As esquerdas, que cometem o erro de achar que o playground do entretenimento é um paraíso de espontaneidade e empoderamento popular, caem em várias armadilhas.
Esquecem que o "Vocabulário do Poder", analisado pelo jornalista britânico Robert Fisk, é aplicado no Brasil no âmbito cultural, diferente do contexto político originalmente avaliado.
Vide a gíria "balada", que tenta sobreviver com notas sobre Anitta e o filho do Fausto Silva, e é um jargão resultante da franquia Jovem Pan-Rede Globo, patenteada por Tutinha e Luciano Huck.
Aqui as pessoas recebem as gírias e os jargões da mídia venal com a submissão de ovelhas.
Imaginam que a "cultura", tal como elas entendem, é um reduto de pureza intocável pelos barões da mídia e seus séquitos.
Sobretudo quando é um "valor cultural" difundido pela Rede Globo e que, para dar um ar de "imparcial universalidade", é repassado por Record, SBT e Rede TV!, ou, na mídia impressa, por Folha de São Paulo, Isto É e Caras.
Grande ingenuidade. Este é justamente o terreno onde mais atuam o baronato midiático e os reaças de plantão.
E aí temos a gradual desconstrução da língua portuguesa, visando interesses estratégicos.
A expressão bullying, por exemplo, teima em não ter uma palavra em português. Eu propus "valentonismo", já mandei ao UOL e algumas páginas, e nada.
Com a manutenção da expressão em inglês, muitos pensam que bullying é um fenômeno importado dos EUA, originário do Estado de Colorado.
Nada disso. Existem relatos dessa prática de humilhação, a partir dos círculos sociais escolares, até no livro O Ateneu, de Raul Pompeia, clássico da literatura do século XIX.
Quando criança e adolescente, eu entendia o bullying - fui vítima da prática, na infância, nos anos 1980 - como "implicância", mas vi que o termo é vago e propus "valentonismo", em clara adaptação à palavra inglesa.
Mas não tem jeito. A "bolha" hipermidiática é forte e envolve uma grande maioria passiva da população brasileira.
Agora ela vem com termos em inglês.
Não temos mais jogos. Temos games. Bicicleta virou bike. Apartamento virou flat. Sinopse virou spoiler. Entrega a domicílio, delivery. E o pessoal assimilando tudo feito papagaio.
Não sendo suficiente tudo isso, temos agora a moda de chamar maiô de body. "Fulana exibe fotos com body de tal decoração nas redes sociais".
Eu, a princípio, não sabia o que era esse tal de body. Ué, não é "corpo" em inglês?
Daí eu vi as fotos do tal body e conclui: virou um "novo" nome para "maiô".
Só que "maiô" já era uma expressão estrangeira. Tinha origem francesa, maillot, lida da forma que inspirou sua grafia aportuguesada.
E agora, como o tal body vai ser conhecido? "Bode" ou "báre"?
Se houver algum aportuguesamento, vamos ter agora "bode" como sinônimo de "maiô", num país em que "barraqueiro" é encrenqueiro e não vendedor em barracas e "balada" tem mais a ver com músicas alucinadas que canções lentas?
Nesse país hipermidiatizado, as pessoas reproduzem feito papagaios as gírias lançadas pela mídia venal, sem esboçar um pingo de desconfiança.
Não está na hora das forças progressistas de esquerda passaram a questionar as agendas culturais, em vez de cometerem a gafe de cair na falácia do "combate ao preconceito"?
Comentários
Postar um comentário