O "funk" é um fenômeno, não pelo som ou pela "cultura" que representa em si, mas pelo discurso ideológico, sob roupagem ativista-etnográfica, que representa.
Cria-se uma narrativa que é dominante, embora se autoproclame "não-hegemônica", de "cultura das periferias", no qual existe um suporte acadêmico.
Em um mesmo tempo, o "funk" representa três coisas.
O discurso "ativista-etnográfico" é difundido à maneira de um IPES-IBAD pós-tropicalista defendido pela intelectualidade "bacana".
Como pretenso movimento libertário, o "funk" está para a população pobre assim como o "fenômeno" Cabo Anselmo, em voga em 1963 e 1964, estava para os militares de baixa patente.
Junto a esses dois discursos - IPES-IBAD e Cabo Anselmo - , o "funk" busca se apropriar, sob um contexto diferente, da utopia "subdesenvolvimentista" do Cinema Novo.
É um novo contexto, com velhos discursos.
O "funk" vende uma imagem de "esquerdista" e "libertário", mas nunca apavorou, de verdade, os barões midiáticos e seus associados.
Pelo contrário. O que se vê é o apoio de gente reacionária que divulga o "funk", como Luciano Huck e Alexandre Frota.
No seu fervor reacionário, o roqueiro Lobão manifestava sua preferência ao "funk" do que ao Rock Brasil e à MPB.
Nas mídias sociais, os internautas mais reacionários - sociopatas, haters, "coxinhas", valentões em geral - não saem por aí trolando em defesa da poesia de Tom Jobim e Vinícius de Moraes.
Se fazem cyberbullying, a trilha sonora que apoiam é "da pesada": Guns N'Roses, Zezé di Camargo & Luciano, Bruno & Marrone, Alexandre Pires, Ivete Sangalo e muito, muito "funk".
Enquanto a narrativa oficial define o "funk" como "progressista", as pessoas que mais o apoiam nas mídias sociais é associada sempre a algum reacionarismo político.
A histórica campanha das Organizações Globo, que empurrava o "funk" para tudo quanto era veículo e atração, até agora não foi oficialmente digerida pelas esquerdas.
Tinha "funk" em tudo quanto era canto na Globo: do Globo Esporte ao Caldeirão do Huck, da revista Quem Acontece ao canal educativo Futura, incluindo o apoio de gente como Susana Vieira e o Casseta & Planeta.
Os personagens MC Ferrow & MC Deu Mal, de Hélio de la Peña e Hubert Aranha, serviam de "escada" para promover os astros do "funk".
Até parece que Renato Aragão, nas cenas metalinguísticas de seu Didi Mocó em Os Trapalhões, havia profetizado: "Rede Globo... funk!".
"Funk" é Temer, é PMDB carioca, é Geraldo Alckmin, é SBT, é Rede Globo, é George Soros, é Instituto Millenium.
O "funk" é um subproduto da mídia hegemônica e alimenta o seu mercado e poder.
Recentemente, o mais novo funqueiro do cenário de "funk ostentação", MC Livinho, comprou jatinho de R$ 6 milhões e cobertura de R$ 4 milhões.
Portanto, um investimento no total de R$ 10 milhões, um terço do valor da lancha de quatro andares de Luciano Huck, com quartos para cinco casais.
E por que o "funk" é um subproduto da mídia hegemônica?
Simples, até mesmo o discurso "etnográfico" e "libertário" foi construído pela grande mídia.
Hoje você lê um texto como este, "A revolução será uma mulher negra", imaginando que a "cultura popular" citada na entrevista, não só o "funk", mas ritmos como o arrocha e o "forró eletrônico", surgiu do ar que respiramos.
É uma narrativa engenhosa que faltou aos ideólogos do IPES-IBAD.
Sempre que se sinaliza uma crise no governo Michel Temer, o "funk" soa o alarme e busca se apropriar dos movimentos sociais e monopolizar uma narrativa.
Desta vez, o antropólogo brasiliense Dennis Moraes, seguindo o suporte acadêmico da intelectualidade "bacana", resolveu fazer uma tese sobre o "funk proibidão".
A tese apela para o mesmo discurso que valeu para o "funk" mais "inofensivo": o "proibidão" estaria associado não à apologia da violência, mas à "expressão da realidade crua das favelas".
É uma tese que busca inserir o "proibidão" no mercado, agora que o "funk melody", via Anitta, conquistou o mercado internacional.
Mas é estranho que, em todo momento de crise do governo plutocrático, o "funk" sempre solte seu sinal de alarme.
É como se o "funk" dissesse: "e agora, preciso fazer minha 'rebelião social' antes que o povo a faça".
Não sejamos ingênuos. O "funk" é um subproduto, digamos uma "farinata" de referências conservadoras trazidas pela mídia hegemônica.
Essas referências começam pela "colonização cultural".
Embora os ideólogos do "funk" tentem dar a falsa impressão de que o ritmo nasceu no quilombo de Palmares, o ritmo surgiu em Miami, reduto da direita latino-americana nos EUA.
Outros valores são a ideologia do livre-mercado, o consumismo, o machismo.
O "funk" não os utiliza como antídotos, como se os expressasse para contrariá-los.
Isso é bem claro. Eles os expressam como uma herança cultural, sua "pedagogia" foi à base de Sílvio Santos, O Povo na TV (do qual surgiram nomes como o político direitista Roberto Jefferson) e a campanha intensa das Organizações Globo.
A narrativa "etnográfica" do "funk" começou nas páginas de O Globo e Folha de São Paulo.
O internauta que lê sobre "funk" na mídia de esquerda fica babando, mas o discurso todo foi bolado nas rodas intelectuais patrocinadas pelos Frias e pelos Marinho.
Dennis Moraes cita o filme Tropa de Elite, mas ele foi dirigido por José Padilha, membro do Instituto Millenium e também diretor de uma série sobre a Operação Lava Jato.
O filme tirou MC Júnior & MC Leonardo do ostracismo e transformou este último em militante do "funk".
Detalhe: Padilha é fã de Sérgio Moro e também um convicto opositor da presidenta Dilma Rousseff.
Mas também tem a grana de George Soros que usa sua fortuna para domesticar os movimentos de esquerda.
Soros financia movimentos sociais que se envolvem com "atividades comunitárias" ligadas ao "funk". Isso é fato, como vimos em outras oportunidades.
O que preocupa é que o "funk" sempre vem com essa narrativa de "maior movimento ativista do Brasil".
O ritmo simboliza aquela ideologia do "ufanismo das favelas", do "orgulho de ser pobre", da glamourização da pobreza que deixa o povo pobre na situação que está.
Quando muito, o "funk" só quer mais dinheiro para as favelas e mais consumo e sexo para a população.
Não é um ritmo no qual se possa desenvolver uma brasilidade de verdade nem uma emancipação genuína e profunda das classes populares.
Seu discurso "libertário" e "cultural" é apenas uma cortina de fumaça que cobre os verdadeiros problemas das classes populares.
Esse discurso até tenta se apropriar dessas reivindicações, o "funk" quer ser dono das pautas de esquerda.
Sempre vejo que os chamados "donos das esquerdas" sempre prejudicam as forças progressistas mesmo forjando uma "solidariedade sincera" e um suposto "apoio nos tempos difíceis".
É gente que, vinda de fora, geralmente da política conservadora ou da mídia hegemônica, que, de repente, "descobriu" como "é legal ser progressista".
O "funk", que virou "patrimônio cultural" nas mãos da ALERJ presidida por Jorge Picciani edo PMDB carioca, é o maior exemplo.
Ele veio de uma campanha estrondosa em tudo quanto era veículo das Organizações Globo, que divulgava o ritmo com prazer e não por apropriação.
Apropriação foi o que o "funk" fez na manifestação pró-Dilma em 17 de abril de 2016.
Foi um "panelaço" eletrônico "do bem", que deve ter rendido um bom cachê aos funqueiros que fingiam "sincero esquerdismo".
Depois eles foram embora e nem ligam se os quatro juízes que fizeram discurso pelo povo estão sendo ou não investigados pelo Conselho Nacional de Justiça, sob ordens da ministra Carmen Lúcia.
O "panelaço do bem" garantiu o sono tranquilo dos parlamentares que abriram o processo de impeachment que derrubou a presidenta.
O barulho do "pancadão" abafou as vozes que pediam para Dilma Rousseff ser poupada de tamanha humilhação.
Tudo virou "dança e alegria", enquanto Dilma começava a ser expulsa do poder.
O antropólogo Dennis Moraes parece empenhado em analisar a "nova cultura popular" do Brasil.
Mas, se há uma "nova brasilidade", ela é postiça, movida pela privatização da Eletrobras, pelo desmonte da Petrobras, pelo fim dos direitos trabalhistas.
O "funk", que no mercado de trabalho promove até a pejotização, é o símbolo desse "Brasil novo".
E se acomodará muito bem quando vier um novo plutocrata para a Presidência da República, em 2018.
"É a cultura do mercado, estúpido!", é o que se pode dizer, por trás da retórica "etnográfica" e "ativista" dos intelectuais "bacanas", sejam jornalistas culturais, antropólogos, cineastas etc.
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