A coluna de Léo Dias, do jornal O Dia, na semana passada, noticiou que os abadás para o Carnaval de Salvador tiveram queda drástica nas vendas, sendo o maior nome, o Chiclete Com Banana - que oficialmente tem o primeiro Carnaval com novo vocalista, Rafa Chaves - , atingiu uma queda de 40%.
Consta-se que o Carnaval de Salvador vive sua pior crise. Léo Dias, gentil com os brega-popularescos, tenta minimizar e diz que a queda nas vendas se deu por que o Chiclete não encontrou seu caminho próprio com o novo vocalista, já que o antigo, Bell Marques, então praticamente líder absoluto da banda, era também a sua imagem e sua marca.
A axé-music, que chegou a ser hegemônica no Brasil, entre 1997 e 2002, alcançando capitais que lhe eram potencialmente hostis, como Florianópolis e Porto Alegre, vive uma série de escândalos e incidentes, nos últimos anos.
Entre os últimos incidentes, houve a queda de uma arquibancada na apresentação de Saulo Fernandes, no final do ano passado, e a investigação de um cantor de "pagodão" acusado de cantar letras homofóbicas, num histórico de baixaria que veio desde "Fricote" de Luiz Caldas.
Até a quase tragédia do cantor Netinho - que chegou a sofrer de câncer, causado pelo excesso de anabolizantes - se insere nesse contexto, em que o É O Tchan, mesmo pegando carona numa gíria suburbana ("sabe nada, inocente"), teve que se contentar com um pálido sucesso regional na Bahia, duas décadas após ter virado "mania nacional".
Nem a intervenção da intelectualidade "bacaninha" que surgiu sob as bênçãos da Folha de São Paulo e da Rede Globo, mas que fingiu ser esquerdista para abocanhar verbas do Ministério da Cultura, de pedir o "reconhecimento artístico" a Luiz Caldas e os primeiros axézeiros, conseguiu resolver a situação.
A própria blindagem intelectual já decaiu a partir do próprio professor da Universidade Federal da Bahia, Milton Moura, um dos primeiros dessa leva de intelectuais pró-brega, que de tão criticado passou a dar depoimentos em que mal consegue disfarçar sua melancólica situação, com reputação inversa à sua alta visibilidade local.
A axé-music decai em Salvador junto ao baronato midiático local. E não se fala dos descendentes de Antônio Carlos Magalhães, mas de seus antigos afilhados radiofônicos que hoje fingem não terem a ver com o falecido político, como Mário Kertèsz e Marcos Medrado.
Kertèsz, espécie de equivalente baiano de Paulo Maluf que virou dublê de radiojornalista - algo como um sub-Bóris Casoy que pensa ser um Mino Carta - , tentou disfarçar sua origem de "filhote da ditadura" cooptando para seu controle os movimentos sociais e a esquerda baiana, mas seus surtos direitistas de fazer a Veja ficar boquiaberta o desgastaram, tal como sua corrupção.
Houve também tentativas de fazer esquecer que a Rádio Metrópole FM nasceu de um esquema de desvio de dinheiro público, já que Kertèsz, então prefeito de Salvador, deixou várias obras paradas e desviou a verba do Fundo de Participação dos Municípios para empresas "fantasmas" que alimentaram o patrimônio dele e do parceiro Roberto Pinho, este envolvido depois com o esquema mensaleiro de Marcos Valério (há quem diga que Kertèsz também "estava dentro").
Mídia e indústria do entretenimento na Bahia exerceram, entre o final dos anos 80 e o começo do século XXI, uma supremacia absoluta de tal forma que fazia com que os verdadeiros artistas baianos, que faziam MPB (como, no passado, os Caymmi haviam feito) ou rock, tivessem que migrar para o Sudeste para desenvolver livremente suas carreiras.
Isso porque a "monocultura do axé" impunha como condição aos artistas fora do âmbito carnavalesco que se submetessem a gravar duetos ou fazer concertos de abertura para medalhões da axé-music para que tivessem algum lugar ao Sol de Salvador.
A coisa estava tão deplorável que os cenários do "pagodão" e do arrocha eram classificados tendenciosamente como "cultura alternativa" ou "cenário independente", ideia depois explorada pela historiadora Mônica Neves Leme - mais uma da intelectualidade "bacana" - no seu livro Que Tchan é Esse?, lançado em 2003.
Só isso complicava a situação de emepebistas e roqueiros, não bastasse ter ocorrido, uma vez, uma armação dos donos de blocos carnavalescos que contratavam capangas para, disfarçados de "roqueiros arruaceiros", arrumarem confusão no Palco do Rock, anos atrás.
A axé-music justificava sua supremacia por se autoproclamar "a síntese de todos os ritmos", como se, em tese, sua música reunisse elementos que variam da música nordestina ao rock, passando pelos ritmos sensuais caribenhos, pelo reggae e pelo samba.
Na verdade, a axé-music agia como um verdadeiro parasita musical, como um vírus pseudo-tropicalista que se apropriava de tudo quanto era tendência musical, vide o caso de Ivete Sangalo, famosa pelo seu oportunismo e por simbolizar, em graus extremos, a obsessão caronista de Caetano Veloso, só que sem o conhecimento de causa do filho de dona Canô Veloso.
Quem se recusava a ser absorvido pela axé-music ou a se contentar em fazer papel de coadjuvante do império axézeiro era discriminado e praticamente expulso da Bahia, mas agora vê o efeito inverso da decadência da axé-music não só fora da Bahia, mas principalmente dentro dela.
Ultimamente, a axé-music tornou-se repetitiva e mesmo no seu auge, o Chiclete Com Banana de Bell Marques sempre foi ruim, com suas letras monotemáticas de carinhos amorosos ou de propagandas do próprio bloco. Jingles ruins, travestidos de "clássicos carnavalescos".
Havia também atores da Globo, jovens e atraentes, que em troca de um bom cachê fingiam serem fãs de axé-music, aparecendo com sorrisos fingidos ao lado dos ídolos do gênero, fazendo tudo isso em troca de uma ascensão na carreira, já que, espertos, os empresários de axé-music combinavam com o showbiz que os atores só cresceriam na carreira se apoiassem a axé-music.
Mas nem isso salvou a axé-music, que, mergulhada em escândalos e incidentes, incluindo denúncias de irregularidades trabalhistas, sonegação fiscal e corrupção por parte dos "medalhões" (como Bell Marques, Durval Lélis e Ivete) e insinuações de racismo, machismo e homofobia por parte de estilos derivados, como o "pagodão", fizeram a axé-music virar sucesso apenas nas páginas policiais.
Fora isso, o Carnaval de Salvador virou um gigantesco camarote vip, de um lado, com o "gado popular" jogado nas beiradas. A axé-music está decaindo, repetitiva, tendenciosa e ruim. Se ela está celebrando 30 anos de existência, é de forma tão vergonhosa e melancólica de uma festa feita para nunca acabar mas que é forçada pelas circunstâncias a apressar o seu fim.
A coisa está tão grave que há quem aposte qual o primeiro grande ídolo da axé-music a morrer dentro de pouco tempo. Ou melhor, qual o primeiro grande ídolo da axé-music que irá literalmente "sair do chão".
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