Vivemos, no Brasil, sob a supremacia de uma ordem social tão velha e mofada que soa preocupante a obsessão recente de ver nosso país, precarizado, em fazer parte do clube dos países desenvolvidos. Nem damos o primeiro passo vacilante para isso, para que tanta arrogância? Obter doutorado sem saber direito o beabá é uma insanidade.
E isso se agrava quando temos uma ordem social sutilmente conservadora, de descendentes das famílias golpistas de 1964 e tataranetos da velha Casa Grande, que agora vestem a máscara do progressismo, apesar do forte autoritarismo que as palavras de mel e o jeito cordial antes inexistente em seus avós e tataravós. Essa velha ordem, ávida em dominar o mundo, tenta sufocar o senso crítico com seus juízos de valor e suas narrativas cheias de desculpas.
Na religião, temos a luta por supremacia de movimentos que divergem da cosmética raivista do neopentecostalismo. Um discurso suave, ainda que dotado de certo moralismo punitivista, mas sempre dissimulado por retóricas que parecem motivadoras, libertadoras e emancipadoras, para não dizer salvadoras.
Só que é tudo fachada. Os vendilhões da esperança são religiosos obscurantistas que se deixam valer pela fala mansa, pelo tom paternal que lhes dá a superioridade que encanta (ou engana?) muita gente boa nas redes sociais, sempre prometendo ao oprimido que, se ele aguentar um monte de desgraças durante anos, ele conseguirá as bençãos infinitas no futuro.
Tendo como principal expoente o Espiritismo brasileiro a partir de seu mais festejado “médium” de Uberaba, os vendilhões da esperança são como os maus credores citados pelo Novo Testamento (Mateus 18:23-35).
Afinal, o Destino designou essas pessoas para ajudar o próximo e dar a mão amiga para tirar o oprimido de sua situação agonizante e aflita. Todavia, recusam-se a ajudar o próximo de verdade pedindo sempre que ele "segure" a barra pesada para depois, quando a adversidade atingir o ápice, surgir o socorro tarde demais. A ideia é sempre pedir ao oprimido suportar o máximo de desgraças em troca das "bênçãos eternas". Daí o termo que se deve dar a esses pregadores: vendilhões da esperança.
Tudo o que esses pregadores com lábios de mel e olhares serenos faz é fazer juízos de valor aqui e ali, dizendo que o oprimido “precisa enfrentar dificuldades”, que a vida “nunca é fácil” e que o pobre coitado precisa aguentar as piores adversidades sem reclamar e até ficando feliz por isso.
Os vendilhões da esperança adoram ver gente sofrer. Muitos não conseguem disfarçar os sorrisos quando alguém que recorre a eles revela sofrer desgraças intermináveis. Dotados de malabarismos discursivos, os vendilhões da esperança, com sua falsa sabedoria e sua pretensa superioridade moral, tentam teorizar sobre o sofrimento humano de forma que se evite a ajuda ao próximo acima dos limites.
Afinal, o “altruísmo de resultados” dessa religiosidade baseada na Teologia do Sofrimento precisa de um estoque de infortunados para servirem de trampolim para religiosos “espiritualistas” comprarem seu terreno no céu.
A burguesia ilustrada, que domina as narrativas que prevalecem na mídia empresarial e nas redes sociais e reflete no cotidiano das pessoas, jura que os vendilhões da esperança não merecem esse nome, por serem “exemplos” de generosidade e evolução moral humana.
Mas essas são pessoas que nunca sofreram na vida, daí uma espécie de voyeurismo, de um prazer oculto em ver o outro sofrer, sentimento disfarçado pelo ar pretensamente benevolente que não desperta suspeitas, pois cruel é somente aquele pastor com roupa de motorista de ônibus rodoviário que, com discurso raivoso, pede para os fiéis darem seu dízimo à sua igreja neopentecostal.
Os vendilhões da esperança precisam de sofredores para ganhar suas comissões celestiais. Escrevem livros com bobagens místicas e moralistas como se o exército de palavras dóceis pudesse garantir o ingresso ao banquete de Deus.
Daí que eles não ajudam muito, preferindo manter o outro na desgraça para eles encenarem seu teatrinho da filantropia e do assistencialismo moral. E muita gente se deixa enganar com esses lobos em peles de cordeiros. A conta fica toda e exclusivamente para as raposas em peles de lobos do neopentecostalismo, enquanto o jogo das aparências esconde os verdadeiros traiçoeiros da fé.
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