É um grande erro das esquerdas adotar um tom emotivo, que beira à pieguice, sobretudo quando acolhe referenciais culturais da centro-direita.
O acolhimento ao "funk", a "médiuns espíritas" de direita - inclusive um que usava peruca e foi falsamente considerado "progressista", uma mentira recentemente desmentida pelo fato de que ele apoiou abertamente a ditadura militar - e mulheres-objetos são sintomas disso.
Só esses apoios deixaram as esquerdas em posição ridiculamente vulnerável, o que abriu caminho para o golpe político de 2016.
Que as esquerdas ainda precisam aprender a coisa no âmbito cultural, isso é indiscutível.
Sua pauta sempre se concentrou nos assuntos de ordem sindical, trabalhista e política, e mesmo quando se falava na mídia se enfatizava demais no jornalismo político.
Há cerca de oito anos, chegou-se ao ponto das esquerdas se iludirem tanto com os referenciais culturais de centro-direita que uma coisa estranha ocorreu.
Enquanto havia o silêncio para o bombardeio de mulheres-objetos que o entretenimento popularesco despejava para ridicularizar o governo Dilma Rousseff - , discutia-se o tema da causa da Palestina não como uma agenda internacional, mas como se fosse um assunto brasileiro.
Acolhendo a intelectualidade "bacana" e seu proselitismo em prol do brega-popularesco - sobretudo o "funk" - , as esquerdas pareciam contribuir para que os BRICS virassem PRICS, com a virtual formação do estado palestino substituindo o Brasil no grupo dos emergentes.
Em muitos casos, as esquerdas pareciam impotentes no senso crítico, não bastasse aceitarem as pregações da intelectualidade pró-brega.
Constrangedor, por exemplo, ver Ivana Bentes sorrindo ao lado de Altamiro Borges, do Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, e, anos depois, dizer que a bunda feminina "é sujeito e não objeto".
Se for por esta postura e pela complacência do "paucentrismo masculino", faria mais sentido Ivana Bentes posar abraçada ao lado de Luciano Huck ou cumprimentando João Roberto Marinho, um dos donos das Organizações Globo, em alguma cerimônia.
Também é constrangedor ver Pedro Alexandre Sanches, o "filho da Folha", ser premiado com uma mediação sobre um seminário de mídia, do qual participaram, entre outros, o saudoso Paulo Henrique Amorim.
Isso depois de Pedro contaminar as esquerdas com os preconceitos da Folha de São Paulo e Rede Globo que permitiram a gourmetização da bregalização cultural (o tal "popular demais") que já estava em curso nas mãos de ninguém menos que Sílvio Santos e companhia.
Ver as esquerdas indo nesse papelão abriu caminho para a direita que, do nada, veio com o senso crítico cultural que as esquerdas se recusaram a desenvolver.
O mais incrível é que gente como Rodrigo Constantino - que eu considero, na metáfora intelectual, o "filho indesejado" de Pedro Alexandre Sanches - veio desejando a queda do PT no Governo Federal, depois as "reformas" de Michel Temer e o "mal necessário" de Jair Bolsonaro.
Alguns direitistas mais moderados, como Reinaldo Azevedo e Rachel Sheherazade, mostraram depois aspectos positivos em suas abordagens políticas. Andrea Sadi também seguiu, à sua maneira, este caminho.
Mas também os bolsonaristas de 2018, como Lobão, Joyce Hasselmann, Arthur do Val (Mamãe Falei) e Alexandre Frota acabaram desembarcando da causa e hoje são os maiores críticos do governo Bolsonaro.
A eles se juntou o inimaginável Nando Moura, que agora chamou os bolsonaristas de "traidores".
"Chega de Blá blá blá... Vocês traíram o povo Brasileiro. Sancionar a emenda do Freixo e querer ventilar o nome do Oliveira e Mendonça para o STF foi a gota d´água.Cretinos", disparou o músico e ativista de extrema-direita.
Ele se refere ao fato de que o "pacote anti-crime" foi podado pela emenda de Marcelo Freixo (PSOL-RJ), e as indicações de Jorge Oliveira (ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República) e André Mendonça (ministro da Advocacia-Geral da União) para o Supremo Tribunal Federal.
Não que os direitistas estejam necessariamente com a razão, mas a verdade é que eles têm a coragem do senso crítico que faltam a muitos esquerdistas.
As esquerdas brasileiras assistem passivas a tudo isso, e até agora não decidiram se farão passeatas e mobilizações como as que ocorreram no Chile, Equador e Colômbia.
Diferente desses países, há uma tendência perigosa à espetacularização que pode transformar as passeatas progressistas em "carnavais fora de época", anulando o conteúdo político e ativista.
Imagino as "esquerdas médias" - espécie de mainstream enfraquecido das forças progressistas - perguntando:
"Será que vai ter baile funk?".
"Será que vai ter show do Odair José?".
"Vai ter a participação de algum craque de futebol da moda?".
"Será que vai ter evento religioso ecumênico, com exaltações à fé religiosa e mensagens daquele médium de peruca e seu jesuíta de estimação?".
"Será que vão ter drag queens espalhafatosas e lésbicas raivosas pintando mensagens em seus seios nus?".
"Será que vai ter o É O Tchan cantando e dançando no trio elétrico?".
"Será que vai ter Chitãozinho & Xororó cantando 'Evidências', do (bolsonarista) José Augusto?".
Com toda essa pasmaceira, é lamentável que as esquerdas tenham perdido o protagonismo assim de graça, entregando a chave para seus opositores.
As próprias esquerdas acabam tirando pouco proveito da liberdade de Lula, que por isso mesmo acaba sendo menos um ativista e mais um contador de causos.
Tão cedo não teremos as esquerdas voltando ao poder. E, por incrível que pareça, são justamente elas que contribuíram para isso, mordendo a isca da cultura de centro-direita.
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