A grande mídia está celebrando os 30 anos de axé-music falando em promessas de reinvenção desse estilo musical do brega-popularesco, que um dia teve influência totalitária no Brasil, e tenta renegar que o ritmo que alimenta fortunas nos empresários do entretenimento baiano está decadente.
Ainda vamos falar melhor dessa decadência, mas a verdade é que a axé-music, que nunca passou de um mero pop dançante comercial, espécie de tradução baiana e tardia da disco music, sofre uma decadência que salta aos olhos e que a própria mídia é obrigada a confirmar em reportagens.
Denúncias de irregularidades trabalhistas cometidas pelos medalhões da axé-music. Escândalos envolvendo grupos de "pagodão", desde acusações de estupros a alusões racistas ou homofóbicas, isso para não dizer os "proibidões" que os cenários de "pagodão", arrocha e, agora, o "pagofunk", acumulam nos noticiários baianos e até nacionais.
Há que se comentar, sobre o tal "pagofunk", que ele veio depois de não ter sido mais necessário o pacto entre o "pagodão" pós-Tchan e os funqueiros, que fazia com que cada um limitasse seu sucesso ao seu raio de ação (funqueiros no Sul e Sudeste e "pagodeiros" no Nordeste) para evitar competições que expusessem semelhanças entre os dois estilos.
Era a época em que os funqueiros tentaram enganar a opinião pública relançando no Rio de Janeiro, a "dança da boquinha da garrafa" como "coreografia folclórica" (num processo inverso que o personagem de Patrick Dempsey em Namorada de Aluguel (Can't Buy Me Love) fez com a dança do tamanduá africano) e criando todo aquele discurso pseudo-etnográfico conhecido.
Não ficava bem, naquela época, com o "funk" sendo promovido sob choradeira intensa de intelectuais "bacanas" como suposta "vítima de preconceito", ser visto como "herdeiro do É O Tchan", apesar daquele CD do grupo baiano com o DJ Marlboro e de Valesca Popozuda não passar de uma sósia repaginada da repaginada Carla Perez, quando o grupo baiano virou "vidraça" entre intelectuais sérios.
Mas, agora que a intelligentzia masturbadora de bregas e deformadora da opinião pública conseguiu o que queria, empurrar funqueiros goela abaixo para as classes abastadas e universitárias, os funqueiros puderam ser assimilados pelo cenário baiano sem causar "prejuízo na Bolsa".
E a intelectualidade "mais bacana do país" até pôde também fazer o seu dirigismo cultural - à maneira dos grandes ditadores - , forçando a sociedade progressista a aceitar, entre um Odair José, um Raça Negra ou um José Augusto escondido em trilhas e programas da Globo, um Luiz Caldas cujo primeiro sucesso insinuava uma letra racista e machista.
A axé-music representou a queda de qualidade do Carnaval baiano e o desvio de atenções para o cenário de ritmos afro-baianos, simbolizados por nomes como Olodum e Ile-Ayiê, para um engodo que, no grosso, mais parecia uma sub-Jovem Guarda pseudo-tropicalista e musicalmente sem pé nem cabeça, que consiste (isso mesmo) nas Ivetes e nos Chicletões da vida.
Mas é compreensível que a grande mídia comemore a axé-music como um ritmo "vitorioso", embora contraditoriamente tenha que cobrir também as denúncias de irregularidades trabalhistas e até de crimes e brigas que acontecem dentro de seus bastidores.
Primeiro, porque a axé-music tornou-se o símbolo máximo da política de concessões clientelistas de rádio e TV feita por Antônio Carlos Magalhães, o "coronel" baiano que havia sido ministro das Comunicações do governo José Sarney, nos anos 80.
Essa farra de concessões a gente que não sabia a diferença entre uma antena parabólica e uma caixa d'água e ganhava rádio FM para despejar nos ouvidos do público, desde música brega até transmissões esportivas "acertadas" com dirigentes esportivos, fez crescer a axé-music e transformá-la numa espécie de McDonald's da música brasileira.
Pior: a axé-music e seu vazio intelectual e artístico-cultural, não bastasse ter descaraterizado o antigo folclore carnavalesco baiano, tornou-se um celeiro de parasitismo cultural e esboçou seu domínio totalitário invadindo áreas que lhe eram hostis, como Niterói, Florianópolis e Porto Alegre.
Com uma ajudinha de ACM e dos barões midiáticos nacionais e regionais (sim, existem barões de mídia regionais), a axé-music ampliou terrenos e comprou a crítica musical que teve que moderar suas avaliações questionadoras e "elogiar" trabalhos chinfrins de grandes nomes do "axé".
Com isso, veio também a prepotente Ivete Sangalo pegando carona em tudo e todos, aparecendo em trio-elétrico baiano, em comercial de produto cosmético, em comercial de supermercado, em disco da Blitz, em disco de Beth Carvalho, do Clube da Esquina etc etc etc, causando apreensão até aos fãs de Ratos do Porão e Sepultura, já preparados para a entrada do "furacão Ivete" no território do rock pesado.
A axé-music, com sua música sem pé nem cabeça, para ser ouvida por algum ser vivo é preciso que este beba uns copos de cerveja, porque, de maneira sóbria, esse tipo de música é INSUPORTÁVEL, não dando para ouvir seus horríveis discos quieto, em casa, como quem ouve música de qualidade.
Ela cresceu porque uma rede de relações econômicas de empresários, executivos de mídia, publicitários, políticos, latifundiários e uma ajudinha nas multinacionais, criou um esquema clientelista na qual nem os jornalistas culturais tinham liberdade para dizer que tal disco de axé-music é ruim. Quando muito, tem que se dizer que "é bom, apesar de alguns 'deslizes técnicos'".
E aí a grande mídia falando que a axé-music vai perpetuar, se "reinventar" - como assim, se não há condição para isso? - , como se ela tivesse sido grande coisa como música. Nunca foi. Musicalmente, foi só um pop dançante oco, monocórdico, repetivivo e vazio, sem qualquer valor cultural ou artístico.
E isso não é preconceito. Afinal, eu vivi em Salvador e conheço todos os sucessos de axé-music que fui obrigado a ouvir pelas vizinhanças, andanças de ruas e pela mídia. Falta de conhecimento não foi, portanto romper o preconceito não é aceitar porcaria, é ver a coisa como realmente é. E a axé-music, incluindo seus derivados "pagodão" e arrocha, se resumem em quatro letras: LIXO.
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