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A BIENAL DO LIVRO E AS LUTAS IDENTITÁRIAS


Confesso que não ia com as caras de Felipe Neto, Luccas Neto e Whindersson Nunes, mas hoje reconheço seus talentos.

Dentro do âmbito do entretenimento, eles conseguiram se destacar, como Kéfera Buchmann, surgida pouco antes deles.

São youtubers, ou influenciadores digitais, que começam a fazer diferença e Felipe se destaca pelo seu ativismo.

Felipe repercutiu bem na Bienal do Livro, quando ele comprou vários livros com temática LGBTQ e, como protesto contra a censura, distribuiu as brochuras de graça para as pessoas.

A censura se deu contra a obra de graphic novel chamada Vingadores: A Cruzada das Crianças que, por incrível que pareça, não é um livro infantil, mas uma obra considerada acessível para o público adolescente.

A obra tem texto do estadunidense Allan Heinberg e seu ilustrador é o britânico Jim Cheung. A edição brasileira é uma publicação conjunta das editoras Salvat e Panini.

No enredo, dois personagens masculinos, Wiccano e Hulkling, apareceram num quadro se beijando intensamente, pois eram namorados.

O prefeito do Rio de Janeiro e também "bispo" da Igreja Universal do Reino de Deus, Marcello Crivella, mandou recolher não apenas a referida obra, mas outras que tivessem temática semelhante.

Crivella disse que, com sua decisão, "estava protegendo os menores do Rio de Janeiro".

A Bienal do Livro não acatou a decisão. Uma liminar do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro proibiu a prefeitura municipal de ordenar o recolhimento dos livros. A liminar foi concedida pelo desembargador Heleno Ribeiro Nunes.

Outro desembargador do mesmo TJ, presidente do órgão, Cláudio de Mello Tavares, derrubou a liminar e deu sinal verde para Crivella dar a sua ordem.

No entanto, o Supremo Tribunal Federal, através do presidente deste órgão, Dias Toffoli, derrubou a decisão do TJ-RJ que autorizava a censura.

Toffoli entendeu que a obra deve ser mantida em nome do regime democrático e que seu enredo não é uma afronta ao Estatuto da Criança e do Adolescente.

Na Bienal do Livro, houve manifestações de protesto à censura do livro, que, com sua repercussão, passou a ser um dos mais vendidos.

E Felipe Neto muito contribuiu para a vitória da liberdade artística, tanto que passou a ser odiado pelos bolsomínions, vide a hashtag #FelipeNetoLixo, um dos tópicos mais vistos no Twitter.

É controverso que causas identitárias possam ter prioridade nas pautas progressistas.

Em muitos momentos, isso compromete as causas trabalhistas, mas em outros, como na Bienal do Livro 2019, mostram seu apelo em prol da democracia.

As causas identitárias são uma faca de dois gumes. Parte da centro-direita e mesmo de bolsonaristas arrependidos apoiam essas causas.

O que é necessário não é evitar manusear essa "faca", mas mexê-la com cuidado, conforme o contexto.

O contexto da Bienal do Livro permite que a agenda identitária tenha prioridade.

Mas, em outros casos, não. Como na questão das periferias, onde temos que enxergar as causas identitárias, como a LGBTQ, com muito cuidado.

Muitos pobres não estão ainda informados dessa novidade, e eles ainda são pressionados pela influência das seitas evangélicas pentecostais.

E, além disso, é necessário primeiro dar segurança, casa, trabalho, bons salários e proteção legal. Muitos travestis são exterminados por pistoleiros pelo simples fato de serem somente travestis.

A comunidade LGBTQ nos subúrbios precisa, mais do que nunca, ter qualidade de vida e proteção.

Não basta pobres e negros/as poderem se vestir do sexo oposto e namorar gente do mesmo sexo se sua situação é vulnerável à ação de um pistoleiro ou mesmo um policial corrompido.

E é preciso também ver a causa LGBTQ como um direito de escolha, e não como obrigação de caráter exótico, forçada pelo discurso provocativo de intelectuais etnocêntricos.

Há também o outro lado, o de forçar o pobre a ser homossexual porque assim ele não precisa gerar filhos, o que influi na diminuição da população pobre e negra, resultando num silencioso higienismo social.

Daí haver muitas e muitas questões que o mero hedonismo identitário nem sempre faz sentido.

O Brasil, marcado pelo seu profundo atraso, precisa compreender a sua complexidade. É um longo caminho e, como diz o ditado, o Brasil não é para amadores.

Felizmente, pessoas como Felipe Neto ajudam os brasileiros a darem passos para a frente.

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