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REACIONÁRIOS DA INTERNET AMEAÇAM PESQUISADORES DA UFBA


A intolerância social não tem limites.

Depois que, há dez anos, conheci o reacionarismo digital pelo Orkut, quando os sociopatas não eram ainda problematizados pela mídia, pude sentir o drama que hoje muitas pessoas vivem.

Ontem, houve uma manifestação contra ameaças na Internet sofridas por dois pesquisadores da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia (FFCH-UFBA).

Uma professora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (Neim) e um aluno que fazia dissertação para o Instituto de Humanidades, Artes e Ciências (IHAC) receberam ameaças de morte nas redes sociais.

As ameaças teriam sido feitas via WhatsApp e e-mail.

Ambos estariam fazendo trabalhos de pesquisa de cunho social, voltadas a analisar temas atuais ligados ao feminismo, à causa LGBT e à negritude.

A FFCH chegou a pedir reforço no policiamento do local, o bairro de São Lázaro, temendo algum atentado.

A Polícia Federal já está investigando os casos para identificar a origem das mensagens e seus responsáveis.

Uma manifestação de repúdio foi feita em reunião com alunos, funcionários e professores da UFBA.

O ato público ocorreu no campus de Ondina, a alguns metros da FFCH, que fica no bairro de São Lázaro.

Segundo Carlos Zacarias, um dos organizadores da reunião e professor do Departamento de História, uma das unidades da FFCH, as ameaças são reflexo do clima reacionário trazido pelo golpe de 2016, que tirou Dilma Rousseff do Governo Federal.

Já cursei matérias na FFCH, em São Lázaro. Me lembro de muitas idas e vindas de Federação para a Estrada de São Lázaro, hoje conhecida como Rua Aristides Novis.

Cheguei a tirar cochilos na sala de leitura da biblioteca de lá.

Tenho boas lembranças do lugar, sobretudo quando eu sentava no parapeito do pátio do casarão do Alto de São Lázaro, onde funciona algumas unidades da FFCH, para olhar a vista.

Uma vista belíssima, do bairro de Ondina, e do campo esportivo da UFBA, lá embaixo.

É triste ver que ameaças estejam ocorrendo contra acadêmicos.

Pouco tempo atrás, o Campus da UERJ, no Maracanã, Rio de Janeiro, foi invadido por um grupo de fascistas que queriam interromper uma palestra sobre os 100 anos da Revolução Russa.

Professores e alunos da instituição fluminense tiveram que se unir para expulsar os truculentos manifestantes de extrema-direita.

No caso da UFBA, deixo aqui a reprodução de uma moção de repúdio da comunidade universitária contra as terríveis ameaças sofridas.

****

MOÇÃO DE REPÚDIO ÀS AMEAÇAS AOS TRABALHOS DA UFBA

O Conselho Universitário da Universidade Federal da Bahia, reunido em 13.11.2017, aprovou, por unanimidade, a moção de repúdio proposta pela Conselheira Maria Hilda Baqueiro Paraíso, Diretora da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, manifestando a indignação dos Conselheiros diante das tentativas de cerceamento de todo um campo de produção do conhecimento científico no qual a Universidade Federal da Bahia é, há décadas, referência, a saber, os estudos sobre gênero, diversidade, mulheres e feminismo.

Em episódios recentes, verificamos ameaças de morte e outros tipos de violência contra uma de nossas docentes, pesquisadora do NEIM (Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher); a tentativa de impedimento de defesa de uma dissertação de Mestrado de aluno do IHAC (Instituto de Humanidades, Artes e Ciências), tendo que solicitar a segurança da própria Universidade; e a perseguição e ridicularização nas redes sociais de projetos de pesquisa e extensão que versam sobre essas temáticas.

Tais iniciativas obscurantistas não têm se restringido à nossa Universidade. Vimos também elas se estendendo contra eventos científicos, práticas culturais, artísticas e intelectuais, por meio não apenas de ataques virtuais, mas também de cancelamento de exposições e censura à peça de teatro. Assistimos perplexos à tentativa de cerceamento e agressão à filósofa Judith Butler, que em 2015 acolhemos com tanta satisfação na UFBA. Também nos deixa estupefatos o inquérito policial instaurado contra um projeto de pesquisa de um professor da Universidade Federal de Ouro Preto, assim como a tentativa de aprovação de diversos projetos de lei que violam frontalmente a Constituição Federal e Tratados e Convenções em Direitos Humanos vigentes.

O clima de intolerância que se estabeleceu neste País vem repercutindo de forma drástica na liberdade de expressão, no livre exercício profissional e na autonomia universitária para tratar de temas relevantes concernentes a determinados segmentos sociais. As reações virulentas e ameaçadoras, particularmente no âmbito acadêmico, vêm tomando proporções assustadoras e desrespeitosas.

Nos posicionamos, portanto, contrários às investidas reacionárias que buscam calar o livre debate de ideias e silenciar todo um campo de estudos legitimamente construído e que é fundamental para que possamos ter uma sociedade menos violenta e desigual. A perseguição à liberdade de expressão cultural e científica nos envergonha e nos ultraja e é uma afronta aos princípios da democracia.

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