
O sensacionalismo estatístico continua aprontando, e certos levantamentos parecem atraentes demais para serem realidade. É o caso da lista das cinco cidades mais belas do mundo segundo diversos índices internacionais. O índice inclui uma cidade brasileira cujos atributos relacionados à beleza urbana há muito se perderam.
Vejamos a lista das cinco colocadas, respectivamente: Veneza, na Itália, Paris, na França, Praga, na República Tcheca, Rio de Janeiro, no Brasil, e Quioto, no Japão. A inclusão do Rio de Janeiro no quarto lugar é um grande exagero e não condiz à realidade de decadência que, infelizmente, atinge a ex-Cidade Maravilhosa.
Há poucos dias, dois homens foram mortos em um atentado na Avenida Brasil, principal ponto de acesso para a cidade do Rio de Janeiro. A avenida hoje é palco de intensos tiroteios, que causam mortos e feridos, causando insegurança até em quem passa por ônibus ou automóvel pela região. O mais grave é que a Avenida Brasil é um dos principais acessos para quem vem do Galeão em direção ao Centro.
E o que faz o Rio de Janeiro ser ainda considerado “a quarta cidade mais bela do mundo”? Oficialmente, as alegações incluem beleza paisagística e patrimônio cultural. E isso é constrangedor se percebermos o que ocorreu com o Museu Nacional em 2018. E vamos combinar que o que justificaria a beleza do Rio de Janeiro ocupa uma área que não chega a corresponder a 20% do seu território.
São velhos paradigmas que residem, basicamente, numa única imagem reproduzida milhares de vezes em cartões postais: a vista aérea da Zona Sul com o Cristo Redentor e o Pão de Açúcar incluídos na paisagem. Fora isso, há o antigo estigma das praias da Zona Sul: Leme, Copacabana, Arpoador, Ipanema e Leblon, cujas belezas foram superadas pelas das capitais nordestinas, como Aracaju, Maceió e Fortaleza.
Houve melhorias paisagísticas no Centro, como a substituição do antigo Viaduto da Perimetral, que cobria a Zona Portuária em uma escuridão diurna, assim como o entorno do Aeroporto Santos Dumont e do Aterro do Flamengo.
Mas, infelizmente, o Rio de Janeiro deixou de ser lindo. Pelo contrário, as favelas, mesmo sendo convertidas em paisagens de consumo para o safári humano contemplado pela burguesia descolada, mostra sua feiura e sua falta de funcionalidade, além de servirem como campos de concentração de pobres a serem alvo de balas nem sempre tão perdidas assim disparadas pela violência policial, como se não bastassem ser essas residências precárias e mal construídas.
A Rocinha se mostra um cenário distópico, diferente das narrativas gourmetizadas da intelectualidade “bacana” que considera a pobreza um espetáculo exótico. Mas sua construção degradante é um drama social, não a “poesia” da pobreza “linda de se ver” por parte dessa sociedade burguesa metida a vanguardista e que quase acabou com o país com essa conversa de “combate ao preconceito” que só institucionalizou a precarização sociocultural, sem trazer benefício algum para as classes populares.
As favelas acabaram sendo dominadas pelas milícias e pelo narcotráfico. O povo pobre da vida real difere completamente dos “pobres de novela” que descem a favela sambando e dançando. Diante da pobreza imaginária e idealizada pela intelectualidade, vemos, no Rio de Janeiro, o prefeito carioca Eduardo Paes governando somente para os ricos enquanto o governador estadual Cláudio Castro governa contra os pobres.
Nesta arena política, os verdadeiros pobres, que não se identificam de forma alguma com o bacanal brega-popularesco do “funk”, sofrem a rotina dura de um Rio de Janeiro decadente, escondido pelas fotos de cartões postais que mostram apenas uma pequena área dotada de beleza, mas que mesmo assim é apenas uma pálida sombra de uma beleza que não existe mais.
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