Pular para o conteúdo principal

A CARTEIRADA MORAL QUE ASSOLA O BRASIL


Ainda vamos ouvir falar de "carteirada moral" ou dos "quenuncas".

A banalização da noção de que "todo mundo erra" e a ostentação desta ideia por parte de certas pessoas revela a triste realidade do nosso país.

É a desigual preocupação das pessoas com os erros alheios.

Desde que Michel Temer assumiu o poder, uma realidade desafia seriamente a percepção das pessoas, que passaram a ter uma preocupante despreocupação com as coisas da vida.

Pouco antes, esse mesmo pessoal se enfurecia só de ver uma foto ou imagem de Lula ou Dilma Rousseff, uma só que fosse de cada um.

Hoje vemos erros da mais extrema e nociva gravidade, que podem afetar as vidas dos brasileiros, e as pessoas nem estão aí.

Andando pelas ruas, as pessoas em boa parte fazem a gente pensar que elas vivem no paraíso.

Vemos políticos expressarem abertamente graves preconceitos sociais, de maneira violenta, como os Bolsonaro, e as pessoas ainda dão atenção a eles no Twitter, Facebook e outras mídias sociais.

Recentemente, Breno Solon Borges, um filho de desembargadora do Mato Grosso do Sul, apreendido com drogas e considerado de alta periculosidade, trocou facilmente a prisão por uma internação para tratar do "vício".

Pouco antes Rafael Braga, negro e pobre, foi preso no Rio de Janeiro porque segurava um frasco de Pinho Sol e outro de cloro, que ele usaria para trabalhos domésticos. Foi tido como "terrorista" e "traficante".

Rafael foi para o Complexo de Bangu, também no Rio, por um simples porte de material de limpeza.

Breno, que também foi pego em flagrante (!) por porte de armas, era acusado de envolvimento com o PCC, mas foi solto e só fará tratamento de reabilitação.

A única "restrição" é que Tânia Freitas Borges, a tal mãe e desembargadora, passará a ser tutora de Breno.

O que chama a atenção é a seletividade do erro, na qual erros gravíssimos, mesmo que possam causar catástrofe, têm no status quo de seu autor um expressivo atenuante.

Durante vários meses, os escândalos do governo Temer e seus políticos associados eram vistos pelos brasileiros médios como se fossem esquetes de programa humorístico.

Os caras estavam deixando o Brasil desgovernado e pondo a democracia em risco e os brasileiros viam tudo com gracejos, ironias e com um certo ar de divertimento.

Aécio Neves estava associado a todo tipo de corrupção e não havia um terço sequer da indignação que era provocada com uma simples aparição de Luís Inácio Lula da Silva.

Um dado surreal é que, neste contexto todo, políticos que defendem a redução dos salários têm consideráveis chances de vitória eleitoral.

A frase "todo mundo erra", que virou até canção de sambrega, virou uma espécie de apologia ao erro, em vez de algum esboço de autocrítica.

Virou uma desculpa fácil para pessoas de algum prestígio social não pagarem pelos seus erros, porque eles são "normais", já que "todos erram".

Veio até a expressão "quenunca", que ainda vai ser conhecida por todos.

O "quenunca" é aquele que, errando, tem mania de dizer "Quem nunca erra?", como se fizesse uma carteirada moral de seus erros.

Há uma grande hipocrisia nisso.

A ideia de "gente como a gente" segue o mesmo sentido da "cultura brega", quando aos pobres estão associadas qualidades negativas e inferiorizadas.

Mas quando o rico comete erros graves, eles são "gente como a gente".

O caso de Letícia Sabatella foi ilustrativo.

Quando ela foi pega embriagada, certa vez, e ela, por um equívoco seu, defendeu o ato (creio que ela se arrependeu depois, por ter ido "longe demais"), os "coxinhas" da Internet a apoiaram e vieram com refrões como "gente como a gente" ou "quem nunca erra".

Tempos depois, quando ela passou a defender Dilma Rousseff - ao qual ela afirmava fazer uma oposição à esquerda - , pelo senso democrático de respeitar seu mandato, aqueles que a apoiaram nos momentos ébrios passaram a xingá-la e hostilizá-la.

Para erros e retrocessos, há desculpa para tudo. Até para caráter técnico, linguagem monográfica, argumentação aparentemente científica.

E ainda temos uma religião que produz obras fake que atribuem autoria a pessoas mortas, uma seitas "espiritualista" tida como "racional" e "filantrópica", que é marcada de terríveis desonestidades.

As desonestidades são tantas, e os valores defendidos por essa seita são retrógrados - eles agora se preocupam em forçar a aceitação de desgraças e prejuízos - , mas ninguém dá bola para isso.

A tal seita, popularizada por um paranormal beato e medievalista que encerrou seus dias no Triângulo Mineiro, ainda é oficialmente tida como "honesta", "humilde" e "caridosa", com uma reputação que, de tão "agradável", lembra contos de fadas.

Abandonei esta seita há cinco anos, horrorizado pela sua desonestidade e retrocesso de ideias, valores e práticas, escondidos em "palavras bonitas" e "mensagens edificantes".

Mesmo assim, a permissividade dá a essa seita uma imunidade e uma impunidade assustadoras, a ponto de fazer muitos a definirem como um "PSDB das religiões".

Eles mostram um paraíso de contos de fadas e exploram crianças pobres como troféus, enquanto seus oradores viajam o mundo com o dinheiro da caridade e as gorjetas dos ricaços falando bobagens esotéricas e moralistas.

Mas quem é que vai denunciar eles, que em qualquer contrariedade fazem logo um jogo de cena de muito coitadismo?

O Brasil é muito seletivo nas atribuições dos erros, e isso precisa mudar.

O governo Temer se revela catastrófico, um aberrante e assustador desastre político.

Suas medidas podem causar danos irreparáveis às vidas de milhares de brasileiros.

Ver que boa parte dos brasileiros se comporta nas ruas como se o país vivesse a melhor de suas fases é assustador.

Ver que pessoas aceitam medidas prejudiciais a elas sob a ilusão de esperarem "algo melhor" é também de causar apreensão.

Não há indignação. Quando muito, há apatia, indiferença ou, quando se admite que a realidade é ruim, reagem com ironias ou gracejos.

Algo tem que mudar, antes que o Brasil tenha que enfrentar situações de extrema tragédia.

Devemos ver os erros não medindo os atributos sociais, mas a natureza dos próprios erros e dos prejuízos que eles podem causar, independente do prestígio ou não daquele que errou.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

FUNQUEIROS, POBRES?

As notícias recentes mostram o quanto vale o ditado "Quem nunca comeu doce, quando come se lambuza". Dois funqueiros, MC Daniel e MC Ryan, viraram notícias por conta de seus patrimônios de riqueza, contrariando a imagem de pobreza associada ao gênero brega-popularesco, tão alardeada pela intelectualidade "bacana". Mc Daniel recuperou um carrão Land Rover avaliado em nada menos que R$ 700 mil. É o terceiro assalto que o intérprete, conhecido como o Falcão do Funk, sofreu. O último assalto foi na Zona Sul do Rio de Janeiro. Antes de recuperar o carro, a recompensa prometida pelo funqueiro foi oferecida. Já em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, outro funqueiro, MC Ryan, teve seu condomínio de luxo observado por uma quadrilha de ladrões que queriam assaltar o famoso. Com isso, Ryan decidiu contratar seguranças armados para escoltá-lo. Não bastasse o fato de, na prática, o DJ Marlboro e o Rômulo Costa - que armou a festa "quinta coluna" que anestesiou e en

FIQUEMOS ESPERTOS!!!!

PESSOAS RICAS FANTASIADAS DE "GENTE SIMPLES". O momento atual é de muita cautela. Passamos pelo confuso cenário das "jornadas de junho", pela farsa punitivista da Operação Lava Jato, pelo golpe contra Dilma Rousseff, pelos retrocessos de Temer, pelo fascismo circense de Bolsonaro. Não vai ser agora que iremos atingir o paraíso com Lula nem iremos atingir o Primeiro Mundo em breve. Vamos combinar que o tempo atual nem é tão humanitário assim. Quem obteve o protagonismo é uma elite fantasiada de gente simples, mas é descendente das velhas elites da Casa Grande, dos velhos bandeirantes, dos velhos senhores de engenhos e das velhas oligarquias latifundiárias e empresariais. Só porque os tataranetos dos velhos exterminadores de índios e exploradores do trabalho escravo aceitam tomar pinga em birosca da Zona Norte não significa que nossas elites se despiram do seu elitismo e passaram a ser "povo" se misturando à multidão. Tudo isso é uma camuflagem para esconder

DEMOCRACIA OU LULOCRACIA?

  TUDO É FESTA - ANIMAÇÃO DE LULA ESTÁ EM DESACORDO COM A SOBRIEDADE COM QUE SE DEVE TER NA VERDADEIRA RECONSTRUÇÃO DO BRASIL. AQUI, O PRESIDENTE DURANTE EVENTO DA VOLKSWAGEN DO BRASIL. O que poucos conseguem entender é que, para reconstruir o Brasil, não há clima de festa. Mesmo quando, na Blumenau devastada pela trágica enchente de 1983, se realizou a primeira Oktoberfest, a festa era um meio de atrair recursos para a reconstrução da cidade catarinense. Imagine uma cirurgia cujo paciente é um doente em estado terminal. A equipe de cirurgiões não iria fazer clima de festa, ainda mais antes de realizar a operação. Mas o que se vê no Brasil é uma situação muito bizarra, que não dá para ser entendida na forma fácil e simplória das narrativas dominantes nas redes sociais. Tudo é festa neste lulismo espetaculoso que vemos. Durante evento ocorrido ontem, na sede da Volkswagen do Brasil, em São Bernardo do Campo, Lula, já longe do antigo líder sindical de outros tempos, mais parecia um showm

FOMOS TAPEADOS!!!!

Durante cerca de duas décadas, fomos bombardeados pelo discurso do tal "combate ao preconceito", cujo repertório intelectual já foi separado no volume Essa Elite Sem Preconceitos (Mas Muito Preconceituosa)... , para o pessoal conhecer pagando menos pelo livro. Essa retórica chorosa, que alternava entre o vitimismo e a arrogância de uma elite de intelectuais "bacanas", criou uma narrativa em que os fenômenos popularescos, em boa parte montados pela ditadura militar, eram a "verdadeira cultura popular". Vieram declarações de profunda falsidade, mas com um apelo de convencimento perigosamente eficaz: termos como "MPB com P maiúsculo", "cultura das periferias", "expressão cultural do povo pobre", "expressão da dor e dos desejos da população pobre", "a cultura popular sem corantes ou aromatizantes" vieram para convencer a opinião pública de que o caminho da cultura popular era através da bregalização, partindo d

VIRALATISMO MUSICAL BRASILEIRO

  "DIZ QUE É VERDADE, QUE TEM SAUDADE .." O viralatismo cultural brasileiro não se limita ao bolsonarismo e ao lavajatismo. As guerras culturais não se limitam às propagandas ditatoriais ou de movimentos fascistas. Pensar o viralatismo cultural, ou culturalismo vira-lata, dessa maneira é ver a realidade de maneira limitada, simplista e com antolhos. O que não foi a campanha do suposto "combate ao preconceito", da "santíssima trindade" pró-brega Paulo César de Araújo, Pedro Alexandre Sanches e Hermano Vianna senão a guerra cultural contra a emancipação real do povo pobre? Sanches, o homem da Folha de São Paulo, invadindo a imprensa de esquerda para dizer que a pobreza é "linda" e que a precarização cultural é o máximo". Viralatismo cultural não é só Bolsonaro, Moro, Trump. É"médium de peruca", é Michael Sullivan, é o É O Tchan, é achar que "Evidências" com Chitãozinho e Xororó é um clássico, é subcelebridade se pavoneando

ESQUERDAS CORTEJANDO UMA CANTORA IDENTITARISTA... MAS CAPITALISTA

CARTAZ DA BOITEMPO JUNTANDO KARL MARX E MADONNA NO MESMO BALAIO. O Brasil está tendo uma aula gratuita do que é peleguismo, com Lula fazendo duplo jogo político enganando o povo pobre e se aliando com os ricos, e do que é pequena burguesia, com uma elite de classe média abastada que aoosta num esquerdismo infantilizado, identitarista e indiferente aos verdadeiros problemas das classes trabalhadoras. As esquerdas mainstream do Brasil, as esquerdas médias, são a tradução local da pequena burguesia falada pela teoria marxista. Uma esquerda que quer soar pop e que, através dos “brinquedos culturais” que fazem do Brasil a versão vida real da novela das 21 horas da Rede Globo, quer o mundo da direita moderada convertido num pretenso patrimônio esquerdista. Isso faz as esquerdas soarem patéticas em muitos momentos. Como se observa tanto na complacência do jornalista Julinho Bittencourt, da Revista Fórum, com o fato da apresentação de Madonna em Copacabana, no Rio de Janeiro, não ter músicos e

ALEGRIA TÓXICA DO É O TCHAN É CONSTRANGEDORA

O saudoso Arnaldo Jabor, cineasta, jornalista e um dos fundadores do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC - UNE), era um dos críticos da deterioração da cultura popular nos últimos tempos. Ele acompanhava a lucidez de tanta gente, como Ruy Castro e o também saudoso Mauro Dias que falava do "massacre cultural" da música popularesca. Grandes tempos e últimos em que se destacava um pensamento crítico que, infelizmente, foi deixado para trás por uma geração de intelectuais tucanos que, usando a desculpa do "combate ao preconceito" para defender a deterioração da cultura popular.  O pretenso motivo era promover um "reconhecimento de grande valor" dos sucessos popularescos, com todo aquele papo furado de representar o "espírito de uma época" e "expressar desejos, hábitos e crenças de um povo". Para defender a música popularesca, no fundo visando interesses empresariais e políticos em jogo, vale até apelar para a fal

BRASIL NO APOGEU DO EGOÍSMO HUMANO

A "SOCIEDADE DO AMOR" E SEU APETITE VORAZ DE CONSUMIR O DINHEIRO EM EXCESSO QUE TEM. Nunca o egoísmo esteve tão em moda no Brasil. Pessoas com mão-de-vaca consumindo que nem loucos mas se recusando a ajudar o próximo. Poucos ajudam os miseráveis, poucos dão dinheiro para quem precisa. Muitos, porém, dizem não ter dinheiro para ajudar o próximo, e declaram isso com falsa gentileza, mal escondendo sua irritação. Mas são essas mesmas pessoas que têm muito dinheiro para comprar cigarros e cervejas, esses dois venenos cancerígenos que a "boa" sociedade consome em dimensões bíblicas, achando que vão viver até os 100 anos com essa verdadeira dieta do mal à base de muita nicotina e muito álcool. A dita "sociedade do amor", sem medo e sem amor, que é a elite do bom atraso, a burguesia de chinelos invisível a olho nu, está consumindo feito animais vorazes o que seus instintos veem como algo prazeroso. Pessoas transformadas em bichos, dominadas apenas por seus instin

FLUMINENSE FM E O RADIALISMO ROCK QUE QUASE NÃO EXISTE MAIS

É vergonhoso ver como a cultura rock e seu mercado radiofônico se reduziram hoje em dia, num verdadeiro lixo que só serve para alimentar fortunas do empresariado do entretenimento, de promotoras de eventos, de anunciantes, da mídia associada, às custas de produtos caros que vendem para jovens desavisados em eventos musicais.  São os novos super-ricos a arrancar cada vez mais o dinheiro, o couro e até os rins de quem consome música em geral, e o rock, hoje reduzido a um teatro de marionetes e um picadeiro da Faria Lima, se tornou uma grande piada, mergulhada na mesmice do hit-parade . Ninguém mais garimpa grandes canções, conformada com os mesmos sucessos de sempre, esperando que Stranger Things e Velozes e Furiosos façam alguma canção obscura se popularizar. Nos anos 1980, houve uma rádio muito brilhante, que até hoje não deixou sucessora à altura, seja pelos critérios de programação, pelo leque amplo de músicas tocadas e pela linguagem própria de seus locutores, seja pelo alcance do s

LULA, O MAIOR PELEGO BRASILEIRO

  POR INCRÍVEL QUE PAREÇA, LULA DE 2022 ESTÁ MAIS PRÓXIMO DE FERNANDO COLLOR O QUE DO LULA DE 1989. A recente notícia de que o governo Lula decidiu cortar verbas para bolsas de estudo, educação básica e Farmácia Popular faz lembrar o governo Collor em 1991, que estava cortando salários e ameaçando privatizar universidades públicas. Lula, que permitiu privatização de estradas no Paraná, virou um grande pelego político. O Lula de 2022 está mais próximo do Fernando Collor de 1989 do que o próprio Lula naquela época. O Lula de hoje é espetaculoso, demagógico, midiático, marqueteiro e agrada com mais facilidade as elites do poder econômico. Sem falar que o atual presidente brasileiro está mais próximo de um político neoliberal do que um líder realmente popular. Eu estava conversando com um corretor colega de equipe, no meu recém-encerrado estágio de corretagem. Ele é bolsonarista, posição que não compartilho, vale lembrar. Ele havia sido petista na juventude, mas quando decidiu votar em Lul