O mercado e a grande mídia querem empurrar o brega-popularesco, sobretudo o "funk", para as vanguardas culturais. Arruma-se qualquer desculpa para isso. Se recebeu vaias, é "vanguarda". Se causou polêmica, é "vanguarda". Se foi massacrada pela crítica, é "vanguarda". Tem idiota para tudo e qualquer coisa serve como desculpa para forçar a barra do falso vanguardismo.
Qualidade artística, que é bom, nada. E a porralouquice de alguns gringos acaba contribuindo para essa hegemonia do brega-popularesco, da Música de Cabresto Brasileira, do jabaculê musical que fabrica ídolos milionários a todo momento e tenta se valer pela tal "provocatividade", que é a atribuição de pretensa genialidade a ídolos cujo sucesso "incomoda".
Tivemos o caso do admirável músico Arto Lindsay, que, no entanto, teve um ato falho ao definir o grupo baiano Psirico como "sofisticado". E isso antes da intragável "Lepo-Lepo", música que jogou uma pá de cal no Edu Lobo, que tinha uma canção chamada "Lero-Lero" ("Sou brasileiro / De estatura mediana / Gosto muito de fulana / Mas sicrana é quem me quer").
Mas há muitos e muitos casos, depois que o É O Tchan foi para o Festival de Montreux, antes um evento de jazz realizado na cidade suíça, e que naquela edição de 1997 houve até um jogo de cena com alguns tarados (vindos do Brasil) querendo agarrar a Carla Perez.
Empurra-se o "mau gosto" como se fosse "vanguarda", usando como base de desculpas alegações pretensamente tropicalistas, trazidas quando Caetano Veloso e Gilberto Gil já não eram mais vanguarda e sim establishment.
O establishment caetânico, aliás, foi inaugurado em 1973 com o dueto de Caetano Veloso e o ídolo brega Odair José (o Pat Boone brasileiro), no festival Phono 73, criando uma linhagem de apreciação do brega que culminou na ascensão da intelectualidade "bacana".
"FUNK" E SAFADÃO
O lixo cultural passa a ser travestido de "vanguarda" pelos simples pretextos de "incomodar" e "provocar". Mas falta nele o aspecto que realmente corresponde à vanguarda cultural: a proposta artística e a postura que mistura honestidade artística, responsabilidade social (mesmo quando se trabalha a ousadia e a provocação) e criatividade.
Cá para nós, o brega-popularesco nunca teve criatividade. Dos primeiros cafonas aos mais recentes funqueiros, todos os ritmos "do povão" sempre primaram por uma lógica de mercado, uma fórmula, uma linha de montagem e interesses claramente comerciais.
O brega-popularesco só é visto como "criativo" por uma "panela" de intelectuais e jornalistas que querem dar a impressão de que estão no lado do povo e ficam elogiando tendências "culturais", não apenas na música, que tratem o povo de forma espetacularizada e caricatural. Paciência, esses intelectuais e jornalistas pertencem à elite.
A reboque dessa blindagem intelectual, que tantos estragos fez na cultura popular, aparecem estrangeiros cortejando esse entulho cultural cujo sucesso se baseia na desculpa do "combate ao preconceito" que cria novos e piores preconceitos: o povo pobre só é aceito quando "rebola", "requebra" e "desce", não quando luta por melhorias de vida.
E aí tem toda a discussão desnecessária do portal G1, das Organizações Globo, de por que o "funk" não ter sido incluído entre as atrações do Lollapalooza Brasil, dependendo de citações por ídolos estrangeiros para integrar o cardápio do evento.
Lembramos então o caso do DJ britânico Wesley Pentz, conhecido como Diplo, que em um programa da BBC Radio One de Londres, empurra goela abaixo para os britânicos toda a breguice brasileira, a exemplo do que Preta Gil tentou fazer para os ouvintes da MPB FM.
Ele toca sucessos do "funk" e já tocou o "Baile de Favela", de MC João. Entusiasta do "funk" e do restante do moderno jabaculê musical presente nas rádios nos últimos tempos, Diplo chegou a fazer um trocadilho com seu xará Wesley Safadão e botou o nome deste cantor como alcunha no perfil do DJ britânico no Twitter.
Só que Diplo não é John Peel, só para citar o lendário e saudosíssimo DJ da mesma emissora, grande divulgador do rock de vanguarda (ele tocou até a banda paulistana Fellini, certa vez). Da mesma forma que o brega-popularesco não é vanguarda (chorem, "bacanas"!).
Vanguarda musical é Fellini, Voluntários da Pátria, Egberto Gismonti, Sylvia Telles. Vanguarda não é essa "MPB" (Música Perturbadora Brasileira), esse lixo brega-popularesco que se vale só pela incomodação e pela provocatividade como fins em si mesmo.
Vanguarda olha para a frente. O brega-popularesco sempre olhou para trás. O brega-popularesco sempre se pauta no que o pop dos EUA fez dez anos antes, por isso não pode ser chamado de vanguarda. É uma questão de lógica, isso não é desaforo.
Preconceito é definir o brega-popularesco, seja o "funk", o "forró eletrônico", as popozudas e os safadões ou o "sertanejo universitário", como vanguarda, porque neste caso a visão preconceituosa consiste em ver modernidade apenas em ídolos e fenômenos que tão somente irritam e provocam as pessoas.
O preconceito, neste caso, consiste nas pessoas não conseguirem mais ouvir música. E ouvir música não é um hábito dos brasileiros. Eles tocam música e fazem outra coisa, nem dá para saber a diferença entre um acorde de baixo e o de um sintetizador. Por isso, qualquer aloprado musical do momento vira "vanguarda". É porque seus defensores não sabem mesmo ouvir música.
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