A estranheza dos brasileiros que, nas redes sociais, não conseguem ver o que está por fora da bolha da elite do bom atraso faz com que as críticas ao governo Lula sejam ridicularizadas ou simplesmente desprezadas. Mas, fora dessa bolha, fora da "verdade oficial" das redes sociais, o que se vê é uma crise acontecendo e que pode se agravar ainda mais.
A ultradireita já começa a botar a cara para fora na Argentina, com a vitória do jovem conservador Javier Milei nas eleições primárias para a sucessão do presidente Alberto Fernandez. Aqui no Brasil, em que pese o avanço das investigações do escândalo das joias de Michelle Bolsonaro, que podem complicar a vida de Jair Bolsonaro, o que se vê é Lula se desgastando ao aceitar que o Congresso Nacional vote em favor do Projeto de Lei 2.370, que favorece as oligarquias midiáticas, sobretudo a família Marinho, das Organizações Globo.
O que se vê são as repetições tanto das explosões de ódio de um Brasil violento, reflexo do período golpista de 2015-2022, e dos "brinquedos culturais" do governo Lula, que por mais que jure estar governando em favor do povo pobre, está na verdade governando em favor da classe média abastada, a "classe média de Zurique", cheia de dinheiro no bolso para gastar com cerveja, carrões, às vezes uns cigarros, em outras umas viagens ao exterior da qual essas pessoas nada curtem a não ser elas mesmas.
Temos um calo que impede o Brasil de andar. Essa elite do bom atraso, que tenta reciclar velhos valores culturais, como a bregalização, o obscurantismo religioso sem-raiva e o fanatismo tóxico do futebol - fenômenos que se ascenderam nos períodos dos generais Médici e Geisel - sob a pretensa ressignificação "democrática de esquerda", tenta perpetuar no poder sociocultural se passando por "progressista", apagando seu passado golpista de seus avós pedindo a queda de João Goulart.
Agora os netinhos das gerações burguesas que fizeram suas marchas da família em 1964 passaram a posar de "comunistas desde o berço", mesmo com alguns "brinquedinhos" da direita: funqueiros, "médiuns", craques de futebol milionários, mulheres-objeto falsamente "empoderadas".
Esse culturalismo conservador não-raivoso, que sabotou culturalmente os dois mandatos de Lula, entre 2003 e 2010, mesclando uma agenda socioeconômica progressista com a precarização cultural herdada da ditadura militar, com o objetivo de impedir a emancipação real do povo pobre.
Até agora, não há progressos socioculturais definitivos. Os progressos econômicos se mostram medianos, em que pese o clima de oba-oba dos apoiadores de Lula, medindo o sucesso das medidas com números de relatórios, como se a realidade vivesse de gráficos e tabelas e não pelo que é vivido pelos brasileiros.
Fora da bolha, vi um negro pobre na Avenida Paulista falando contra o "comunismo", sinalizando uma crítica ao governo Lula. Os pobres se sentem abandonados, vejo muito sem-teto se sentindo sem-chão. E Lula só governa para ele mesmo, ele só dá atenção aos seus próprios impulsos, como se ele fosse o maior juiz de valor da face da Terra, como se só ele se achasse correto nas avaliações do que deve ser feito pelo país.
E nota-se que Lula anda errando muito, não bastasse ele mostrar um estranhíssimo sinal de envelhecimento e a tal "doença do quadril" que soa uma estória mal contada. Em todo caso, Lula, sem a maquiagem antirrugas que utiliza nos seus eventos, está extremamente velho, mas como um Dorian Gray político, se comporta como uma criança mimada querendo que todas as suas vontades fossem feitas.
E isso é aplaudido pela classe média abastada, que agora inverteu o antipetismo delirante de dez anos atrás, só que de maneira simétrica, sempre com fantasias. Antes Lula era acusado pelos erros que o petista não cometeu, hoje ele é glorificado pelos acertos que não fez. E hoje Lula virou o presidente de contos de fadas, o ídolo máximo dos adultos infantilizados das esquerdas médias ou esquerdas mainstream.
O Brasil esta extremamente confuso e irregular, o que impede as pessoas de ter algum motivo para botar nosso país no Primeiro Mundo. Nosso país ainda permanecerá, por muito tempo, na condição de eterno emergente, e isso se deve à ordem social vigente, que remete ao governo Médici e Geisel, pelos valores religiosos, culturais e lúdicos que insistem em permanecer, sob a desculpa de que só se descarta o culturalismo oficialmente reconhecido, aquele que vive da cosmética explícita do raivismo.
Se a nossa "melhor música" são Chitãozinho & Xororó, Michael Sullivan e É O Tchan - Gretchen não se conta, porque ela, na prática, hoje faz sucesso como influencer - , então significa que o Brasil saiu da Era Geisel, mas a Era Geisel não saiu dos brasileiros. Memórias afetivas de pessoas que hoje tem 50, 60 anos mostram o quanto esse "bom" viralatismo cultural, não assumido com este nome mas sob o rótulo de "boas coisas da vida", continua de pé.
Isso é apenas uma amostra de como o nosso Brasil ainda está culturalmente deteriorado, pior do que há 60 anos. E ainda há eventuais manifestações de insanidade quando nomes antes dignos de muito respeito como João Gilberto e Tom Jobim servem agora de "vidraças" para ressentidos em busca de poder através da pose de vitimista.
Daí ser muito fácil cultuar Michael Sullivan - o "Tom Jobim" da geração Tik-Tok - , cuja música "Um Dia de Domingo" foi vergonhosamente tocada pela Nova Brasil FM, uma das poucas redes de rádio voltadas para a MPB, um segmento discriminado num mercado radiofônico dominado por ritmos musicais popularescos e por jornadas de futebol que são transmitidas para as paredes, pois futebol em rádio FM é apenas um gancho para o jabaculê esportivo que transformou, há tempos, a Frequência Modulada em "caixa dois" das federações regionais de futebol.
Nunca saímos de 1974, e se insiste em correr atrás do próprio rabo. Embora muita gente finja defender um novo Brasil, o que se vê é a "boa" sociedade jogando ou deixando que se jogue no lixo a nova mobília, com o bebê dentro, enquanto o entulho que se acumula no porão e que exala mofo tóxico é mantido guardado, ainda que sem proveito.
Infelizmente Lula 3.0 virou o governo da velha política, com o presidente comprando apoio de parlamentares, da mídia alternativa e de artistas para o faz-de-conta que o Brasil sofreu uma revolução socialista. Tudo dentro da coreografia das palavras, da pirotecnia dos relatórios, do simulacro de êxitos. Mas de vez em quando um lulista bota para fora o bolsomínion que está dentro de si.
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