Eu já havia escrito, no meu antigo blogue O Kylocyclo, um texto sobre a comparação entre os primórdios da música brega e o projeto econômico que os ministros da ditadura, Roberto Campos, do Planejamento, e Otávio Gouveia de Bulhões, da Fazenda. Mas não custa retomar esse tema, ainda pouco conhecido de muitos.
Eu escrevi o referido texto ainda no calor da blindagem intelectual em torno do brega, visto erroneamente como algo "revolucionário" - era a época de levantar a "bandeira do mau gosto" como se fosse uma causa "libertária" e "emancipadora" - e a repercussão do texto foi pequena.
Mas depois veio a necessidade da opinião pública de questionar toda a apologia à bregalização, que envolvia desde "tradicionalistas" como Waldick Soriano até nomes mais recentes como Lucas Lucco, passando, é claro, pelos funqueiros.
Essa necessidade se deu porque ninguém conseguia engolir essa ideia de que aceitar a breguice é romper o preconceito, porque, não raramente, essa aceitação se dava de forma muito mais pré-concebida do que a rejeição que assustava bregas de toda a espécie, inclusive os "sofisticados" neo-bregas dos anos 90 e os "modernosos" pós-bregas dos últimos anos.
Ninguém conseguia engolir, é verdade, e uma reação às teses surreais da intelectualidade dominante era dificultada pelo fato de que não havia gente com visibilidade suficiente para enfrentar os historiadores, sociólogos, antropólogos, jornalistas culturais e cineastas documentaristas que diziam que ser brega era o máximo e ser funqueiro era melhor ainda.
Por isso foi preciso que eu escrevesse tantos textos questionando essa intelectualidade - com o preço de eu ter recebido comentários nada elogiosos de Paulo César Araújo no livro O Réu e o Rei - e neutralizando sua campanha em prol da bregalização do país.
Daí que uma das teses que incomodam essa intelectualidade é a associação do brega com a ditadura militar. E de fato esta constatação faz muito sentido, em que pese o caráter despolitizado dos ídolos cafonas e seus derivados ao longo dos anos.
Além do apoio da mídia coronelista, que afastou as classes populares de suas próprias raízes culturais, trocando-as por um "pop" mais rasteiro e provinciano - difundido não por vias sócio-comunitárias, mas pelo poder midiático regional - , as origens do brega-popularesco se baseiam na mesma mentalidade que fez o Brasil trocar o nacionalismo popular pelo neoliberalismo.
O brega original tem caraterísticas que equivalem, no plano econômico, ao projeto que os ministros do governo do general Castello Branco, que foram os primeiros artífices do "milagre brasileiro" (trabalho completado depois por Delfim Netto) estabeleceram para o país, E não é preciso muito esforço para ver que essa equivalência tem, sim, tudo a ver.
Campos e Bulhões defendiam um desenvolvimento econômico no Brasil subordinado às determinações do Fundo Monetário Internacional, com a implantação da industrialização utilizando matéria-prima obsoleta nos países do Primeiro Mundo, criando um progresso econômico relativo, mas que garantisse a colaboração dos grandes investidores à Economia brasileira.
A música brega dos primórdios - bem antes de adotar arremedos de brasilidade, acentuados a partir dos anos 90 - se baseava em modismos ultrapassados (matéria-prima obsoleta) do pop estrangeiro e pautava suas referências nas paradas de sucesso internacionais difundidas pelo poder radiofônico.
Embora o discurso, não obstante choroso, da intelectualidade pró-brega, tente erroneamente classificar o brega como uma "resistência cultural" das classes populares, hipótese bastante absurda, até porque as rádios que tocaram seus sucessos apoiavam a ditadura militar e eram controladas por oligarquias regionais, a tese de que brega é o neoliberalismo musical procede.
E isso é tão certo que o brega não aposta no fortalecimento das identidades sócio-culturais, mas tão somente em tendências de fácil assimilação e que só servem para o consumo momentâneo. São músicas descartáveis, que não sobrevivem à perenidade, tanto que mesmo a mais intensa blindagem intelectual não consegue reabilitar integralmente os ídolos bregas.
Pelo contrário. Quando muito, essa blindagem só consegue provocar um interesse de alguns porraloucas - entre artistas, cantores e acadêmicos - e o mesmo consumo de gente embriagada em botequins de subúrbios e roças, tocando velhos sucessos bregas no juquebox ou no toca-CD.
O brega nem de longe representou emancipação social, progresso cultural e libertação sócio-política. Toda a discurseira intelectual nesse sentido, ainda que repercutisse muito, era duramente questionada. A intelectualidade acusava isso de ser atitude "preconceituosa", ignorando que mais preconceituoso é acreditar em tudo sem verificar. E quem rejeita o brega o fez depois de verificar.
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