Foi uma atitude criticável, mas agora compreensível, a de Ivan Lins desejar fazer umas "quinze músicas" em cada porção para Alexandre Pires e Ivete Sangalo, dois nomes da música brega-popularesca. Recentemente, o compositor, que chegou a fazer sucesso nos EUA e ser gravado por George Benson, afirmou que está sofrendo problemas financeiros e teve que fazer terapia depois de um período de depressão.
Prestes a fazer 80 anos de idade, Ivan Lins tem sua antiga canção "Lembra de Mim" relançada através da reprise da novela História de Amor, da Rede Globo, relembrando que até mesmo a única condição para fazer a MPB autêntica entrar nas rádios foram as trilhas de novelas, que hoje não existem mais.
Ivan, conhecido por canções como "Começar de Novo", "Madalena", "Vitoriosa" e "Dinorah, Dinorah", e também pela parceria musical ao traduzir em melodias as letras de Vítor Martins, acusa o streaming, através de plataformas como o Spotify, de deixá-lo na pindaíba.
"Perdi a minha aposentadoria. Não posso mais parar, diminuir o trabalho. Agora, eu tenho que trabalhar mais do que nunca, porque a minha única fonte de renda é o palco, os shows", disse o artista, em entrevista ao programa Provoca, da TV Cultura. Ivan lamentou não ter mais a estabilidade econômica do tempo do auge de seu sucesso.
É claro que isso não quer dizer que Ivan Lins seja um artista comercial. Não, não é. Ivan é como um "artesão" da música, se ele precisa da música para sobreviver, no entanto não é o dinheiro a meta musical da sua carreira, mas uma consequência e um subsídio. Sua música é não-comercial no sentido que ele busca suas próprias inspirações humanas para compor, melodias que passam longe de qualquer discussão em um escritório empresarial.
Aliás, os artistas que não são comerciais, ou seja, não levam o sucesso financeiro como meta de trabalho nem abrem mão da personalidade para fazer aquilo que, supostamente, o "grande público gosta", é que saem penando e dando duro para se sustentarem.
Nas redes sociais, sociopatas dotados de terraplanismo musical tentam inverter as coisas. Pela desculpa da memória afetiva, o verdadeiro comercialismo comercial está sendo rotulado erroneamente de "não-comercial" ou "anticomercial". Enquanto isso, disputas judiciais envolvendo herdeiros de artistas não-comerciais ou membros de bandas seminais antigas estão sendo indevidamente acusados de "comerciais" só porque "pedem dinheiro".
No entanto, comerciais, na música brasileira, são Michael Sullivan, Odair José, Péricles, Alexandre Pires, Ivete Sangalo, Chitãozinho & Xororó, Bell Marques, É O Tchan, todo o "funk" (do "funk melody" ao "proibidão" e incluindo a franquia brasileira do trap, comprada do trap estadunidense), o arrocha, a sofrência, o piseiro.
Enquanto os artistas não-comerciais precisam de dinheiro para sustentar suas vidas, enquanto criam canções que falam sobre suas vidas, o ídolo comercial nada tem a perder, ele está inserido num contexto em que a única inspiração musical é o dinheiro, com sucessos musicais previamente discutidos em mesas de negócios, com esquemas de marketing calculados e tudo.
Enquanto a MPB autêntica, marcada pela força artística genuína, pela sua integridade artística e seu talento vigoroso, envelhece e carece de renovações verdadeiras - nomes como Emicida, Criolo, Tulipa Ruiz, Marcelo Jeneci, Tiago Iorc, Anavitória e outros são apenas "pálidas sombras" de um pós-Tropicalismo debilitado e repetitivo, dependente de pautas identitárias para se sobressair na mídia - , a música brega-popularesca se consolida como um poderoso império ultracomercial de produção de sucessos, dos quais até a crítica especializada séria se tornou refém.
Vemos críticos musicais "isentos" - que escrevem bem e prometem "imparcialidade" nas suas abordagens - caindo na armadilha da gourmetização da música popularesca, ajudando a vender gato por lebre ao descrever "maravilhas" dos ídolos popularescos de, no mínimo, 30 anos atrás, através do saudosismo fabricado do brega-vintage.
Enquanto Ivan Lins reclama do streaming como fator de sua crise financeira, os ídolos popularescos são os que mais faturam com essas plataformas digitais, arrecadando muito dinheiro que é a sua única inspiração, por mais que enganem, mentindo para o público, de que eles seriam os "não-comerciais".
Então tá. A música brega-popularesca é "anti-comercial" até lhes faltar grana. E aí serão muitas reuniões de negócios antes do "artista injustiçado" retomar a sua carreira.
Comentários
Postar um comentário