DAVID CROSBY, NA ÉPOCA DOS BYRDS, E NOS ÚLTIMOS TEMPOS DE VIDA.
Depois de um ex-Yardbirds, Jeff Beck, agora perdemos um ex-Byrds, David Crosby, falecido ontem aos 82 anos incompletos. Ultimamente com uma aparência de vovô bonachão, Crosby no entanto era um daqueles jovens que caprichavam nas harmonias vocais combinadas com um folk rock vigoroso e de inclinação psicodélica.
Os Byrds são, juntamente com o Velvet Underground e o Pink Floyd psicodélico de Syd Barrett, a santíssima trindade para os shoegazers, a genial vertente do rock alternativo criminosamente boicotada pela mídia roqueira brasileira mais acessível. Claro que o shoegazer não existia na época, mas se compôs com os elementos musicais dessas bandas.
Num contexto viralatista no Brasil que contamina a cultura rock, preso a mesmices comerciais como Guns N'Roses e Coldplay, supervalorizando coisas menos expressivas como Outfield e exaltando barbaridades como o asqueroso Marilyn Manson, os Byrds,quando muito, são apenas meros one-hit wonders com a cover de "Mr. Tambourine Man", de Bob Dylan.
Pena, porque os Byrds, que na primeira formação foi centralizasa pelos guitarristas Jim / Roger McGuinn (Jim era o prenome artístico original, mudado para Roger por motivos místicos) e David Crosby e o baixista Chris Hillman, se destacaram pelas excelentes melodias que fizeram a banda se tornar a resposta californiana aos Beatles. Em 1990, cinco anos antes de Paul, George e Ringo se reunirem para o projeto Anthology, McGuinn, Crosby e Hillman gravaram faixas para uma caixa comemorativa dos 25 anos de fundação dos Byrds.
E isso influenciou os próprios Beatles que, durante uma apresentação nos EUA em 1966, se encontraram com McGuinn, Crosby e o saudoso Peter Fonda para uma experiência com um alucinógeno que, mais tarde, fez os guitarristas do grupo britânico John Lennon e George Harrison bolarem "She Said, She Said" para o Revolver. No mesmo álbum, Lennon ainda fez "And Your Bird Can Sing", tirando um sarro com a banda californiana.
No Brasil, a pouca projeção dos subestimados Byrds não deixou de ter seu legado, pois a gravação original de "Tijolinho", sucesso de Bobby de Carlo, de 1967, teve arranjos calcados na sonoridade byrdiana.
Outro caso foi a versão de um sucesso italiano de Gianni Morandi pelos Incríveis, "Era Um Garoto Que Como Eu Amava os Beatles e os Rolling Stones", também de 1967, que não só tinha um arranjo de inspiração nos Byrds como a introdução copiava cordialmente a da versão de "Mr. Tambourine Man" pela banda californiana.
Ao deixar os Byrds, David Crosby se juntou ao canadense Stephen Stills, da banda Buffalo Springfield, e o inglês Graham Nash, da banda Hollies, para formarem o supergrupo de folk rock, o californiano Crosby Stills & Nash, eventualmente acrescido de Neil Young (também canadense e ex-Buffalo Springfield) na formação, virando Crosby Stills Nash & Young. O grupo foi um dos destaques do histórico Festival de Woodstock de 1969.
Sobre as primeiras músicas gravadas pelo Crosby Stills & Nash, duas curiosidades. Uma é o primeiro compacto, "Marrakesh Express", de 1969, que é uma composição de Graham Nash inicialmente feita para os Hollies, mas que a banda do sucesso "Bus Stop" rejeitou.
Outra música, "Wooden Ships", composição de David Crosby com letra de Stephen Stills e Paul Kantner (falecido membro da banda Jefferson Airplane), foi primeiro gravada pela banda psicodélica no seu álbum Volunteer, de 1968, com Crosby participando fazendo o efeito de barco à vela e o britânico Nicky Hopkins no piano (mundo pequeno, Hopkins foi parceiro de Jeff Beck em várias gravações). A versão do CSN foi gravada em 1969, com o próprio Crosby no vocal principal.
David Crosby seguiu, ao longo da vida, com sua carreira solo, fiel ao folk rock pós-CSN. Eu pude ver, numa apresentação em 2006 com David Gilmour e convidados (incluindo os saudosos Ricky Wright, parceiro do guitarrista no Pink Floyd, e David Bowie - que cantou "Arnold Layne" - , entre outros), a participação de David Crosby e Graham Nash fazendo vocais de apoio em algumas músicas. Brilhante concerto.
A presença radiofônica de Crosby no Brasil é triste. Poucos sucessos dos Byrds e Crosby Stills & Nash, como, respectivamente, "Mr. Tambourine Man" e "Wooden Ships", aparecem nas rádios consideradas roqueiras. Mas a principal presença de Crosby está como vocalista de apoio do famoso sucesso de Phil Collins, "Another Day in Paradise", lançada em 1989.
Ficam aqui nossos pesares pelo falecimento de David Crosby e resta torcer para que os músicos de rock do passado e os veteranos que ainda estão entre nós tenham seus legados valorizados e, podendo fazer discos novos, que eles possam se somar às respeitáveis obras. Pelo menos no exterior os jovens pós-mileniais valorizam os músicos mais antigos, mesmo falecidos antes dessa geração nascer.
Os veteranos do rock, como David Crosby, deixam sementes que, de uma forma ou de outra, vão gerar bons frutos no futuro lá fora. Quanto ao Brasil, infelizmente nomes como David Crosby morrerão pela segunda vez, esquecidos por um cenário cultural deplorável, mais preocupado com a breguice musical e seu lixo sonoro reciclado por um falso "vintage" que se espalha na mídia e nas redes sociais. Pena.
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