Pular para o conteúdo principal

"BRANCURA" DE NOVELA DA GLOBO SEGUE A LÓGICA DA AXÉ-MUSIC

GIOVANNA ANTONELLI EM GRAVAÇÃO DA NOVELA SEGUNDO SOL, DA REDE GLOBO.

Não é surpresa alguma que a novela Segundo Sol, dentro das perspectivas da Rede Globo pós-2016, mostre uma Bahia esbranquiçada, uma Salvador mais próxima dos condomínios elitistas da Barra, não a Barra soteropolitana, mas a Barra da Tijuca carioca.

Sim, porque mesmo nos recantos elitistas da capital baiana, como o Corredor da Vitória, Barra, Ondina, Pituba e em outros municípios, como Villas do Atlântico, em Lauro de Freiras, e Costa do Sauipe, em Mata de São João, existe um número considerável de negros.

Os negros são 76% da população da Grande Salvador. No elenco de Segundo Sol, não vai mais do que 12%.

Dos atores negros, de um elenco de 26, só existem três. E, destes, só Fabrício Boliveira, por sinal soteropolitano, apareceu nos eventos de lançamento da novela.

Em contrapartida, duas atrizes que se destacam no telefolhetim são cariocas, Deborah Secco e Giovanna Antonelli, esta, por sinal, com clara beleza italiana, como sugere o sobrenome.

O enredo da novela, passando em Salvador, é um gancho para o revival da axé-music no Brasil.

Só que a axé-music, do contrário que muitos pensam, não tem a ver com a verdadeira baianidade.

Temos que separar a música baiana de verdade (Lazzo, Gerônimo, Margareth Menezes, Olodum, Edson Gomes) do pop dançante e ultracomercial à maneira baiana, dos grandes nomes de trio etc etc etc.

Você não vai encontrar a realidade do povo negro baiano em formas caricaturais como É O Tchan, Harmonia do Samba, Psirico, Parangolé e fora os grupos de nomes esquisitos: Uisminoufay, Poder Dang, Saiddy Bamba, Guig Guetto etc.

E nem no arrocha de Silvano Salles, Nara Costa ou, mais recentemente, de um tal de Pablo (favor não confundir com o drag queen Pablo Vittar).

JOSÉ SARNEY E ANTÔNIO CARLOS MAGALHÃES (NA FOTO, TENDO AO LADO TASSO JEREISSATI E ACM NETO) AJUDARAM O "POPULAR DEMAIS" A CRESCER, COM A FARRA DAS CONCESSÕES POLÍTICAS DE RÁDIO E TV.

Eu vivi em Salvador durante 18 anos, entre 1990 e 2008. Embora eu tenha nascido em Florianópolis, meu pai é baiano e minha mãe, catarinense.

A axé-music surgiu por um arranjo político-midiático.

O então governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães - antigo udenista e uma das figuras civis que se ascenderam durante a ditadura militar - , queria promover uma "baianidade" para consumo, visando faturar em cima do Turismo estadual.

Além disso, ACM, como ministro das Comunicações de José Sarney - outro oligarca udenista que se ascendeu durante a ditadura - , fez uma farra de concessões de rádio e TV.

Isso desenhou, em todo o território nacional, o cenário completo da bregalização que estava sendo armada pela ditadura militar.

Sim, porque o chamado "popular demais", que trabalha com a espetacularização da pobreza e de toda sua simbologia negativa (como a prostituição, o subemprego e o alcoolismo), foi um subproduto de uma agenda cultural tramada pela ditadura militar e pelas oligarquias midiáticas associadas.

É triste saber que, entre as esquerdas, prevalece a narrativa de que o "popular demais" seria uma suposta rebelião popular revolucionária, uma tese que não tem pé nem cabeça.

Daí não ser surpresa que a "novela da axé-music" tenha um elenco de brancos e passe longe da realidade dura vivida pelo povo negro na capital baiana.

Vindo de uma Rede Globo que criou uma narrativa "socializante" do "funk", discurso que, infelizmente, as esquerdas aceitaram sem críticas, isso faz sentido.

No "funk", por sinal patrocinado por Luciano Huck e Ana Maria Braga e até por uma parcela de atores que também se mobilizaram contra Dilma Rousseff, observava-se também a caricatura da favela e a resignação do povo pobre de sua simbologia supostamente identitária.

O "funk" foi um bem articulado truque de marketing, que rebaixou a meras mercadorias de consumo causas como a luta do povo pobre, os movimentos negro e feminista e a causa LGBT, tratados pelo ritmo de maneira bastante caricatural.

Quanto à axé-music, a presença de pessoas brancas na novela Segundo Sol não difere muito do que a propaganda do Carnaval da Bahia fazia no seu auge.

A PROPAGANDA DO CARNAVAL DE SALVADOR TAMBÉM PRIORIZAVA GENTE BRANCA, DESPREZANDO A NEGRITUDE PREDOMINANTE ENTRE OS BAIANOS.

As propagandas dos blocos carnavalescos sempre mostrava pessoas brancas, a "gente bonita" que servia para atrair consumidores de maior poder aquisitivo.

Além disso, os próprios atores da Rede Globo recebiam cachê para se passarem por fãs de axé-music - esse truque foi repetido com o "funk" - , sob ameaça de perderem contratos de novela e participações publicitárias.

Com medo de irem para a "geladeira" (espécie de ostracismo profissional), atores e atrizes faziam de tudo: da dança do bumbum ao "rebolation", tudo em troca de contratos por bons papéis em novelas e boas campanhas comerciais de grandes marcas.

Portanto, a "brancura" da novela Segundo Sol segue a lógica da axé-music.

Deixemos de misturar alhos com bugalhos. É bom as esquerdas médias pararem de pensar que os escravos baianos do passado se rebelavam fazendo o "rebolation-tion" ou o "arrocha, arrocha, arrocha".

A intelectualidade "bacana" também produz seu Segundo Sol. Mas este só difere porque mostra muitos negros, ainda que de forma caricatural. Isso é tão ou mais cruel do que a "Bahia branca" da novela da Globo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

FUNQUEIROS, POBRES?

As notícias recentes mostram o quanto vale o ditado "Quem nunca comeu doce, quando come se lambuza". Dois funqueiros, MC Daniel e MC Ryan, viraram notícias por conta de seus patrimônios de riqueza, contrariando a imagem de pobreza associada ao gênero brega-popularesco, tão alardeada pela intelectualidade "bacana". Mc Daniel recuperou um carrão Land Rover avaliado em nada menos que R$ 700 mil. É o terceiro assalto que o intérprete, conhecido como o Falcão do Funk, sofreu. O último assalto foi na Zona Sul do Rio de Janeiro. Antes de recuperar o carro, a recompensa prometida pelo funqueiro foi oferecida. Já em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, outro funqueiro, MC Ryan, teve seu condomínio de luxo observado por uma quadrilha de ladrões que queriam assaltar o famoso. Com isso, Ryan decidiu contratar seguranças armados para escoltá-lo. Não bastasse o fato de, na prática, o DJ Marlboro e o Rômulo Costa - que armou a festa "quinta coluna" que anestesiou e en

FIQUEMOS ESPERTOS!!!!

PESSOAS RICAS FANTASIADAS DE "GENTE SIMPLES". O momento atual é de muita cautela. Passamos pelo confuso cenário das "jornadas de junho", pela farsa punitivista da Operação Lava Jato, pelo golpe contra Dilma Rousseff, pelos retrocessos de Temer, pelo fascismo circense de Bolsonaro. Não vai ser agora que iremos atingir o paraíso com Lula nem iremos atingir o Primeiro Mundo em breve. Vamos combinar que o tempo atual nem é tão humanitário assim. Quem obteve o protagonismo é uma elite fantasiada de gente simples, mas é descendente das velhas elites da Casa Grande, dos velhos bandeirantes, dos velhos senhores de engenhos e das velhas oligarquias latifundiárias e empresariais. Só porque os tataranetos dos velhos exterminadores de índios e exploradores do trabalho escravo aceitam tomar pinga em birosca da Zona Norte não significa que nossas elites se despiram do seu elitismo e passaram a ser "povo" se misturando à multidão. Tudo isso é uma camuflagem para esconder

DEMOCRACIA OU LULOCRACIA?

  TUDO É FESTA - ANIMAÇÃO DE LULA ESTÁ EM DESACORDO COM A SOBRIEDADE COM QUE SE DEVE TER NA VERDADEIRA RECONSTRUÇÃO DO BRASIL. AQUI, O PRESIDENTE DURANTE EVENTO DA VOLKSWAGEN DO BRASIL. O que poucos conseguem entender é que, para reconstruir o Brasil, não há clima de festa. Mesmo quando, na Blumenau devastada pela trágica enchente de 1983, se realizou a primeira Oktoberfest, a festa era um meio de atrair recursos para a reconstrução da cidade catarinense. Imagine uma cirurgia cujo paciente é um doente em estado terminal. A equipe de cirurgiões não iria fazer clima de festa, ainda mais antes de realizar a operação. Mas o que se vê no Brasil é uma situação muito bizarra, que não dá para ser entendida na forma fácil e simplória das narrativas dominantes nas redes sociais. Tudo é festa neste lulismo espetaculoso que vemos. Durante evento ocorrido ontem, na sede da Volkswagen do Brasil, em São Bernardo do Campo, Lula, já longe do antigo líder sindical de outros tempos, mais parecia um showm

FOMOS TAPEADOS!!!!

Durante cerca de duas décadas, fomos bombardeados pelo discurso do tal "combate ao preconceito", cujo repertório intelectual já foi separado no volume Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , para o pessoal conhecer pagando menos pelo livro. Essa retórica chorosa, que alternava entre o vitimismo e a arrogância de uma elite de intelectuais "bacanas", criou uma narrativa em que os fenômenos popularescos, em boa parte montados pela ditadura militar, eram a "verdadeira cultura popular". Vieram declarações de profunda falsidade, mas com um apelo de convencimento perigosamente eficaz: termos como "MPB com P maiúsculo", "cultura das periferias", "expressão cultural do povo pobre", "expressão da dor e dos desejos da população pobre", "a cultura popular sem corantes ou aromatizantes" vieram para convencer a opinião pública de que o caminho da cultura popular era através da bregalização, partindo d

VIRALATISMO MUSICAL BRASILEIRO

  "DIZ QUE É VERDADE, QUE TEM SAUDADE .." O viralatismo cultural brasileiro não se limita ao bolsonarismo e ao lavajatismo. As guerras culturais não se limitam às propagandas ditatoriais ou de movimentos fascistas. Pensar o viralatismo cultural, ou culturalismo vira-lata, dessa maneira é ver a realidade de maneira limitada, simplista e com antolhos. O que não foi a campanha do suposto "combate ao preconceito", da "santíssima trindade" pró-brega Paulo César de Araújo, Pedro Alexandre Sanches e Hermano Vianna senão a guerra cultural contra a emancipação real do povo pobre? Sanches, o homem da Folha de São Paulo, invadindo a imprensa de esquerda para dizer que a pobreza é "linda" e que a precarização cultural é o máximo". Viralatismo cultural não é só Bolsonaro, Moro, Trump. É"médium de peruca", é Michael Sullivan, é o É O Tchan, é achar que "Evidências" com Chitãozinho e Xororó é um clássico, é subcelebridade se pavoneando

ESQUERDAS CORTEJANDO UMA CANTORA IDENTITARISTA... MAS CAPITALISTA

CARTAZ DA BOITEMPO JUNTANDO KARL MARX E MADONNA NO MESMO BALAIO. O Brasil está tendo uma aula gratuita do que é peleguismo, com Lula fazendo duplo jogo político enganando o povo pobre e se aliando com os ricos, e do que é pequena burguesia, com uma elite de classe média abastada que aoosta num esquerdismo infantilizado, identitarista e indiferente aos verdadeiros problemas das classes trabalhadoras. As esquerdas mainstream do Brasil, as esquerdas médias, são a tradução local da pequena burguesia falada pela teoria marxista. Uma esquerda que quer soar pop e que, através dos “brinquedos culturais” que fazem do Brasil a versão vida real da novela das 21 horas da Rede Globo, quer o mundo da direita moderada convertido num pretenso patrimônio esquerdista. Isso faz as esquerdas soarem patéticas em muitos momentos. Como se observa tanto na complacência do jornalista Julinho Bittencourt, da Revista Fórum, com o fato da apresentação de Madonna em Copacabana, no Rio de Janeiro, não ter músicos e

ALEGRIA TÓXICA DO É O TCHAN É CONSTRANGEDORA

O saudoso Arnaldo Jabor, cineasta, jornalista e um dos fundadores do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC - UNE), era um dos críticos da deterioração da cultura popular nos últimos tempos. Ele acompanhava a lucidez de tanta gente, como Ruy Castro e o também saudoso Mauro Dias que falava do "massacre cultural" da música popularesca. Grandes tempos e últimos em que se destacava um pensamento crítico que, infelizmente, foi deixado para trás por uma geração de intelectuais tucanos que, usando a desculpa do "combate ao preconceito" para defender a deterioração da cultura popular.  O pretenso motivo era promover um "reconhecimento de grande valor" dos sucessos popularescos, com todo aquele papo furado de representar o "espírito de uma época" e "expressar desejos, hábitos e crenças de um povo". Para defender a música popularesca, no fundo visando interesses empresariais e políticos em jogo, vale até apelar para a fal

BRASIL NO APOGEU DO EGOÍSMO HUMANO

A "SOCIEDADE DO AMOR" E SEU APETITE VORAZ DE CONSUMIR O DINHEIRO EM EXCESSO QUE TEM. Nunca o egoísmo esteve tão em moda no Brasil. Pessoas com mão-de-vaca consumindo que nem loucos mas se recusando a ajudar o próximo. Poucos ajudam os miseráveis, poucos dão dinheiro para quem precisa. Muitos, porém, dizem não ter dinheiro para ajudar o próximo, e declaram isso com falsa gentileza, mal escondendo sua irritação. Mas são essas mesmas pessoas que têm muito dinheiro para comprar cigarros e cervejas, esses dois venenos cancerígenos que a "boa" sociedade consome em dimensões bíblicas, achando que vão viver até os 100 anos com essa verdadeira dieta do mal à base de muita nicotina e muito álcool. A dita "sociedade do amor", sem medo e sem amor, que é a elite do bom atraso, a burguesia de chinelos invisível a olho nu, está consumindo feito animais vorazes o que seus instintos veem como algo prazeroso. Pessoas transformadas em bichos, dominadas apenas por seus instin

O PESADELO GAÚCHO QUE DESAFIA O "SONHO BRASILEIRO"

O CENTRO DE PORTO ALEGRE COM ÁGUA QUE ATINGIU CINCO METROS DE ALAGAMENTO. Não há como sonhar grande. O risco de cair da cama é total. A terrível tragédia do temporal no Rio Grande do Sul é algo que nos faz parar para pensar. Isso é normal para um país próspero? Falta alguma consciência ambiental no nosso país? Até o fechamento deste texto, 56 pessoas morreram e vários estão entre feridos, desabrigados e desaparecidos. Porto Alegre, Caxias do Sul e Gramado estão entre as inúmeras cidades atingidas por chuvas intensas, vendavais, trovoadas e transborda de rios, entre eles o Guaíba. E nós manifestamos pesar sobre essa traumatizante ocorrência e solidariedade às vítimas. A situação é muito triste, mas não deixa de ser lamentável o oportunismo das subcelebridades, aspirantes a super-ricos, de oferecer doações milionárias para as vítimas das enchentes. Uma sociedade que, em condições naturais, quer demais para si e, egoísta, não quer abrir mão do supérfluo para ajudar o próximo a ter o neces

FLUMINENSE FM E O RADIALISMO ROCK QUE QUASE NÃO EXISTE MAIS

É vergonhoso ver como a cultura rock e seu mercado radiofônico se reduziram hoje em dia, num verdadeiro lixo que só serve para alimentar fortunas do empresariado do entretenimento, de promotoras de eventos, de anunciantes, da mídia associada, às custas de produtos caros que vendem para jovens desavisados em eventos musicais.  São os novos super-ricos a arrancar cada vez mais o dinheiro, o couro e até os rins de quem consome música em geral, e o rock, hoje reduzido a um teatro de marionetes e um picadeiro da Faria Lima, se tornou uma grande piada, mergulhada na mesmice do hit-parade . Ninguém mais garimpa grandes canções, conformada com os mesmos sucessos de sempre, esperando que Stranger Things e Velozes e Furiosos façam alguma canção obscura se popularizar. Nos anos 1980, houve uma rádio muito brilhante, que até hoje não deixou sucessora à altura, seja pelos critérios de programação, pelo leque amplo de músicas tocadas e pela linguagem própria de seus locutores, seja pelo alcance do s