O Brasil se revelou, em 2016, um país bizarro. Sofrendo os efeitos do pragmatismo carioca - cujos reacionários tietes de ônibus visualmente padronizados, rádios pseudo-roqueiras e mulheres-frutas elegeram Jair Bolsonaro e Eduardo Cunha "em nome da moralidade" - , o Brasil se vendeu para o golpismo político que se tornou um período surreal da nossa história.
E tudo isso temperado com um "baile funk" de quinta-coluna, com a Furacão 2000 enganando as esquerdas anestesiando o protesto político com uma festinha, fazendo os apoiadores da presidenta Dilma Rousseff morderem a isca de Rômulo Costa, que, na época sogro da golpista Antônia Fontenelle e ligado à "bancada da Bíblia", dividiu com Bruno Ramos, da Liga do Funk, a função de Cabo Anselmo da vez, assediando as esquerdas com uma falsa solidariedade que nunca passou de armadilha para o golpe.
Em seguida, vieram os retrocessos que Michel Temer impôs, tentando derrubar os obstáculos e os protestos parlamentares. Neste sentido, Temer foi pior do que Bolsonaro, porque foi Temer que arrumou a cama para o bolsonarismo deitar e rolar, e Bolsonaro não precisou governar, pois usou seu cargo de presidente da República para executar o mais sórdido esquema clientelista que envolveu de pastores neopentecostais a milicianos da pesada.
Hoje o bolsonarismo está sendo desmontado, e ontem mesmo o hacker de Araraquara, Walter Delgatti, ex-operador da Vaza Jato que depois colaborou com os bolsonaristas, foi condenado a 20 anos de prisão. Mas a boa notícia mesmo foi Dilma Rousseff, perto de completar sete anos de expulsão do poder, foi inocentada pelo Tribunal Regional Federal da acusação de "pedaladas fiscais".
Se não tivesse havido aquele golpe, o Brasil não teria vivido anos tão confusos. E tanto a Operação Lava Jato e o golpe de 2016 desnortearam Lula, que, após sair da prisão deixou a admirável lucidez que mostrava em suas conversas para uma desesperada corrida para voltar à Presidência da República, a ponto de preferir o arrivismo à prudência.
E aí virou um tapetão. Lula se vendendo como "candidato único", contrariando a necessidade de recuperar a democracia com o obrigatório compromisso de competitividade eleitoral. Faltou sutileza e, se Lula tivesse aceito competir com outros concorrentes, e feito uma chapa presidencial menos heterogênea, o que inclui comparecer nos "campos adversários" do SBT e Record, teria sido melhor sucedido nas votações.
Sim, porque as esquerdas médias, contraditórias, andam ventilando a suposta fraude nas urnas eletrônicas, alegando que Lula teria ganho as eleições com 75% e não 60%. A contradição se dá porque os lulistas sempre falaram da integridade das urnas e, de repente, estão alegando fraude.
Mas não é só isso. Lula, quando assumiu o atual mandato, entrou no clima do "tudo ao mesmo tempo agora", com desnecessárias viagens ao exterior que comprometeram a urgência da reconstrução do Brasil, que não mostrou sinais de progresso evidente. Muita gente adorou, mas é o pessoal que ganha mais de dez mil reais que acredita que Lula reconstrói o Brasil até se ele for com sua Janja para curtir uma praia em Saint-Tropez, na França.
E aí vemos o quanto os lulistas e os bolsolavajatistas são, na verdade, dois lados de uma mesma moeda. São a mesma elite do atraso, a mesma classe média abastada e ilustrada, que curte funqueiros, piseiros, axézeiros, "médiuns", são fanáticos por futebol - a ponto de, caso viajarem, por exemplo, para Campos do Jordão num dia de jogo tipo Flamengo x Corinthians, deixam o passeio para lá para só pensar na tal competição - e são culturalmente medíocres e até ignorantes.
É claro que na classe média abastada existem exceções, mas elas estão fora da bolha que fala "portinglês" (tipo falar snack, boy, bike, body e dog como se fossem palavras da língua portuguesa), pronuncia a gíria "balada" (© Jovem Pan) em vez de falar, normalmente, "festa" ou "jantar entre amigos", e acha que Michael Sullivan e É O Tchan são a nata da "vanguarda vintage" brasileira.
O "grosso" da classe média abastada é justamente a imbecilização cultural. E aí vemos tanto a elite do mau atraso, bradando pelo "Fora Dilma" entre 2015 e 2016, como um bando de patetas vestindo a camisa da CBF, quanto a elite do bom atraso, que de forma tão idiota classifica como "canções de protesto" as músicas "Xibom Bom Bom" e "Ilariê".
Que diferença há entre o raivismo idiotizado dos golpistas de 2016 e o infantilismo folião dos lulistas, que se apressam em criar um "bloco dos comunistas", como se o marxismo fosse um mero Carnaval? Mulheres jornalistas de esquerda com a mesma paixão por cigarro que o Olavo de Carvalho?
E mais. Lulistas com a mesma paixão por cerveja que os "sertanejos" bolsonaristas? Lulistas e bolsonaristas disputando a posse da camiseta da Seleção Brasileira de Futebol como símbolo da mobilização política? Esquerdas condenando fake news mas aceitando a literatura fake de um "médium" ultraconservador de Uberaba, bem mais reacionário do que Silas Malafaia apesar da reputação associada falsamente ao "amor e à caridade"?
Portanto, ambas são a mesma elite do atraso, uma no modo Mr. Hyde, outra no modo Dr. Jekyll. Foi bom Dilma Rousseff ser inocentada, mas isso não significa que o Brasil está pronto para entrar no Primeiro Mundo. Até porque mesmo os lulistas mais empenhados também mantém valores culturais que remetem ao "milagre brasileiro" da ditadura militar.
Portanto, falta para as esquerdas assumirem que o culturalismo dos "brinquedos culturais" que fazem do Brasil um arremedo de novela das nove da Rede Globo, tratando o povo pobre como uma multidão de tolos ingênuos, é também herança da ditadura militar e muita "boa coisa da vida" aprendida durante a Era Geisel é tão ou mais nociva do que o bolsonarismo em processo de desmonte. Até porque, se não fosse esse "bom culturalismo", o golpe de 2016 não teria acontecido.
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