Diante da recente turbulência social marcada por passeatas de reacionários e protestos com panelas e vuvuzelas, sobretudo hoje, quando o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva tomou posse como ministro-chefe da Casa Civil - o que inverteria as posições com a presidenta Dilma Rousseff em relação a sete anos atrás, não fosse a suspensão do ato por uma liminar - , observa-se uma coisa: a mobilização social virou monopólio das elites.
Não que as classes populares estivessem em todo desmobilizadas, mas o que se observa é que as grandes manifestações, os grandes protestos de rua, são praticamente um privilégio das elites mais abastadas e de uma classe média desorientada que é manipulada pelo poder da Rede Globo.
Já escrevi que a intelectualidade "bacana" - aquele conjunto de acadêmicos, cineastas, jornalistas culturais e famosos que defendem a bregalização da cultura popular - tirou o povo dos debates culturais, isolando os debates progressistas apenas a seus líderes e ativistas.
Sob a desculpa de defenderem a "cultura das periferias", a intelectualidade "mais legal do país", que gira na órbita do "papa" Paulo (César Araújo) e do "príncipe" Pedro (Alexandre Sanches), defendia essa "cultura" de mercado que aborda o povo pobre de uma maneira espetacularizada e caricata. Daí que, para essa elite "pensante", melhor um povo rebolando do que pedindo a Reforma Agrária.
Nesta abordagem caricatural da cultura popular, o "funk carioca" tornou-se um dos carros-chefes e virou uma armação bem sucedida que faz as chamadas "esquerdas médias" dormirem tranquilas achando que aquilo era uma "genuína rebelião popular".
Só que o "funk" nunca foi rebelião popular. Foi uma armação de poderosos empresários - como Rômulo Costa e DJ Marlboro - que criaram um mercado muito rentável que trabalhava valores retrógrados e promovia a degradação sócio-cultural das classes populares sob a desculpa que "era isso que a população pobre queria e estava acostumada a fazer".
O "funk" envolve um processo traiçoeiro que inclui desde uma terceirização profissional - tem funqueiro que não compõe coisa alguma, mas assina sozinho as músicas que os produtores lhe fazem para receber a grana dos direitos autorais no lugar de encargos - e um rigor estético nivelado por baixo, ou seja, o "funk" é repetitivo e só "muda" de acordo com as conveniências do momento.
Daí que você anda pelas ruas e vê o mesmo som de "funk". O sampler de "tchá-tchu-tchá", a combinação caótica de sirenes, sons de galope e batida eletrônica imitando umbanda, o MC ou a MC vociferando aqui e ali. Tudo igual. Só varia o fetiche, seja o funqueiro pegador hipertatuado, seja a funqueira feia e roliça revoltada com tudo, e por aí vai.
GLOBO E FOLHA INVENTARAM MITO DE "MOVIMENTO" AO "FUNK"
Muito antes do "funk" aliciar esquerdistas e disparar sua choradeira aqui e ali, até mesmo em páginas da Caros Amigos e do Brasil de Fato, esse discurso pseudo-ativista do "funk" surgiu dos escritórios das Organizações Globo e do Grupo Folha, que inventaram todo esse papo de "movimento ativista" a um mero ritmo dançante e comercial do Rio de Janeiro (depois com "sucursal" paulista, o "funk ostentação").
É só observar as páginas de O Globo e Folha de São Paulo, e a campanha pró-funqueira realizada pelos veículos das Organizações Globo, com a colaboração de reaças conhecidos como Marcelo Madureira e Luciano Huck, sem falar a atuação de Gilberto Dimenstein na Folha, escrevendo sobre o "funk" como se o jornalista fosse assessor da APAFUNK.
A própria APAFUNK surgiu sob influência do cineasta José Padilha, hoje um anti-petista histérico, ligado ao Instituto Millenium. No âmbito da Folha, Pedro Alexandre Sanches, que ainda era o "aluno-modelo" do patrão-colega Otávio Frias Filho, havia entrevistado Tati Quebra-Barraco, também se tornou um entusiasmado propagandista do "funk".
Pedro, hoje um queridinho das "esquerdas-médias" que, por ato falho, "elogiou" o livro A Tolice da Inteligência Brasileira, de Jessé Souza - o sociólogo escreveu esse livro para criticar justamente a classe de intelectuais mercantilistas das quais Sanches faz parte, de forma explícita - , é também famoso por esculhambar o esquerdista Chico Buarque, xingado de "coronel da Fazenda Modelo", em alusão a um dos livros do compositor e também escritor.
"FUNK" É MESMO ASSOCIADO À CIA. NÃO É PARA RIR, É PARA CHORAR!
Só que o que muitos se esquecem é que Chico Buarque, mesmo estando ligado a uma influente família de intelectuais e artistas (é filho do historiador Sérgio Buarque de Hollanda, tido como "de abordagens preconceituosas", e irmão de Ana de Hollanda, ex-ministra de triste lembrança), sempre foi solidário com os movimentos populares e o ativismo de esquerda.
É só ver as coisas e perceberemos o que é a atitude de Chico Buarque e a atitude dos funqueiros. Enquanto Chico acolhe os esquerdistas nos momentos mais difíceis e sempre é um dos primeiros a assinar manifestos progressistas, os funqueiros apunhalam as esquerdas pelas costas e vão comemorar o sucesso abraçados aos barões da grande mídia.
Uma tal "Liga do Funk" participou de um manifesto pedindo a permanência de Dilma Rousseff, mas sabemos que todo esse suposto apoio dos funqueiros ao esquerdismo tem um único objetivo: arrancar mais dinheiro público do Governo Federal. Foi para isso que o "funk" arrumou aquela farsa de ser "patrimônio cultural" através de processos politiqueiros sem qualquer critério técnico e realista.
O "funk" é o Cabo Anselmo da vez, em alusão ao marinheiro José Anselmo dos Santos, que apesar do famoso apelido, era um jovem sargento, cuja aparência se confundiria com a de um baixista de uma banda de pré-Jovem Guarda., do começo dos anos 1960. Hoje ele, famoso por ter se desmascarado e virado direitista na ditadura, parece um velho hippie que virou reaça.
Anselmo é famoso por ter colaborado com a CIA (Central Intelligence Agency), órgão de informação política dos EUA. Recentemente, o historiador Sérgio Cabral (o pai, não o filho, que adora "funk") disse que o "funk carioca" estava ligado à CIA, informação depois corroborada pela sambista Beth Carvalho, um dos respeitáveis nomes da esquerda musical brasileira.
Pois algumas pessoas gracejaram diante de tal informação, sem fazer qualquer desmentimento consistente. Se comportaram como "revoltados da Internet", só que "coxinhas" sob a cobertura de falso esquerdismo, e se limitaram a dizer que a tese é "ridícula".
Só que, na verdade, o "funk" é ligado à CIA, sim. E isso observando explicitamente o livro de Hermano Vianna, um dos primeiros propagandistas do gênero, antropólogo ligado a intelectuais do PSDB e hoje trabalhando na Rede Globo e Globo News, O Mundo Funk Carioca, observa-se que a associação à CIA é assumida por quem mais defende o estilo.
Vianna não escondia que a Fundação Ford, órgão ligado à CIA, patrocinou seu trabalho. A instituição, apesar do nome, não inclui apenas membros da montadora estadunidense, mas uma comissão de vários funcionários ligados às empresas dos EUA. A entidade é acusada de domesticar movimentos sociais mundo afora e também financiou o trabalho de Fernando Henrique Cardoso na década de 1970.
A exemplo de Cabo Anselmo, o "funk" também tenta dar a impressão de que defende um "esquerdismo sincero". O problema é que o "funk" é tão somente um ritmo dançante e comercial e nem de longe representa um ativismo. Seu verniz "ativista" se deu através de artifícios engenhosos, feitos pelos empresários-DJs ou por ideólogos associados.
Daí que todo um discurso engenhoso, mas que, observando bem, é confuso e cheio de contradições, foi feito para forçar o apoio das classes intelectuais ao "funk", através de factoides e falsas associações comparativas que iam do samba à Semana de Arte Moderna de 1922.
Não vamos detalhar esse discurso, mas muitas inverdades foram feitas. E deu no que deu: o "funk" é visto erroneamente como "vanguarda cultural" e "ativismo social" por causa de pretextos parciais, que nem justificam tais rotulações.
Afinal, da "vanguarda cultural", o "funk" só tem em comum o fato de causar polêmica e incômodo. Mas, artisticamente, o "funk" é ligado à retaguarda, com apologias à pobreza e à ignorância do povo pobre e sutis referências a valores machistas e racistas travestidos do que há de oposto nessas ideologias.
De "ativismo social", o "funk" só tem o aspecto de ser consumido pela população das favelas. A coisa sai até pior: os favelados viram "reféns" do "funk", e as favelas, que antes eram moradias improvisadas, tornaram-se prisões de pobres e, contraditoriamente, convertidas em "paisagens de consumo" de turistas deslumbrados.
Portanto, se as forças progressistas estão condescendentes com o "funk", seria bom tomar toda cautela. O "funk" é apadrinhado pelas Organizações Globo, pela Folha de São Paulo, patrocinado pela Fundação Ford e entidades similares, contando com o apoio de setores conservadores da sociedade que se comprometem em domesticar o povo pobre através do entretenimento.
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