Faleceu ontem um dos mais renomados intelectuais do mundo, o italiano Umberto Eco. Eventual romancista, ele na verdade era um profundo analista da Comunicação, tendo sido um dos pensadores mais instigantes oriundos do século XX, uma geração que aos poucos vai desaparecendo, vide Eric Hobsbawm, por exemplo, há quatro anos, só para citar um deles.
Umberto estava ativo até não poder mais, e ainda há um livro inédito a ser lançado este ano. Em 2015, ele lançou sua última obra em vida, Número Zero, romance sobre o cenário sórdido do jornalismo que domina as empresas de Comunicação. Segundo ele, o mal da maioria dos jornalistas é a falta de independência e a submissão aos interesses dos patrões.
Ele era um dos críticos ácidos da chamada "cultura de massa". Embora, em sua linha de pensamento, ele relativizasse os conceitos de "belo" e de "feio", ele tratava com uma certa desconfiança expressões culturais tidas como "sofisticadas", mas que, na verdade, eram apenas formas lapidadas do grotesco.
Ele tinha definições sobre "camp" e "kitsch", descritas no livro Apocalípticos e Integrados (Apocalittici i Integrati), de 1964, bem diferentes da que as pessoas costumam ter. Elas pensam o kitsch como se fosse o grotesco propriamente dito e o camp, como sua forma mais, digamos, "carnavalesca".
Para ele, o kitsch seria o grotesco travestido de sofisticação. Como se observa, na música brasileira, em Chitãozinho & Xororó e Alexandre Pires. O camp é que seria o grotesco propriamente dito, escancarado, como o "funk carioca".
No mesmo livro, Eco também analisou alguns fenômenos de revistas em quadrinhos, como o Super-Homem e A Turma do Charlie Brown. Aliás, é maravilhosa a análise que Eco faz de Charlie Brown, Snoopy e companhia. Vale ler Apocalípticos e Integrados.
Em uma das entrevistas recentes, ele faz uma crítica às mídias sociais, observando, como ninguém, a realidade da truculência de trolls e cyberbullies. Ele lamenta que as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis. "Os imbecis eram imediatamente calados, mas agora eles têm o mesmo direito à palavra de um Nobel. O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade", disse.
Eco escreveu muitos livros, desde o romance O Nome da Rosa (Il Nome Della Rosa), de 1980, a Como Se Faz uma Tese (Come si fa una tesi di laurea), de 1977, importante livro para quem quiser saber como fazer uma monografia de pós-graduação.
Muitas de suas ideias são contundentes para a realidade brasileira. O pensador italiano era beneficiado porque, no primeiro mundo, pessoas que têm o que dizer e podem pensar o mundo de maneira realista e abrangente têm espaço, tanto no meio acadêmico quanto no meio profissional e na mídia, o que significa garantia de visibilidade e prestígio de gente que realmente vale a pena.
Aqui no Brasil, as pessoas do tipo de Umberto Eco não têm acesso a cursos de pós-graduação, são impedidos de publicar livros, não têm espaço nos meios de comunicação e, por isso, mal conseguem trabalhar uma débil visibilidade em páginas na Internet.
No Brasil, a situação é tão cruel que até a intelectualidade de esquerda, em que pese ter muitas posições brilhantemente coerentes, é complacente com o brega-popularesco, sem ver discernimento entre a imagem caricatural do povo pobre pelo mercado e pela mídia e a realidade concreta das classes populares.
Para os intelectuais brasileiros, a imagem do povo pobre trabalhada pelos programas de TV, ao mesmo tempo debiloide e espetacularizada, é a mesma da realidade nos subúrbios, roças e favelas. Falta um melhor discernimento nessa agenda por parte de intelectuais progressistas que reprovam os abusos da grande mídia mas veem o povo pobre sob os mesmos filtros da Globo, Folha, Veja etc.
Daí a importância de Umberto Eco nesses tempos de crise. Vale ler seus livros e discutir suas abordagens de acordo com nossa realidade.
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