Hoje o golpismo político que escandalizou o Brasil em 2016 anda muito subestimado. O legado do golpe está erroneamente atribuído exclusivamente a Jair Bolsonaro, quando sabemos que este, por mais nefasto e nocivo que seja, foi apenas um operador desse período, hoje ofuscado pelos episódios da reunião do plano de golpe em 2022 e a revolta de Oito de Janeiro em 2023. Mas há quem espalhe na Internet que Jair Bolsonaro, entre nove e trinta anos de idade no período ditatorial, criou o golpe de 1964 (!).
De repente os lulistas trocaram a narrativa. Falam do golpe de 2016 como um fato nefasto, já que atingiu uma presidenta do PT. Mas falam de forma secundária e superficial. As negociações da direita moderada com Lula são a senha dessa postura bastante estranha que as esquerdas médias passaram a ter nos últimos quatro anos.
A memória curta é um fenômeno muito comum no Brasil, pois ela corresponde ao esquecimento tendencioso dos erros passados, quando parte dos algozes ou pilantras do passado retornam sob o papel oportunista de pretensos heróis, tentando ser aquilo que naturalmente nunca seriam.
Na ditadura militar, por exemplo, houve uma tendência da memória histórica se reduzir ao ano de 1968. A narrativa passou a percorrer de maneira apressada o decorrer da década de 1960 até perder a velocidade de 300km/h em 1968. Isso serviu tanto para tornar superficial a lembrança da ditadura, sobretudo em relação a José Sarney, que hoje brinca de ser esquerda, quanto para superestimar o protagonismo de antigos líderes estudantis, seja o petista José Dirceu, sejam os hoje direitistas José Serra e Aldo Rebelo.
Reescrever a História manipulando os fatos é muito comum, mas distorce a honestidade factual e faz com que seus personagens possam ter um desempenho dúbio, daí a necessidade de se “esquecer” para preservar, forjar ou aumentar a reputação de alguns agentes históricos, principalmente num mandato altamente midiático como o terceiro de Lula.
Por isso questionar e exercer o senso crítico soa desagradável para muitos. Só no Brasil, pensadores com senso crítico como Umberto Eco, Jean Baudrillard e Guy Debord seriam banidos da pós-graduação das universidades, mesmo as públicas, pois aqui no país a regra são as monografias passadoras de panos, com problemáticas desproblematizadas e transformadas em patrimônios fenomênicos.
O golpe de 2016 não pode ser subestimado. Ele precisa ser analisado com objetividade e além do maniqueísmo fácil da polarização. Ver que o golpe de 2016 não se limita aos radicais, mas também aos moderados que hoje se dizem "democráticos" mas que não se arrependeram com a campanha do impeachment de Dilma Rousseff, antes fugindo do juízo da História forjando um pretenso bom-mocismo.
Precisamos conhecer melhor a História do Brasil, para além dos vencedores de plantão. Falta independência para os fatos, que têm seus gritos sufocados pela histeria dos dois lados da polarização. E falta, acima de tudo, coragem de encarar narrativas que não são agradáveis, mas são realistas. A vida não é um conto de fadas.
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