Ando muito decepcionado com a cultura do rock autêntico no Rio de Janeiro. Aliás, o Grande Rio anda decepcionando muito, em vários aspectos. Até como centro de distribuição, decepciona ver que a logística dos supermercados está comparável à do Norte do país, espera-se duas semanas para um produto ter estoque renovado nas prateleiras.
Ver que pessoas com algum senso crítico passam a ser discriminadas no RJ, antes o paraíso astral da vanguarda, da resistência e hoje virou um grande curral de gente submissa, a aceitar arbítrios aqui e ali porque tudo vai "ficar bonito depois", que vai "chover mais dinheiro" e o Rio será "capital do Primeiro Mundo" e blablablá, é muito, muito decepcionante.
Na cultura rock, o que chama a atenção é a deturpação violenta que o rock anda sofrendo no mercado e na mídia cariocas. Fora webradios aqui e ali, dedicadas a superar a mesmice doentia das FMs, o que se nota é a supremacia de uma emissora FM, a Rádio Cidade, que se impôs como "dona" da cultura rock do RJ. A Rádio Cidade é o "Eduardo Cunha" das rádios de rock.
A Rádio Cidade surgiu como FM pop e se consagrou tocando disco music quando os maiores nomes do rock estavam no auge. Ramones, Iron Maiden, AC/DC, Renato Russo, todo mundo estava a vapor quando, nos 102,9 mhz, só rolava disco music. Tudo bem. Seria chato se todo mundo fosse roqueiro.
Os executivos do Sistema JB poderiam ao menos terem extinto a Rádio Cidade, ter criado uma rádio do zero, com tendência autenticamente rock, com gente especializada no ramo, com locutores de linguagem própria (como era na Fluminense), com repertório abrangente etc. Uma rádio com outro nome, outra trajetória, outra equipe, tudo novo, o que seria mais vibrante, mais honesto, mais sincero, mais coerente.
Só que, em vez de decretarem o fim da Cidade, que teria encerrado sua trajetória de cabeça erguida, usaram o nome da rádio para uma programação rock chinfrim, só de sucessos e com locutores falando como se dirigissem às fãs de Justin Bieber e One Direction. Uma baranga de FM que cuspiu, ou, talvez, até vomitou no prato em que comeu.
CULTURA ROCK VIROU REBANHO DE OVELHAS BRANCAS
O que aflige é que a Rádio Cidade, agora com esse papo de "Rock de Verdade", anda desnorteando as coisas. Isso porque a emissora não é uma rádio de rock de verdade. A equipe não é especializada no gênero e monta a programação musical já estabelecida pela indústria fonográfica. Seus locutores de linguagem pop são os mesmos quando a rádio ainda se chamava Jovem Pan Rio.
Para piorar, a rádio já nem lança mais bandas novas. Depende agora da Rede Globo - não há coisa anti-rock do que submeter-se às corporações midiáticas - e seus reality shows musicais para lançar novas bandas de rock e o dado surreal disso que até Tianastácia, banda que a Rádio Cidade tocava há uns 20 anos, também reaparece sob o rótulo de "banda nova".
De repente a Rádio Cidade virou "unanimidade" e eu, analisando as coisas com base no que as rádios de rock tradicionais faziam - não estou explorando convicções pessoais, mas lançando ideias com base no exemplo trazido pela Fluminense FM - , sou visto como "chato", "insuportável" e "ranzinza".
A cultura rock virou um rebanho de ovelhinhas brancas, e preocupa esse conformismo dos roqueiros em deixarem de ser os protagonistas e endeusarem a canastrice radiofônica da Rádio Cidade e sua linguagem poperó, além de dados surreais como acreditar na tese absurda e ridícula de ver o futebol como "esporte rock'n'roll".
Se isso fosse verdade, Neymar e Ronaldinho Gaúcho, em vez de divulgarem seus funqueiros, breganejos, "pagodeiros" e afins, teriam divulgado bandas de rock pesado. No lugar de Michel Teló, teríamos Matanza. Neymar, considerado o "maior nome do futebol brasileiro" de hoje, apesar de seus trejeitos de subcelebridade, já afirmou que o rock'n'roll não é seu forte.
Esse papo todo é tão ridículo que mostra que o Rock Bola e similares não passam de fãs-clubes de Danilo Gentili, um dos nomes mais reacionários do Brasil, e o "rei da Patriotada" Galvão Bueno, feitos por pessoas que se acham roqueiras mas não sabem a diferença entre o som de uma guitarra e o de uma furadeira elétrica.
OUVINTES DA RÁDIO CIDADE NÃO SABEM O QUE OUVEM
Pode ser chato para muita gente eu ter que fazer esses comentários, mas creio que há muita gente que pensa assim mas não tem coragem de botar isso num blogue. Mas a verdade é que cultura rock, no eixo Rio-São Paulo, virou uma masturbação, salvo exceções aqui e ali. A regra, no entanto, aponta para o fato de que a cultura das guitarras virou uma grande punheta sonora.
Nem vou comentar o caso da 89 FM de São Paulo, porque ela virou a "revista Veja" do radialismo rock, com Tatola segurando na garganta e nos nervos todas as neuroses reaças que Lobão e Roger Moreira, pelo menos, têm a sinceridade de despejar.
O que quero descrever é esse fenômeno kafkiano da Rádio Cidade, uma rádio pop surgida no calor do rock underground e, portanto, sem compromisso original com o rock, mas que se acha no direito de comemorar 40 anos (será em 2017) renegando a sua própria trajetória.
A Rádio Cidade - que não passa de um mero vitrolão roqueiro sem personalidade, uma reles "rádio pop" que "só toca rock" - , sabe-se, é uma rádio que só toca hits, tem locutores engraçadinhos que agora falam calminho (mas até os da FM O Dia fazem o mesmo...) etc etc etc.
Mas o pessoal aceita tudo de maneira submissa, feito carneirinho, sobretudo agora, sob o rótulo "Rock de Verdade". Mesmo quando o máximo de um Pink Floyd que a Cidade tem coragem de tocar são dois hits, "Time" e "Another Brick In The Wall Part 2", que a emissora tocava até quando sua programação pop incluía até Menudo e Village People.
Tudo virou uma masturbação sonora. Os ouvintes da Rádio Cidade parecem zumbis que acabaram de sair de um ritual de hipnotismo. Os caras ligam o rádio nos 102,9 mhz e não têm a menor ideia do que estão ouvindo. Não conhecem sequer 99% do que se fez e faz de rock no Brasil e no mundo e se acham os maiores fãs de rock'n'roll do planeta, agora o tal "rock de verdade".
Eles não têm a menor ideia, por exemplo, que "Behind Blue Eyes", sucesso do Limp Biskit, é uma versão de um clássico do desprezado The Who, um dos nomes seminais do rock. Só querem saber de uma sequência qualquer nota, mas que seja uma sucessão de solos de guitarra, acordes hilários ou guitarras-base semi-acústicas, sem vocais robotizados ou sons de sintetizador.
Não dá para conversar sobre rock com ouvintes assim. Parecem uns teleguiados. Eles ficam só dizendo "sonzeira, brou", "rock na veia, véio", "animal", "som duca" e outras coisas. Eles valorizam a cultura rock ou são devotos da Igreja Universal do Reino das Guitarras Barulhentas?
Isso é masturbação auditiva. Se cultura rock, no Brasil, chegou a esse ponto, se rock agora é botar a língua para fora, fazer sinal do capeta com as mãos, falar "Rock na veia, véio" e "Show de bola, galera" e usar bigode postiço como se Freddie Mercury tivesse sido um primo perdido do Seu Madruga, então estou fora.
Eu acreditava na cultura rock no sentido da música. Ouvia King Crimson, Byrds, Jimi Hendrix, Who e Smiths não por achar que o rock é "sonzeira pura, brou" ou "maó pauleira, galera", mas porque eles tinham uma qualidade sonora ímpar e uma sinceridade artística incomparáveis.
Infelizmente, a cultura rock anda correndo o risco de ser apenas uma versão "radical" do roquinho ingênuo dos anos 50-60, tipo Pat Boone, Ricky Nelson e companhia. Será que nunca sairemos disso? Se o rock tornou-se uma masturbação nas ondas de uma "rádio pop que só toca rock", então estou farto do rock'n'roll. Me recuso a ser um submisso de jaquetão, uma "ovelha" a mais no rebanho dos roqueiros carneirinhos.
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