Com certeza absoluta, a gíria "balada" é de longe a pior das gírias, falada geralmente quase que cuspindo e dotada de significados tão díspares que é impossível não comparar esse jargão com a "novilíngua" dos tiranos da fictícia Oceânia do livro 1984, de George Orwell.
Sabe-se que a gíria "balada" é propriedade da Jovem Pan, que já não tem mais como presidente o empresário Antônio Augusto Amaral de Carvalho Filho, o Tutinha, que renunciou ao cargo mediante a crise do grupo midiático, associado às pregações fascistas do bolsonarismo.
A gíria "balada" é um símbolo da sociedade ao mesmo tempo reacionária, hedonista e autoritária, e essa expressão, no sentido festivo que se usou a partir dos anos 1990, se originou de uma linguagem dos jovens da Faria Lima, que, durante os agitos noturnos nas boates, chamavam um rodízio de alucinógenos tipo esctasy de "balada", derivando do eufemismo "bala" para esses comprimidos entorpecentes.
É assustadora a ascensão de uma mera gíria, patenteada pela Jovem Pan e espalhada pelo então contratado da rádio, Luciano Huck, a partir da Rede Globo de Televisão, que também contratou o apresentador, e, em seguida, a expressão "balada", neste sentido de "festa", se espalhou através de concorrentes como Band, SBT, Record e Redec TV!, chegando a "invadir" os programas noticiosos "sérios".
A gíria "balada" tornou-se a "gíria do Terceiro Reich", associada a um estilo de vida frenético e vazio, mas que revelou, mais tarde, uma juventude reacionária que foi embrião dos bolsonaristas de hoje. Gente que, entre 2005 e 2007, fingia apoiar o esquerdismo para atrair adeptos e, assim que houvesse uma crise nos governos do PT, esse mesmo pessoal, afeito a linchamentos virtuais contra quem discorda deles, se revelaria "decepcionado com o PT" e faria o proselitismo que faria chamar mais gente para aderir ao fascismo à brasileira.
Não nos deixemos enganar. Não foram esquerdistas autênticos. Esse pessoal, que falava a gíria "balada" e ouvia o som brega-popularesco - em 2005 seus ídolos eram Zezé di Camargo & Luciano, Exaltasamba, Bruno & Marrone e o "funk" no conjunto da obra - , fingiu odiar o imperialismo dos EUA, assim como fingiu abominar o neoliberalismo e achar o então presidente George W. Bush um "palhaço". Por outro lado, também foi falso seu apreço a ícones como Lula e Ernesto Che Guevara.
Afinal, por trás dessa fachada "esquerdista", esse pessoal já tinha pautas reacionárias: defendia o armamento do cidadão comum, dava preferência ao consumo de produtos estrangeiros, abominava o Movimento dos Sem-Terra, sentia um certo "incômodo" com a Petrobras. Mas "juravam" que eram "gente de esquerda", quando havia uma espécie de protocolo social, uma "etiqueta" na qual todo jovem (leia-se pessoas com menos de 40 anos de idade entre 2005-2007) tinha que ser "esquerdista".
E isso ocorria nos tempos "gloriosos" do Orkut, que as esquerdas médias ignoraram ser já um reduto perigoso de "fascistas mirins". Os sociopatas existiram já nessa época e eu mesmo fui vítima da truculência digital, hoje conhecida como "tribunal da Internet", já em 2007. Mas como os "fascistas mirins" não mexiam, então, com as esquerdas médias, e tinha muito reaça se passando por "fã" do Conversa Afiada do saudoso Paulo Henrique Amorim, não havia estranheza.
A gíria "balada" era apenas um artifício para forjar modernidade em mentes tão retrógradas. Uma gíria associada a um alucinógeno, surgida como um jargão privativo dos jovens riquinhos de São Paulo, mas imposta como se fosse "a gíria de todos os tempos e todas as tribos", contrariando a natural efemeridade das verdadeiras gírias. A adoção da gíria "balada" foi um teste para o poder midiático avaliar seu poder de influência sobre a juventude brasileira.
Não dá para continuar falando uma gíria dessas, que mostra o caráter patético do empobrecimento do nosso vocabulário, pois "balada" tem um significado tão díspar que tanto pode se referir a um jantar entre amigos como a uma turnê de um DJ. A gíria também "tempera" frases que são verdadeiros cacófatos, como "Vou pra balada c'a galera". Simplesmente horrível.
E ver que o alcance dessa gíria fez uma rede de escolas batizar de "baladinha" um evento recreativo infantil, enquanto a mesma gíria, apesar do seu apelo "poperó" (pop dançante), chegou a ser empurrada para o público roqueiro e para os descolados de esquerda (uma deputada do PSOL chegou a mencionar a gíria "balada" numa conversa com a dupla do canal Galãs Feios), é estarrecedor.
Tal como pais de família, tiozões de 50, 60 anos desinformados da juventude, também falava a gíria "balada" como se fosse o lazer de seus filhos e filhas. O médico Malcolm Montgomery teve a barbaridade de citar a gíria "balada" num livro sobre os Beatles, quando esse jargão seria muito mais apropriado para um livro sobre os Backstreet Boys ou sobre o k-pop.
Mas como toda gíria forçada acaba tendo um destino irrelevante, hoje a gíria "balada" virou um jargão frequentado pela mídia de fofocas de subcelebridades e nas letras de sucessos do "sertanejo universitário". Todavia, é sempre bom avisar para o pessoal não ficar falando a gíria "balada", que simboliza um contexto social bastante reacionário, de gente irresponsável mas também autoritária e que gosta de agredir e ofender os outros nas redes sociais.
Os tempos são de romper com todo esse ranço, voltando à diversidade do vocabulário, falando em "festa", "noitada", "jantar entre amigos", "vida noturna", "show do DJ tal", e melhorarmos a linguagem, em vez de bancarmos as marionetes de um poder midiático que muitos fingem odiar, mas seguem obedientes, como o aluno que odeia o professor mas segue submisso tudo o que ele lhe ensina.
A Jovem Pan já simbolizou uma pretensa modernidade na mídia brasileira. Sua linguagem virou o padrão do radialismo jovem em geral, ditando seu estilo até em "rádios rock" como a 89 FM e a Rádio Cidade, verdadeiras "Jovem Pan com guitarras". Mas até as vinhetas "espaciais" eram imitadas por um sem-número de emissoras, até mesmo rádios popularescas e noticiosas.
Sua decadência só se deu quando a JP passou a ser reduto de um opinionismo reacionário que blindou Jair Bolsonaro quando este (des)governava o Brasil. Mas a repercussão foi tão mal que Tutinha, além de se afastar da presidência da Jovem Pan, demitiu alguns comentaristas da Jovem Pan News, Rodrigo Constantino, Paulo Figueiredo (neto do ditador João Figueiredo) e Zoe Martins.
Vivemos um período delicado, em que o sistema de valores retrógrados com tantos resíduos acumulados desde a ditadura militar, sobretudo o período do general Ernesto Geisel - que as elites do atraso, sem admitir no discurso, definem como seus "anos dourados" - , está mostrando seu lado dramático, com a reação preocupante dos golpistas da extrema-direita.
Não dá para brincar e insistir num culturalismo retrógrado, em que as esquerdas apenas guardaram seus "brinquedos culturais" da direita moderada, sem romper com esse "mundo da direita sem raiva" que os esquerdistas acolhem, usando como desculpa a "democracia" para assimilar valores e ídolos conservadores que contaminam o universo progressista, já fraco demais em nosso Brasil.
Falar a gíria "balada" é falar a língua de Tutinha, Luciano Huck, Rodrigo Constantino, Monark, Ana Paula Henkel, Danilo Gentili, Latino, Zezé di Camargo e similares. Não dá para fingir que isso nada tem a ver, porque tem. Afinal, "balada" é o símbolo do culturalismo novilíngua, do "vocabulário do poder" que o falecido Robert Fisk alertou no contexto do jornalismo político do Primeiro Mundo e que aqui se infiltra, escondidinho, no cotidiano cultural do entretenimento. Portanto, um culturalismo ainda mais perigoso por ser pouco perceptível pelos setores médios da opinião pública.
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