ROBERTO CARLOS E HERDEIROS DE ERASMO CARLOS PERDERAM A BATALHA CONTRA A EDITORA FERMATA, NOS DIREITOS AUTORAIS DE MÚSICAS DOS ANOS 1960 E 1970.
O poderio das editoras musicais pode estar por trás de muita coisa que parece natural e normal no cotidiano das pessoas. Ela determina as músicas estrangeiras que devem pegar no gosto musical das pessoas, até mesmo no aparentemente exigente segmento rock, filtra o que pode ser tocado nas emissoras de rádio, promove a mediocrização da cultura popular musical e, além disso, controla as obras de compositores que deixam de ser responsáveis pelas próprias canções.
A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de dar ganho de causa à editora Fermata (que um dia também foi gravadora, responsável pelos "tapa-buracos" nas trilhas sonoras de novelas da Rede Globo, com intérpretes "estrangeiros" de baixa categoria e regravações de sucessos estrangeiros), em detrimento de uma ação movida por Roberto Carlos e Erasmo Carlos, sendo este, falecido em 2022, represntado pelos seus herdeiros.
Erasmo Carlos - que, por ironia, morreu quando buscava se reinventar como artista, enquanto Roberto, ainda vivo, soa hoje "velho" musicalmente - está sendo relembrado pela música "É Preciso Dar um Jeito, Meu Amigo", de 1971, do álbum Carlos, Erasmo. A música, incluída na trilha do filme Eu Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, tem uma letra que expressa a indignação e a necessidade de mudanças diante das injustiças e opressões vividas pela sociedade brasileira.
Canções como "Detalhes", "Eu Quero Que Vá Tudo Pro Inferno" e "Sentado à Beira do Caminho" e "O Portão" (dos versos "Eu cheguei em casa ao portão / Meu cachorro me sorriu latindo") são afetadas e passam a ter a editora como responsável, num contexto em que as editoras musicais defendem seus interesses financeiros, em detrimento da obra artística dos compositores.
O poder das editoras musicais pode ser grande em países como EUA e Reino Unido. Mas, no Brasil, elas exercem um poder que não somente controla a obra dos compositores que registram suas obras como também regula o gosto musical das pessoas.
O controle das editoras nas obras de música brasileira pode complicar as coisas. O próprio Jorge Ben Jor, amigo, ao lado de Tim Maia, que conviveu com Roberto e Erasmo na juventude da Tijuca, no Rio de Janeiro, tem dificuldades para liberar as músicas compostas quando ainda se chamava Jorge Ben.
Isso complica muito as coisas, na medida em que as rádios dificilmente tocariam essas músicas com exceção a certas ocasiões. Quando existiam as trilhas sonoras de novelas da Rede Globo, a MPB autêntica tinha que usar esse artifício para entrar nas rádios, pois até as emissoras dedicadas à MPB quase não dão a cobertura adequada do nosso rico legado musical brasileiro.
As rádios de MPB perdem tempo com mediocridades desnecessárias como Michael Sullivan, Odair José e Ivete Sangalo, nenhum deles emepebistas autênticos, mas nomes queridinhos do mercado e que trazem maior rentabilidade às editoras musicais. O próprio Sullivan é um homem de negócios por trás do "inocente" cantor e compositor que foi denunciado por Alceu Valença que, sem citar nomes, denunciou um esquema para destruir a MPB nos anos 1980.
Vivemos numa sociedade hipermidiática e hipermercadológica, mas as pessoas renegam essa realidade e pensam que vivemos num cenário social e culturalmente fluente. A ilusão da "democracia" lulista acaba servindo de máscara para muita gente dissimulada, que tenta nos fazer crer que estamos num cenário sociocultural "mais maravilhoso do mundo e de todos os tempos".
Não estamos. O poder das editoras musicais é apenas um pequeno recorte da realidade degradante em que vivemos, na qual o gosto musical das pessoas é manipulado, e nos últimos 35 anos o que se viu foi a permanência viciada das referências musicais na zona de conforto do mainstream.
Daí que, enquanto artistas verdadeiros penam para difundir seus trabalhos musicais para o grande público, cantores e compositores medíocres são "gourmetizados" pela imprensa especializada e são vendidos como gato por lebre, mais "geniais" do que seus talentos rasteiros indicam. Vide o próprio Michael Sullivan e Chitãozinho & Xororó, cuja reputação superior não está à altura do repertório vergonhosamente ruim que produzem.
E A MÚSICA ESTRANGEIRA?
No que se diz à música estrangeira, chama a atenção a mesmice de um mesmo punhado de sucessos de pop adulto que tocam repetidamente nas rádios do gênero, como se fossem sucessos da atualidade. Claro que isso não se trata de estar em sintonia com o mundo, mas consumir música estrangeira que é tocada para atender aos interesses de representantes brasileiros das obras estrangeiras aqui tocadas.
Ninguém está sintonizado com o mundo porque ouve "Maneater" do Daryl Hall & John Oates 200 vezes ao dia em 365 ou 366 dias por ano. Ouve-se sucessos assim porque os editores brasileiros que detém os direitos das canções estrangeiras de serem tocadas aqui é que querem que o público ouça, com mais frequência que se imagina. E é tanta frequência que as pessoas soam previsíveis quando enumeram as suas "canções favoritas".
Na cultura rock, a "máfia das editoras" age de tal forma que nomes de baixa representatividade no exterior, como Outfield, Live e Jesus Jones, são priorizados no mercado. Em contrapartida, uma banda seminal como Ride, ícone do shoegaze de Oxford, Inglaterra, nunca teve um disco lançado no Brasil, apesar do seu primeiro álbum Nowhere ter tido um impacto comparável ao de Nevermind do Nirvana.
Ride, assim como outros grupos como XTC e Wedding Present e mesmo bandas de trajetória problemática como Teardrop Explodes e Creation, "custam caro" para as editoras investirem no Brasil. Há também a informação de que, em parte, o que "matou" as rádios de rock dos anos 1980 foi a "máfia das editoras", que não suportava ver aquelas rádios tocando "músicas demais" em sua programação.
Por isso, fica barato investir, por exemplo, num nome como Jesus Jones, um nome menor, mais comportado e pouco criativo do indie dance, e os editores aproveitavam o nome da banda para confundir o público com uma falsa derivação ao Jesus and Mary Chain. Tudo porque no Brasil temos um público complacente que aceita qualquer coisa, até mesmo uma Rádio Cidade (RJ) vomitando no prato que comeu quando era rádio pop e teve a infeliz ideia de se passar por "rádio rock", em demonstração total de profunda desonestidade histórica (leia-se fake news).
E aí vemos o quanto os editores musicais travam as carreiras dos grandes artistas, atrofiam o gosto musical das pessoas e transformam o mercado da cultura musical no Brasil em um grande lodo, que em nada traz de útil e proveitoso para a evolução da cultura musical das pessoas no nosso país.
E de vez em quando o esquema se estende até para jornalistas musicais "sérios" e acadêmicos "gabaritados", que são convidados a assinar embaixo de verdadeiras calamidades musicais que, por um motivo tendencioso aqui e ali, são considerados "geniais" para enganar um público de maior poder aquisitivo. Nada pela cultura de verdade, tudo pelo dinheiro, e muito dinheiro.
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