensos esquerdistas deixam a máscara cair com seu beija-mão.
Esquerdistas autênticos, porém frágeis, entram num terreno pantanoso e optam por tentar sair e tentar cicatrizar feridas, ou então migram para a direita de vez.
Quem é de centro, como Leandro Karnal, talvez sofra menos efeitos.
Mas ele já se arranhou como um virtual pensador das causas progressistas, ao reprovar o discurso do ódio se envolvendo com o herói dos mesmos sociopatas que ele criticou.
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