Intelectualidade "bacana" é o que eu defino a intelectualidade burguesa que, se achando mais povo do que o povo, glorifica atrações popularescas.
Foi a patota que se empenhou na tal campanha do "combate ao preconceito", forçando a sociedade mais esclarecida a aceitar o tal "popular demais" ou brega-popularesco.
Sua atuação foi intensa entre 2002 e 2016, mas há precedentes, como Milton Moura em 1996 exaltando o "pagodão" do É O Tchan em periódico acadêmico, e derivados, como Ivana Bentes dizendo que a bunda feminina "não é objeto, é sujeito".
São pseudo-esquerdistas, porque esses intelectuais "bacanas" se formaram pelo consórcio PSDB-Folha em cartilhas metodológicas difundidas a partir da USP.
Dito isso, chegou mais uma obra dessa intelectualidade que deixaria abismados nomes como Jean Baudrillard e Umberto Eco, se estivessem ainda vivos e conhecessem a fundo a intelligentzia do nosso país.
Escrita por Luíza Sahd, a obra veio com uma pérola: a Banheira do Gugu "promoveu, sem querer, a democracia sexual no Brasil".
Nossa! Nos EUA, pelo menos a democracia sexual contemporânea foi trazida pelo hippismo de Woodstock, em 1969. E o conceito de liberdade havia sido dado pela literatura beat, nos anos 1950.
Era um amor livre que enojou tanto as famílias que, as mulheres nascidas em 1970 e 1971 eram orientadas pelas mães a se amarrarem num casamento medíocre, porque a solteirice era "perigosa".
Daí que, hoje em dia, a quase totalidade das mulheres nascidas nesses dois anos prefere se manterem casadas, mesmo quando esses casamentos não passam de solidão a dois.
Mas no Brasil, onde o conceito de liberdade da maioria dos jovens foi aprendida não com Jack Kerouac mas com Xuxa Meneghel, o Domingo Legal, para a intelectualidade "mais legal do Brasil", tornou-se nosso Woodstock.
E com uma trilha sonora de "arrepiar". De É O Tchan a Zezé di Camargo & Luciano.
O texto de Luíza Sahd é um daqueles que rasgam a seda em atrações popularescas, dentro daquela perspectiva do suposto fim dos preconceitos.
Suposto, porque sabemos que o povo pobre é abordado de forma preconceituosa e essas atrações, sim, exploram de maneira idiotizada as classes populares.
Ela chega a dizer, com naturalidade, que as danças e as letras de duplo sentido do É O Tchan "acabavam sendo palatáveis para todos os membros da família - do caçula ao vovô".
A articulista ainda diz que "o que muitos chamam de baixaria, Gugu diria que é parte da vida".
Infelizmente não temos teóricos que contestam esse processo típico da sociedade do espetáculo, como diriam os intelectuais europeus.
Os problemas sociais e culturais mais profundos, no Brasil, são vistos sempre como fenômenos estrangeiros.
Embora eu propunha o termo "valentonismo" como tradução de bullying, os brasileiros insistem no termo em inglês, como se o ato de valentões metidos a engraçadinhos humilharem os outros fosse um fenômeno surgido no Estado de Colorado, nos EUA.
Com isso, não temos um contraponto que analise, criticamente, problemas que vão da overdose de informação à sociedade do espetáculo.
Aqui overdose de informação é "prestação de serviço" e "cidadania", enquanto que "sociedade do espetáculo" se limita, na condição de "vidraça", à seletividade de alguns fenômenos de mídia considerados "burgueses e reacionários demais".
Sem discernir sensualidade eventual e contextual com a objetificação de corpos humanos pelo erotismo obsessivo, Luíza Sahd insiste em dizer que a erotização "faz parte da vida", como se fosse natural vivermos só de empinação de glúteos.
Aí, com sua lição de moral invertida, a articulista se queixou de um jornalista (de esquerda) que havia falado mal das atrações do Domingo Legal como "lixo", "pornô-soft" e "vale-tudo ordinário".
Sei quem é o jornalista, que ela acusa de ter sido um "predador sexual" - segundo ela, razão dele ter sido demitido "de uma grande editora".
Trata-se de Kiko Nogueira, do Diário do Centro do Mundo, informação baseada em pesquisas comparativas que fiz no Google, pois o texto dele era o único que conteve as palavras "lixo", "pornô-soft" e "vale-tudo ordinário".
Portanto, a constatação não é culpa minha. Ela parte de peças de um quebra-cabeça que se juntaram.
Luíza Sahd - que deve ser de uma classe de intelectuais que se autoproclamam "de esquerda", num "vaticano pró-brega" regido pelo "intocável" Pedro Alexandre Sanches - parece ter endossado as acusações dadas por Augusto Nunes, da Jovem Pan.
Augusto Nunes, direitista, é o mesmo que ofendeu Glenn Greenwald explorando levianamente a imagem dos filhos dele e ameaçou partir para a violência física quando o jornalista do Intercept o chamou (com razão) de "covarde".
E isso quando sabemos que, dentro do pacote defendido pela autora, há "livres" e "divertidas" performances de meninas ainda bem crianças dançando "na boquinha da garrafa".
Voltando à autora, ela se preocupa com o fato da "liberdade sexual incomodar justamente os predadores sexuais". Ela se baseia nessa falácia da "liberdade do corpo", do sensualismo obsessivo que escraviza as mulheres, prisioneiras de sua "sensualidade".
As pessoas não estão gostando dessa comparação que faço, entre "liberdade do corpo" e "escravidão da mente", porque não conseguem discernir entre a sensualidade eventual e contextual e o sensualismo obsessivo, forçado.
Há uma tendência da intelectualidade "bacana" em usar a ideia de sensualidade com um processo obsessivo, agressivo, um meio não de explorar o prazer humano, mas, antes, o desagrado, a provocação como um fim em si mesmo.
Em outras palavras, a sensualidade não é feita para agradar, mas para agredir, e as mulheres acabam sendo exploradas por essa tirania do sensualismo.
Será que tenho que desenhar por que existe uma diferença entre uma mulher que sensualiza conforme a necessidade e o contexto e outra que SOMENTE fica se sensualizando?
Por que dar o mesmo peso para Emma Watson e Solange Gomes, a "musa da banheira" que continua "somente de sensualizando"?
Não é patético uma mulher que trata o Instagram como se fosse o quarto de sua casa, mesmo se expondo para uma multidão de machos afoitos?
Que liberdade sexual Luíza Sahd fala? E ela ainda cita que prefere ver o filho dela vendo a Banheira do Gugu do que ouvindo que ele "não pode ter uma sexualidade livre, saudável e divertida".
O problema é que, se existem predadores sexuais que se preocupam com a erotização, temos também o moralismo das "feministas" espetacularizadas que só querem o "Chega de Fiu-Fiu" das classes média para cima.
Essas "pensadoras da liberdade do corpo" são moralistas quando se atribui, às mulheres que representam o imaginário feminino das periferias, a necessidade de só investir em sexo.
Sim, porque, em escalas mais altas da pirâmide social, a mulher pode falar de turismo, dados históricos, moda, em conversas interessantes, mas ela é geralmente a mulher de um empresário, mesmo sendo uma apresentadora de TV, jornalista ou it girl youtuber.
No Brasil, tem-se a idiotização da solteira, com o foco nas classes menos avantajadas economicamente: é o estereótipo da solteira trash culturalmente oca, com péssimo gosto musical, viciada em noitadas e em sexo, que se impõe a essas classes como "ideal de liberdade e prazer".
Do lado de baixo da pirâmide social, tudo é pureza. Já vi barbaridades por trás desse discurso intelectual supostamente "sem preconceitos".
Já li coisas como definir a pedofilia nos eventos popularescos - como a "suingueira" do "pagodão" baiano e o "funk" - como "iniciação sexual das jovens da periferia". Assim, dito numa boa.
No caso do artigo em questão, quando o âmbito é popularesco, vale a "liberdade sexual", expressa em musas que a mídia difunde como "modelos de sucesso para as jovens das periferias".
O zelo moral se limita às mulheres de elite, embora teoricamente o discurso intelectual também condene o assédio sexual feito às moças pobres.
E diante dessa "liberdade", o sexo de torna uma tirania, não se buscam outras coisas na vida. Ver uma funqueira com sobrenome artístico de glúteos é constrangedor.
A intelectualidade "bacana", nos seus apartamentos confortáveis, vê o povo de longe, e acha o máximo qualquer processo de idiotização cultural.
O que "faz parte da vida" para esses intelectuais e essas pensadoras, cujo único contato com as classes pobres se limita a relações hierarquizadas com porteiros de prédios, empregadas domésticas e vendedores de bares e padarias?
Que "vida" é essa? Considero que seja a imaginação "bondosamente" etnocêntrica de intelectuais que acham o máximo verem o povo pobre sendo tratado de maneira idiotizada e estereotipada.
Tudo é "livre" porque envolve sorriso, gargalhada, entretenimento. Mas por trás dessa ilusão existem interesses de mercado tão predadores quanto a sociedade moralista que se "incomoda" com o "popular demais".
Que sexualidade "livre, saudável e divertida" se espera pelo obsessivo culto a glúteos e seios siliconados, numa sensualidade servida a fórceps, empurrada goela abaixo, uma sensualidade feita mais para agredir e escandalizar do que para estimular o prazer e fortalecer a autoestima?
Na verdade, a única "liberdade" da intelectualidade "bacana" está nos seus "generosos" juízos de valor que, "sem qualquer tipo de preconceito", mas de maneira preocupantemente preconceituosa, fazem para o povo pobre.
O povo pobre, para essa intelectualidade "sem preconceitos" mas muito preconceituosa, é somente uma multidão de "bons selvagens", "idiotas simpáticos" e "ignorantes puros" que expressam sua mediocrização de forma a entreter e divertir essas "generosas" elites intelectuais do nosso país.
Dessa forma, essas elites, que se acham mais povo do que o povo e ainda têm o descaramento de gritar "Lula Livre" da boca para fora - tudo para fazer esquecer que esses intelectuais foram criados sob as calças de Fernando Henrique Cardoso - , se divertem às custas da miséria popular.
Através desse conceito de "liberdade", quem acaba se escravizando é o povo pobre, refém de um entretenimento que os ridiculariza e os desqualifica.
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