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PERDEMOS JEFF BECK


Uma meningite tirou a vida do superguitarrista inglês Jeff Beck, um dos grandes músicos do rock britânico da década de 1960. Ele tinha 79 anos incompletos e estava em atividade, tanto que um de seus últimos trabalhos foi o disco de covers 18, lançado no ano passado, quando o britânico fazia parcerias com o ator Johnny Depp em suas atividades musicais. Também em 2022 Jeff Beck fez uma participação no disco de Ozzy Osbourne, Patient Number 9. Em 2016, Jeff lançou seu último disco de estúdio, Loud Hailer.

Jeff Beck foi famoso por ter integrado a icônica banda Yardbirds, uma daquelas bandas seminais de rock que são criminosamente menosprezadas no Brasil, cujo mercado roqueiro quase sempre foi contaminado pelo viralatismo e por uma mídia sem qualquer especialização no gênero, em especial as tais "Jovem Pan com guitarras", uma dessas rádios comandadas por um chefão da Faria Lima.

Nem a participação dos Yardbirds no filme Blow Up, de Michelangelo Antonioni, fez a banda deapertar atenção dos brasileiros. Aliás, quem é Michelangelo Antonioni para um público que, hoje, acha vanguarda o conema comercial de Steven Spielberg?

Daí que não dá para o público roqueiro iniciante se aprofundar no gênero, pois o que vemos na "cultura rock" é um engodo pragmático que só serve para alimentar as plateias do Rock In Rio e similares. Gente mais preocupada em fazer linguinha e gesto de capeta com a mãozinha, e mais interessada em saber o time reserva do Flamengo do que bandas menos manjadas e mais conceituais de rock.

Os Yardbirds foram uma superbanda, e Jeff Beck esteve em uma fase da banda, tocando com Jimmy Page e mudando um pouco a orientação da banda, saindo do blues básico para um rock mais potente. Eric Clapton, que havia feito parte da banda, acusava o grupo de ter se tornado "comercial". Jeff é conhecido por sua contribuição, nos Yardbirds, em músicas como "The Train Kept A-Rollin'", cover de um antigo blues norte-americano, e "Heart Full of Soul", composição de Graham Gouldman (o mesmo que, depois, integrou o 10CC).

Jeff Beck depois tornou-se conhecido pelo seu próprio projeto, a banda Jeff Beck Group, com Rod Stewart nos vocais e Ron Wood no baixo. A banda enfatizava as influências do blues eletrificado e da soul music no estilo roqueiro britânico e tornou-se uma das fontes para o rock setentista mundial,

Quando Jimi Hendrix se lançou como músico psicodélico no Reino Unido, Jeff Beck foi um dos que sentiram o forte impacto do talento audacioso do músico estadunidense. Isso fez com que o guitarrista britânico repensasse sua carreira e buscasse experiências diferentes.

Jeff Beck participou na música "Lookin' for Another Pure Love", de Stevie Wonder, do álbum do icônico soulman, Talking Book, de 1972. O guitarrista inglês também fez a façanha de rearranjar a canção dos Beatles, "She's a Woman", com um arranjo com notável influência de reggae, no álbum Blow by Blow, de 1975.

Durante a adolescência, eu tive na minha coleção uma versão fita-cassete do álbum Flash, em que Jeff Beck flerta com a música eletrônica em quase todo o disco, em parceria com o tecladista Jan Hammer. Eu depois descaminhei a fita, quando descaminhei parte de minha coleção de discos na época, creio que os anos 1990. Mas o disco, de 1985, é um grande disco, de faixas bastante empolgantes.

Há, neste disco, uma bonita versão para a bela canção soul de Curtis Mayfield, "People Get Ready", com Rod Stewart nos vocais. No mesmo ano de Flash, Jeff Beck havia participado do disco She's the Boss, primeiro álbum solo de Mick Jagger, dos Rolling Stones, banda atual do ex-Jeff Beck Group Ron Wood.

Desses dois discos estão as únicas músicas com a presença de Jeff Beck que têm acesso às indigentes rádios brasileiras: a versão de "People Get Ready" e as músicas solo de Mick Jagger, "Just Another Night" e "Hard Woman". Nem as tais "rádios rock" (ou seja, as rádios pop que "só tocam rock") se encorajam de tocar alguma coisa da carreira do músico britânico.

O falecimento de Jeff Beck ocorreu num dia muito ingrato. Foi em 10 de janeiro último, dia de aniversário de Rod Stewart, que não merecia receber de "presente" uma perda tão triste. E também Jimmy Page, aniversariante de 09 de janeiro, não merecia a perda do amigo de infância e parceiro dos Yardbirds, do qual guarda importantes e emocionantes lembranças, principalmente naqueles loucos anos do rock britânico da década de 1960.

Perdemos um músico fundamental, que deixará um legado que, certamente, será apreciado pelos pós-mileniais que andam ouvindo coisas mais antigas, diante do vazio predominante no pop contemporâneo. Pena que, no Brasil, a cultura vintage só serve de rótulo para o resgate comercial da breguice dos anos 1970, 1980 e 1990 que deveria ter caído no esquecimento em vez da relembrança supervalorizada dos últimos tempos.

E como a cultura rock, no Brasil, vive uma crise e anda paralisada, com o pouco do Rock Brasil arrumando espaço na carona dos medalhões da MPB, numa "frente ampla" contra a música brega-popularesca, somente as bolhas culturais sentirão a lacuna deixada por Jeff Beck e uma infinidade de músicos geniais que nos deixaram. Somos poucos a sentir a tristeza por esta perda e vamos adiante, na esperança de que o Brasil possa ter um cenário cultural mais decente, não se sabe quando.

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