Redação de jornal é picadeiro de circo? Trabalhar com analista de redes sociais é igual a palco de stand up comedy? A invasão de humoristas em trabalhos sérios de Comunicação, a ponto de fazer pegadinha com o empregador, narrando um currículo jornalístico longo demais para a idade do comediante de carreira, que dificilmente faria uma carreira paralela no jornalismo sério, é um fenômeno caraterístico desses tempos de positividade tóxica do nosso país.
São tempos em que ser engraçado vale mais do que saber pensar a realidade da vida. Tempos em que ser divertido é muito melhor do que ser talentoso. Isso é um reflexo de uma avalanche de "novos normais" que regularam a vida no Brasil desde que, dez anos após o golpe de 1964, começou-se a desmontar o país grandioso que sonhávamos desenvolver por umas breves quatro décadas, entre 1922 e 1964, passando pela imponente Era Vargas.
Hoje o que temos é uma grandiloquência que mascara a mediocridade, que faz a "boa" sociedade brasileira pensar alto demais e agir demasiado pequeno. Agora é só consumir e se divertir, dentro de um contexto em que se dá preferência a um hedonismo frenético do que a busca de uma vida sossegada. Como se o hedonismo não permitisse descansar, relaxar, levar uma vida pacata, a vida no Brasil de Lula 3.0 virou um Carnaval 24 horas por dia, sete dias por semana, e ai de quem reclamar.
Claro que devemos nos alegrar, sorrir, ter esperança, contar piada etc, mas o humor não é a medida de todas as coisas, mas apenas um tempero de um ato social, só se tornando a atração principal dependendo do contexto. No jornalismo e no trabalho de analista de redes sociais, em tese um possível refúgio dos que não conseguem entrar na imprensa, que demitiu centenas de bons profissionais e revelou bastidores de ambientes profissionais tóxicos, o humor não deveria ser o prato principal, mas apenas um molho.
O que é ser analista de redes sociais? É uma versão sentada da stand up comedy, ou seja, uma sit down comedy? É quando o influencer da moda quer bancar o intelectual? É transformar uma piada em texto jornalítico? Evidentemente, não, mas a fácil penetração de piadistas no mercado ilude as novas gerações que, para ser analista de redes sociais, já está treinando piadas, pegadinhas, esquetes e até dancinhas de Tik Tok.
Ser analista de redes sociais é um trabalho técnico, um trabalho feito numa instituição ou empresa para monitorar as redes sociais e captar o público-alvo, de maneira que ajude o departamento de marketing a desenvolver uma campanha para atingir a demanda certa.
Nesse trabalho são desenvolvidas pesquisas sobre o comportamento do público, a sua faixa etária, seus hábitos, desejos, temores, fraquezas, potenciais etc. Utiliza as diversas plataformas para fazer essas pesquisas, do Tik Tok ao Linkedin, passando pelos famosos Instagram, Facebook, WhatsApp e YouTube.
O analista faz levantamentos e realiza relatórios sobre os dados colhidos e, com base neles, realiza campanhas para o investimento em linques patrocinados nas redes sociais ou mesmo campanhas publicitárias on line, visando atrair o público identificado pela pesquisa.
O trabalho não é necessariamente jornalístico, mas tornou-se refúgio para formandos em Jornalismo se colocarem no mercado de trabalho, pois nossa mídia, cada vez mais tóxica, não se compromete mais com a informação, virando antros de opinionismo barato e de puro showrnalismo.
No entanto, o fato do humorismo encontrar dificuldades de expressão diante do politicamente correto - hoje em dia, Stanislaw Ponte Preta seria brutalmente cancelado - , faz com que certos comediantes, mais articulados, se valham de sua lábia para se passarem por jornalistas, como se um Marcelo Tas surgisse feito capim na relva.
O modismo do CQC de Tas, junto ao Casseta & Planeta e a conversão, nos últimos anos, do Pânico da Pan em um dublê de programa jornalístico, fez de muitos comediantes verem o Jornalismo ou a Publicidade e Propaganda as suas minas de ouro, a ponto de um candidato a um emprego fazer a sua pegadinha para o empregador, uma típica narrativa de comediante da Internet:
"Meu nome é Fulano, tenho 45 anos, faço parte de um grupo de comédia (com mais de 20 anos de carreira), mas fui jornalista que passou por sete e cada seis jornais locais, fui editor de Política e Economia, depois subeditor, vice-editor, tive experiência em reportagem e redação em dez editorias etc etc etc", eis a narrativa que parece um resumo de uma carreira jornalística longa demais para um comediante de carreira.
É claro que o Brasil de hoje se empolga demais com o fim do bolsonarismo, de tal forma que se torna praticamente proibido ter senso crítico, para não estragar o "alto astral" do Papai Noel de Garanhuns, ainda que este agisse hoje mais como um pupilo da Faria Lima, dando paliativos para o povo pobre mediante aplausos da "boa" sociedade paternalista e etnocêntrica que está acostumada a tratar o povo pobre como um misto de lixo e animal doméstico.
Mas devemos perceber que novas distorções já estão surgindo e, dentro de alguns meses, não vai dar para abafar as críticas porque, a essas alturas, perderá sentido achar que o pior do Brasil se limita ao bolsonarismo, pois temos entulhos socioculturais desde 1964 e eles não podem ser tratados como se fossem relíquias saudosistas. O lixo mais antigo não se transforma em ouro, se transforma em podridão.
Quanto ao trabalho de analista de redes sociais, as novas gerações devem se preparar, não só para enfrentar concorrentes piadistas cheios de papo furado, mas elas mesmas devem entender que o trabalho envolve pesquisa, análise, estudo. Não se trata de entender de piada e contar uma história para enganar o profissional de recursos humanos que acaba levando gato por lebre. Se trata de entender como funciona o público consumidor das redes sociais. E isso vai muito além do que contar piadas espertas e fazer dancinha de Tik Tok.
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