Há cerca de 20 anos, uma geração de homens que eram empresários, publicitários, médicos e outros profissionais liberais foi se destacar, aos 50 anos de idade, nas colunas sociais ao lado de mulheres cerca de 15 ou 20 anos mais novas. Naquele tempo, esses homens, que apareciam em veículos como a revista Caras (então mais próxima do colunismo social granfino do que de uma revista de famosos), pelo seu pedantismo marcado pelo sucesso profissional, foram vítimas de seu próprio etarismo.
Eles contrastavam com suas esposas, estas na casa dos 30 anos e sendo ex-modelos, atrizes ou até uma ex-paquita, pois estas ainda mostravam um comportamento mais arejado, moderno, enquanto seus maridos mostravam um comportamento passadista, baseado num modelo de homem de 50 anos que eles viram nos seriados dos anos 1970.
Na cabeça deles, sua função ao lado de suas esposas era como se o Papai Sabe-Tudo, conhecido personagem de uma famosa sitcom estadunidense dos anos 1950, se casasse com a Garota do Alceu, a então moderna it girl dos anos 1950 desenhada pelo estilista Alceu Penna e cujas estórias eram escritas por vários redatores e que fez muito sucesso na revista O Cruzeiro.
No entanto, estes homens carregavam muito no pedantismo. Se apropriavam de ícones que, para quem nasceu na primeira metade dos anos 1950, soavam distantes: Millôr Fernandes, Norman Mailer, jazz, Ernest Hemingway, Winston Churchill, Charles Aznavour. Empolgados demais com seu sucesso profissional, os coroas de primeira viagem queriam dar a falsa impressão de "especialistas dos anos 1940", e para isso se arriscavam a dar um tempero vintage até nas interpretações de referências acessíveis na época como O Código Da Vinci e Cinema Paradiso.
Vi a entrevista de um médico, casado com uma ex-modelo lindíssima que chegou a ser apresentadora de TV e depois virou fotógrafa, no Programa do Jô, e ele, para não se perder no pedantismo, preferiu falar mais de sua profissão. Aos 39 anos, ele havia levado a então namorada, depois esposa, para o Hollywood Rock 93, o mesmo que teve Nirvana e Red Hot Chili Peppers.
No entanto, aos 50 anos, o rapagão convertido em coroa pedante parecia sonhar com os tempos caretas do Jacinto de Thormes, pseudônimo de Maneco Muller famoso por mencionar as mulheres como "senhora (nome do marido)", em atitude tipicamente machista.
Aos 50 anos, esses homens queriam parecer maduros, mas forçavam muito a barra, querendo parecer "clássicos" sem ter um embasamento profundo. Li as entrevistas deles e notava uma grande superficialidade. Na verdade, eles eram os "mauricinhos" do começo da década de 1970, garotos que gostavam de Eagles e Doobie Brothers e dançavam a disco music, mas ao virarem cinquentões, queriam parecer "muito cultos" e queriam dar a impressão que sempre ficavam em casa ao som da orquestra de Herbert Von Karajan e lendo livros de Thomas Mann.
Não precisa explicar muito por que esses coroas evitavam viajar muito para a Grã-Bretanha e, nas viagens europeias, a preferência era a França ou Itália. É porque, no Reino Unido, os homens nascidos na primeira metade dos anos 1950, em maioria, se envolveram com punk rock, sendo o extremo oposto do auto-etarismo dos homens granfinos maridos de garotas ensolaradas.
Eles eram tão sisudos que seus pés eram praticamente prisioneiros de sapatos de couro com saltos duros e os referenciais de conduta eram sempre "adultos demais", carregando na etiqueta tão rígida que cansou até a alta sociedade nos últimos anos.
Mas o pedantismo dessa geração de homens grisalhos falhou de tal forma que eles praticamente desapareceram. Os costumes mudaram e a geração de novos empresários do Vale do Silício, ao introduzir o jeans, as camisetas de algodão e, principalmente, o sapatênis, para o vestuário empresarial, forçaram até empresários casmurros de 80 anos a ter que usar camisetas leves, bermudão e tênis nos passeios de rua, praticamente comprando o mesmo figurino de seus netos.
Aquela figura do empresário coroa e sisudão virando as costas para a Praia de Copacabana, contemplando o glamour granfino do Copacabana Palace - ignorando que o rock, o pop e as celebridades juvenis nos anos 1960 já começavam a invadir seus aposentos - , enquanto sua esposa mais jovem olhava para a areia praiana, começou a se desgastar.
A geração desses homens nos prometeu um novo Juscelino Kubitschek, tamanha a insistência do seu pedantismo, apesar da superficialidade de sua pretensa erudição. Mas nos deram Jair Bolsonaro, um remix de Jânio Quadros com Ernesto Geisel. Tão metidos a cultos, eles não ensinaram a geração de seus filhos mais velhos, nascida entre 1978 e 1983, a ser culturalmente melhor, pois esta geração preferiu e prender, salvo exceções, no culturalismo brega e comercial dos anos 1990 para cá.
Mas o que esses coroas não imaginam é que o tempo mudou, e que o coroa não é mais como nos seriados de TV dos anos 1970. Hoje os coroas com mais de 50 anos brincam de jogos eletrônicos, recreiam muito nas redes sociais, cultuam desenhos animados e hobbies naturalmente juvenis, e, nos aspectos negativos, sofrem surtos tipicamente "aborrecentes", escrevendo o que não devem e depois pedindo desculpas e apagando apressadamente as mensagens indevidas.
Quem tem mais de 50 anos hoje pratica esqueite, surfa, bebe refrigerante com hamburguer e fritas na lanchonete, lê revistas em quadrinhos, ri alto ao ler ou ver piadas e não esconde que calçar um par de tênis é mais confortável do que os duros e cansativos sapatos de couro que serviram apenas para o pedestal dos antigos homens "de sucesso". O sapatênis criou uma revolução na vida dos homens de cabelos grisalhos e brancos.
E o Copacabana Palace ficou mais jovial. O hotel fundado pela família Guinle - cujo expoente famoso mais contemporâneo é a atriz Guilhermina Guinle - foi, durante anos, um ortodoxo ambiente de festas granfinas, onde os ricos e nada famosos - eram anônimos enfeitando notas e fotografias nas colunas sociais, se aparecendo para si mesmos - esbanjavam muito pedantismo, elegância demais e riqueza e hipocrisia mais excessivas ainda.
Certo, o Copacabana Palace de hoje acolhe nomes popularescos e subcelebridades em bailes de gala pós-modernos, mas o hotel carioca ficou mais arejado, e deixou de ser aquele edifício mofado dos tempos de Jacinto de Thormes. É certo que essas mudanças não refletem, ainda, um Brasil mais justo e humano, mas quebraram a formalidade excessiva que havia sido o aspecto mais negativo daqueles tempos dos anos 1950.
Neste Brasil em reconstrução, e num tempo em que os adultos se tornam em grande parte infantilizados, pelo menos ficou para trás os tempos patriarcalistas de homens mais velhos e sisudos que usavam suas mulheres mais jovens como trampolim social. Uma geração nascida nos anos 1950 tentou retomar essa relação hierárquica, mas, vitimados pelo próprio etarismo cultural, eles praticamente sumiram de cena e hoje, com 70 e tantos anos, estão "de castigo" brincando nas redes sociais e trocando o Bing Crosby pelos Engenheiros do Havaí.
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