Pular para o conteúdo principal

COMO CRITICAR LULA SEM CAIR NOS CLICHÊS DO ANTIPETISMO VULGAR


Que o governo Lula, em seu atual mandato, é o mais medíocre de todos, em que pese ser o mandato mais ambicioso e mais grandiloquente, isso poucos conseguem perceber com objetividade. Que Lula está sofrendo uma grande oposição popular, é uma realidade oposta e diferente do que a bolha lulista nos faz crer, pois o "sucesso" do atual governo não encontra ressonância na realidade vivida dos brasileiros.

Lula fez seu pronunciamento no último dia 28 de julho, domingo, mesmo dia em que a Venezuela votava para a sucessão presidencial, na disputa centralizada pelo opositor Edmundo González e pelo presidente Nicolás Maduro, que buscava a reeleição. No momento, a Venezuela sofre uma crise, depois que o Conselho Nacional Eleitoral, o TSE daquele país, anunciou a vitória de Maduro, contestada pelo seu opositor.

O presidente brasileiro, tentando mais uma vez exaltar suas supostas realizações - artifícios resultantes dos simulacros que já definimos neste blogue, um processo de relatórios, estatísticas, opiniões, cerimônias etc - , fez um discurso triunfalista, talvez na esperança de também ser reeleito mesmo em situações controversas. Fora da bolha lulista, Lula perde popularidade de maneira preocupante.

Em vários trechos, Lula repete os clichês conhecidos de seu governo medíocre, como falar da suposta taxação dos super-ricos - que na prática não mexe nas grandes fortunas, que têm tempo para recuperar e até superar os 2% previstos para serem tributados em cada semestre - e a evocar a mãe do presidente, Dona Lindu. Uma amostra do discurso:

"Quando terminei o segundo mandato, há 14 anos, a economia crescia mais de 4% ao ano. A geração de empregos, o salário e a renda das famílias aumentavam, e a inflação caía. Tiramos o Brasil do mapa da fome. De lá para cá, assistimos a uma enorme destruição no nosso país".

"O Brasil recuperou seu protagonismo no cenário mundial. Participamos de todos os principais fóruns internacionais. O Brasil voltou ao mundo, e o mundo agora vai passar pelo Brasil".

"Não podemos nos calar diante de um drama que afeta a vida de 733 milhões de homens, mulheres e crianças em todo o mundo. Para tornar o mundo mais justo, estamos levando para o G20 a proposta de taxação dos super-ricos, que já conta com a adesão de vários países".

"Queremos um Brasil que cresça para todas as famílias brasileiras. Não abrirei mão da responsabilidade fiscal. Entre as muitas lições de vida que recebi de minha mãe, dona Lindu, aprendi a não gastar mais do que ganho. É essa responsabilidade que está nos permitindo ajudar a população do Rio Grande do Sul com recursos federais".

"O Brasil se reencontrou com a civilização".

"O Brasil voltou ao mundo, e o mundo agora vai passar pelo Brasil".

"Para mim, governar é cuidar de milhões de famílias. Toda mãe e todo pai sabem a dificuldade que é cuidar de uma família. Garantir que os filhos tenham uma boa alimentação, saúde, educação, segurança e um futuro melhor. É o que venho fazendo desde o início do meu governo. Hoje o que falta ao mundo é paz, solidariedade e humanismo. Estamos prontos para dar o exemplo de que aqui, no Brasil, a inclusão social, a fraternidade, o respeito e o amor são capazes de vencer o ódio".

Dito tudo isso, soa maravilhoso, mas o que se vê na realidade concreta é um cenário de convulsões sociais, de um lado, e de profunda histeria consumista e lúdica, de outro. Lula fala de um Brasil "em ruínas" deixadas pelo mandato irresponsável e nocivo de Jair Bolsonaro. Mas Lula preferiu "reconstruir o Brasil" em clima de festa, o que soa muitíssimo estranho.

Hoje o que vemos é uma elite de lulistas sendo beneficiada diretamente pelo governo Lula. Eu costumo apelidar de "Clube de Assinantes VIP", com base naquele serviço de assinaturas do YouTube em que um seleto grupo de pessoas tem direito a um conteúdo mais abrangente de um canal, através de uma assinatura mediante pegamento.

No caso dos lulistas, o voto e a adesão às agendas ideológicas de Lula, que consistem num neoliberalismo assistencialista combinado com o culturalismo de caráter identitário e popularesco, algo que nem sempre está de acordo com as pautas progressistas autênticas.

Com isso, devemos ter cuidado com as críticas ao Lula, para não se cair nos clichês do antipetismo vulgar e infantil. A ideia não é ficar chamando Lula de "ladrão", como o antipetismo mais simplório dos "viúvos" do bolsonarismo pregam.

É certo que Lula comete desonestidades, como comprar votos do Legislativo para aprovar projetos do governo, que no mandato atual ganhou o eufemismo "técnico" de "verbas para emendas parlamentares". Uma prática clientelista digna da República Velha, e que teve um antecedente mais tímido nos mandatos anteriores, o que fez Lula se omitir quanto às acusações de corrupção e enfurecer opositores e até antigos adeptos que passaram, também, para a oposição, o que deu no inverno golpista de 2015-2022.

No entanto, não se pode investir em clichês caricatos. O que se deve criticar em Lula não deve cair no clichê do "político ladrão", pois não é isso que se deve apontar como ponto negativo. Isso soa subjetivo e acaba sendo facilmente rebatido pelos lulistas, que com muita comodidade até respondem com ironia através do bordão "Lula, seu ladrão, você roubou meu coração".

O que se tem que criticar em Lula é seu governo medíocre. Enquanto ele discursa com muita pretensão e grandiloquência, os problemas reais do Brasil o presidente não consegue e, talvez, nem queira resolver: aumento do desemprego, do contrário que os dados oficiais apontam, os salários baixos, os preços caros e a desigualdade social apenas ressignificada, pois agora temos uma elite "democrática" que envolve o pobre remediado, a pequena burguesia e a aristocracia informal dos famosos.

Devemos criticar Lula pelos erros objetivos, e não bancar a criancinha malcriada e dizer, vagamente, que "Lula rouba". Isso não resolve em matéria de críticas e só fortalece ainda mais a base petista, mesmo quando o presidente brasileiro, hoje, perde tanto a popularidade a ponto de ver esvaziado um evento de comemoração do Dia do Trabalhador.

Lula se acha triunfante, acha que será reeleito de qualquer maneira, e até fica rindo dos opositores infantilizados que se limitam a explorar o estereótipo do "Luladrão". Esse bordão de que "Lula rouba" em nada contribui para resolver os problemas do país, e também não aponta a verdadeira realidade da miséria crescente, do consumismo voraz da classe média abastada, da festividade tóxica dos grupos identitários, da transformação do Brasil num "parque de diversões" sem serventia para a justiça social.

Ficar nos clichês do "Luladrão" pode divertir muita gente nas redes sociais, mas soa vazio, vago, infantil e sem um pingo de objetividade. Convém criticarmos Lula com embasamento, com fundamentação em vez de fundamentalismo, no caso o bolsonarista.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

SIMBOLOGIA IRÔNICA

  ACIMA, A REVOLTA DE OITO DE JANEIRO EM 2023, E, ABAIXO, O MOVIMENTO DIRETAS JÁ EM 1984. Nos últimos tempos, o Brasil vive um período surreal. Uma democracia nas mãos de um único homem, o futuro de nosso país nas mãos de um idoso de 80 anos. Uma reconstrução em que se festeja antes de trabalhar. Muita gente dormindo tranquila com isso tudo e os negacionistas factuais pedindo boicote ao pensamento crítico. Duas simbologias irônicas vêm à tona para ilustraresse país surrealista onde a pobreza deixou de ser vista como um problema para ser vista como identidade sociocultural. Uma dessas simbologias está no governo Lula, que representa o ideal do “milagre brasileiro” de 1969-1974, mas em um contexto formalmente democrático, no sentido de ninguém ser punido por discordar do governo, em que pese a pressão dos negacionistas factuais nas redes sociais. Outra é a simbologia do vandalismo do Oito de Janeiro, em 2023, em que a presença de uma multidão nos edifícios da Praça dos Três Poderes, ...

"ANIMAIS CONSUMISTAS"AJUDAM A ENCARECER PRODUTOS

O consumismo voraz dos "bem de vida" mostra o quanto o impulso de comprar, sem ver o preço, ajuda a tornar os produtos ainda mais caros. Mesmo no Brasil de Lula, que promete melhorias no poder aquisitivo da população, a carestia é um perigo constante e ameaçador. A "boa" sociedade dos que se acham "melhores do que todo mundo", que sonha com um protagonismo mundial quase totalitário, entrou no auge no período do declínio da pandemia e do bolsonarismo, agora como uma elite pretensamente esclarecida pronta a realizar seu desejo de "substituir" o povo brasileiro traçado desde o golpe de 1964. Vemos também que a “boa” sociedade brasileira tem um apetite voraz pelo consumo. São animais consumistas porque sua primeira razão é ter dinheiro e consumir, atendendo ao que seus instintos e impulsos, que estão no lugar de emoções e razões, ordenam.  Para eles, ter vale mais do que ser. Eles só “são” quando têm. Preferem acumular dinheiro sem motivo e fazer de ...

A SOCIEDADE HIPERMERCANTIL E HIPERMIDIÁTICA

CONSUMISMO, DIVERSÃO E HEDONISMO OBSESSIVOS SÃO AS NORMAS NO BRASIL ATUAL. As pessoas mais jovens, em especial a geração Z mas incluindo também a gente mais velha nascida a partir de 1978, não percebe que vive numa sociedade hipermercantilizada e hipermidiatizada. Pensa que o atual cenário sociocultural é tão fluente como as leis da natureza e sua rotina supostamente livre esconde uma realidade nada livre que muitos ignoram ou renegam. Difícil explicar para gente desinformada, sobretudo na flor da juventude, que vivemos numa sociedade marcada pelas imposições do mercado e da mídia. Tudo para essa geração parece novo e espontâneo, como se uma gíria fabricada como “balada” e a supervalorização de um ídolo mediano como Michael Jackson fossem fenômenos surgidos como um sopro da Mãe Natureza. Não são. Os comportamentos “espontâneos” e as gírias “naturais” são condicionados por um processo de estímulos psicológicos planejados pela mídia sob encomenda do mercado, visando criar uma legião de c...

COVID-19 TERIA MATADO 3 MIL FEMINICIDAS NO BRASIL

Nos dez anos da Lei do Feminicídio, o machismo sanguinário dos feminicidas continua ocorrendo com base na crença surreal de que o feminicida é o único tipo de pessoa que, no Brasil, está "proibida de morrer". Temos dois feminicidas famosos em idade de óbito, Pimenta Neves e Lindomar Castilho (87 e 84 anos, respectivamente), e muitos vão para a cama tranquilos achando que os dois são "garotões sarados com um futuro todo pela frente". O que as pessoas não entendem é que o feminicida já possui uma personalidade tóxica que o faz perder, pelo menos, 20 anos de vida. Mesmo um feminicida que chega aos 90 anos de idade é porque, na verdade, chegaria aos 110 anos. Estima-se que um feminicida considerado "saudável" e de boa posição social tem uma expectativa de vida correspondente a 80% de um homem inofensivo sob as mesmas condições. O feminicida tende a viver menos porque o ato do feminicídio não é um simples desabafo. No processo que se dá antes, durante e depois ...

ESTÁ BARATO PARA QUEM, CARA PÁLIDA?

A BURGUESIA DE CHINELOS ACHA BARATO ALUGUEL DE CASA POR R$ 2 MIL. Vivemos a supremacia de uma elite enrustida que, no Brasil, monopoliza as formas de ver e interpretar a realidade. A ilusão de que, tendo muito dinheiro e milhares de seguidores nas redes sociais dos quais umas centenas concordam com quase tudo, além de uma habilidade de criar uma narrativa organizada que faz qualquer besteira surreal soar uma pretensa verdade, faz da burguesia brasileira uma classe que impõe suas visões de mundo por se achar a "mais legal do planeta". Com isso, grandes distorções na interpretação da realidade acabam prevalecendo, mais pelo efeito manada do que por qualquer sentido lógico. "Lógica " é apenas uma aparência, ou melhor, um simulacro permitido pela organização das narrativas que, por sorte, fabricam sentido e ganham um aspecto de falsa coerência realista. Por isso, até quando se fala em salários e preços, a burguesia ilustrada brasileira, que se fantasia de "gente si...

ED MOTTA ERROU AO CRITICAR MARIA BETHÂNIA

  Ser um iconoclasta requer escolher os alvos certos das críticas severas. Requer escolher quem deveria ser desmascarado como mito, quem merece ser retirado do seu pedestal em primeiro lugar. Na empolgação, porém, um iconoclasta acaba atacando os alvos errados, mesmo quando estes estão associados a certos equivocos. Acaba criando polêmicas à toa e cometendo injustiças por conta da crítica impulsiva. Na religião, por exemplo, é notório que a chamada opinião (que se torna) pública pegue pesado demais nos pastores e bispos neopentecostais, sem se atentar de figuras mais traiçoeiras que são os chamados “médiuns”, que mexem em coisa mais grave, que é a produção de mensagens fake atribuídas a personalidades mortas, em deplorável demonstração de falsidade ideológica a serviço do obscurantismo religioso de dimensões medievais. Infelizmente tais figuras, mesmo com evidente charlatanismo, são blindadas e poupadas de críticas e repúdios até contra os piores erros. É certo que a MPB autêntica ...

COMO A BURGUESIA DE CHINELOS DISSIMULA SUA CONDIÇÃO SOCIAL?

A BURGUESIA ENRUSTIDA BRASILEIRA SE ACHA "POBRE" PORQUE, ENTRE OUTRAS COISAS, PAGA IPVA E COMPRA MUITO COMBUSTÍVEL PARA SEUS CARRÕES SUV. A velha Casa Grande ainda está aqui. Os golpistas de 1964 ainda estão aqui. Mas agora essa burguesia bronzeada se fantasia de “gente simples” e se espalha entre o povo, enquanto faz seus interesses e valores prevalecerem nas redes sociais. Essa burguesia impõe seus valores ou projetos como se fossem causas universais ou de interesse público. A gíria farialimer “balada”, o culto aos reality shows , o yuppismo pop-rock da 89 FM, Rádio Cidade e congêneres, a exaltação da música brega-popularesca (como a axé-music, o trap e o piseiro), a pseudo-sofisticação dos popularescos mais antigos (tipo Michael Sullivan e Chitãozinho & Xororó) e a sensação que a vida humana é um grande parque de diversões. Tudo isso são valores que a burguesia concede aos brasileiros sob a ilusão de que, através deles, o Brasil celebrará a liberdade humana, a paz soc...

A EXPLOSÃO DO SENSO CRÍTICO QUE ENVERGONHA A "BOA" SOCIEDADE

Depois de termos, em 2023, o "eterno" verão da conformidade com tudo, em que o pensamento crítico era discriminado e a regra era todos ficarem de acordo com um cenário de liberdade consumista e hedonista, cuja única coisa proibida era a contestação, o jogo virou de vez. As críticas duras ao governo Lula e as crises sociais do cenário sociocultural em que temos - como a queda da máscara do "funk" como suposta expressão do povo pobre, quando funqueiros demonstraram que acumularam fortunas através dessa lorota - mostram que o pensamento crítico não é "mera frescura" de intelectuais distópico-existencialistas europeus. Não convencem os boicotes organizados por pretensos formadores de opinião informais, que comandam as narrativas nas redes sociais. Aquele papo furado de pedir para o público não ler "certos blogues que falam mal de tudo" não fez sentido, e hoje vemos que a "interminável" festa de 2023, da "democracia do sim e nunca do nã...

THE ECONOMIST E A MEGALOMANIA DA BURGUESIA DE CHINELOS ATRAVÉS DO "FUNK"

A CANTORA ANITTA APENAS LEVA O "FUNK" PARA UM NICHO ULTRACOMERCIAL DE UM RESTRITO PÚBLICO DE ORIGEM LATINA NOS EUA. Matéria do jornal britânico The Economist alegou que o "funk" vai virar uma "febre global". O periódico descreve que "(os brasileiros modernos) preferem o sertanejo, um gênero country vibrante, e o funk, um estilo que surgiu nas favelas do Rio. O funk em particular pode se tornar global e mudar a marca do Brasil no processo". Analisando o mercado musical brasileiro, o texto faz essa menção em comparação com a excelente trilha sonora do filme Eu Ainda Estou Aqui , marcada por canções emepebistas, a julgar pela primeiro sucesso póstumo de Erasmo Carlos, "É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo", uma antiga canção resgatada de um LP de 1971. "A trilha sonora suave do filme alimenta a imaginação dos estrangeiros sobre o Brasil como um país onde bandas de samba e bossa nova cantam canções jazzísticas em calçadões de areia. Mas ...

LULA QUER QUE A REALIDADE SEJA SUBJUGADA A ELE

LULA E O MINISTRO DA SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL, SIDÔNIO PALMEIRA. A queda de popularidade do presidente Lula cria uma situação inusitada. Uma verdadeira "torre de Babel" se monta dentro do governo, com Lula cobrando ações dos ministros e o governo cobrando dos assessores de comunicação "maior empenho" para divulgar as chamadas "realizações do presidente Lula". Um rol de desentendimentos ocorrem, e acusações como "falta de transparência" e "incapacidade de se chegar à população" vêm à tona, e isso foi o tom da reunião que o ministro da Secretaria de Comunicação Social, Sidônio Palmeira, publicitário responsável pela campanha de Lula em 2022, fez com 500 profissionais de assessorias de diversos órgãos do Governo Federal, na última sexta-feira. Sidônio criticou a falta de dedicação dos ministros para darem entrevistas para falar das "realizações do governo", assim como a dificuldade do governo em apresentar esses dados ao ...