Edgar Morin, lúcido e ativo aos 98 anos de idade, visitou o Brasil há alguns dias e realizou palestras no SESC de São Paulo.
Eu vi seu documentário de 1961, Crônica de um Verão (Chronique d'un Été), e achei brilhante, e surpreendentemente mostrando jovens universitários franceses que lembram mais a juventude de 1968.
1968 começou antes de 1968. Mas isso é uma outra história.
O que se observa na entrevista recente feita pela Folha de São Paulo ao filósofo e sociólogo francês, Morin expressa sua preocupação com o "sonambulismo da humanidade".
Não vou fazer uma longa análise. Mas um rápido parecer mostra o que é a preocupação de Edgar Morin.
É algo que existe em várias partes do mundo, mas é muito típico do Rio de Janeiro: a mania de pragmatismo, que o autor define como "política da urgência e do imediato".
"Ao sacrificar o essencial pelo que é urgente, acaba-se por esquecer a urgência do essencial".
Isso fez o Rio de Janeiro degradar totalmente. A mania de cariocas (e fluminenses, pela óbvia associação) quererem o "básico", porque "é melhor do que nada", é preocupante.
Mas o mais preocupante é que houve carioca partindo para o valentonismo digital (cyberbullying) paa humilhar quem discorda desses retrocessos.
Passaram a defender, com mãos de ferro, de mulheres-frutas a ônibus com pintura padronizada, passando pela degradação da cultura popular e pela canastrice radiofônica da Rádio Cidade no segmento rock.
Quem discordar dessas coisas e de outros similares, nas redes sociais, é alvo de verdadeiro linchamento digital dos fascistas virtuais.
Isso não condiz com o Rio de Janeiro que lutou para ser o paraíso da modernidade no Brasil dos Anos (quase) Dourados (1958-1960).
E aí eu vejo muito do que disse Edgar Morin em sua entrevista: a ascensão do fascismo pelo aparato democrático, a indiferença social aos riscos do autoritarismo (o tal "sonambulismo" citado pelo intelectual) e a falta de espontaneidade das pessoas.
Ele usa uma metáfora para contrastar a vida objetiva e subjetiva das pessoas, respectivamente denominadas "prosa" e "poesia".
Falta uma preocupação em desenvolver a "poesia" de maneira positiva e em busca de melhorias.
Edgar Morin acredita em paz e fraternidade, mas define as religiões como fenômenos que prosperam quando a democracia e a modernidade estão fragilizadas.
Grande diferença. Eu, um ex-espírita, vendo que muitos brasileiros se iludem achando que a tal "pátria do Evangelho" seria um paraíso progressista, sem desconfiar de projetos assim de supremacia político-religiosa são armadilhas que escondem tiranias dessa espécie.
Quem é que vai dizer que cavalos de Troia escondem soldados violentos? Ninguém vai anunciar uma tirania como tal, o Catolicismo medieval que promoveu carnificinas também se anunciou como uma "doutrina da fraternidade e da paz".
Segundo Morin, o humanismo não está inerente à religião e o que falta é a humanidade buscar seus sonhos e reivindicações, como observamos na Contracultura de 1960-1968.
Mas, infelizmente, temos o sonambulismo social que faz com que o padrão médio da sociedade se contentasse com os profundos retrocessos sociais que as pessoas pensam se tratarem de reality shows.
Até essas pessoas se sentirem realmente prejudicadas por eles - e realmente prejudicadas a ponto de se indignarem de verdade contra isso - , será preciso destruir a ideia de banalização do erro, chamando a atenção da sociedade para seus próprios problemas.
Edgar Morin é um dos últimos grandes intelectuais europeus vivos e que, na sua velhice tardia, se dispõe em se servir de uma das bússolas para o entendimento da realidade.
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