Pular para o conteúdo principal

A PROFESSORA APOSENTADA E SEU GESTO EXTREMO NO PAÍS DA REFORMA DA PREVIDÊNCIA


No contexto do Brasil temeroso de hoje, os cariocas só passaram a reconhecer a decadência do Estado do Rio de Janeiro e sua capital quando a grande imprensa noticiou.

Leia-se "grande imprensa" a dupla RJ TV / Jornal Nacional, o jornal O Globo e, só para forjar alguma "diversidade" midiática, o jornal O Dia (nos casos mais rasteiros, a Meia Hora).

Ou o Extra e o Expresso, só para citar outros veículos "globais".

Salvo exceções, os cariocas não o tomaram essa posição por desinformação, mas por vaidade.

Isso porque, infelizmente, boa parte dos cariocas sucumbiu a uma combinação de provincianismo e ao narcisismo.

Essa combinação que gera um habito estranho de "pragmatismo à carioca", que é a mania de aceitar o básico e se contentar com pouco.

É aquele papo furado: "não é aquela maravilha, mas está bom demais". O que revela uma contradição, diga-se de passagem.

É essa ilusão narcisista e "pragmática" que faz boa parte dos cariocas - não se contam as exceções à regra, mas elas são poucas - tornarem seu repertório cultural bastante simplório e superficial.

Até mais ou menos 1989, o carioca era um dos mais exigentes tipos de povo brasileiro.

Resistia às arbitrariedades do mercado, da política, da mídia.

Hoje o carioca aceita qualquer coisa, desde que vinda "de cima".

Diz uma piada que, se um pombo defecar sobre um carioca médio e o pombo tiver doutorado em Harvard, o carioca sai feliz, agradecido.

A culpa não é minha e nem de você, caro leitor. É o carioca pragmático demais, se contentando com pouco e ficando feliz com sua mesmice.

E aí temos o governo Michel Temer e o outro lado dos cariocas, que não se vê em Copacabana, Ipanema ou Barra da Tijuca, e nem em outros redutos da "galera pragmá".

Uma professora, aposentada, chamada Lígia Maria Panisset, incendiou sua casa e seu corpo no dia 02 deste mês, portanto, há uma semana.

Ela é um dos mortos anônimos que se matam com o desespero de não ter o salário que precisam para pagar contas e se sustentarem com um mínimo de dignidade.

Sofrendo um câncer, ela se desesperou de não poder fazer tratamento porque a grana da aposentadoria estava atrasada há uns quatro meses.

Ela chegou a ser socorrida, mas, cinco dias depois, faleceu sem resistir às queimaduras.

Uma amiga desabafou no Facebook: "Oremos para que encontre a paz que não teve aqui devido ao caos que estamos vivendo".

Com as mudanças no mercado de trabalho e na aposentadoria, situações como ela podem se repetir, com as devidas variações de contexto.

Lígia Maria Panisset não tinha a que recorrer, e precisava pagar pelo tratamento, comprar remédios, se alimentar para ter um pouco mais de força etc.

Pelo ponto de vista de uma religião tida como espiritualista, Lígia Maria foi covarde por ter se suicidado e deveria aceitar as pesadas limitações de sua vida orando em silêncio.

E muitos veem essa religião como "progressista". Vá entender.

Pois devemos ver o ditado popular, "não se comete suicídio por diversão".

A professora não viveu o sonho dourado das elites que comemoraram o fim do governo Dilma Rousseff.

Ela também não representou a ilusão trazida pela mídia hegemônica, que vende o desmonte dos direitos trabalhistas como "uma necessidade para retomada do crescimento".

Não fez parte das pessoas que ficam contando piada e rindo sem ligar para o fedor do caminhão do lixo ou para as fezes de cachorros na proximidade, no calçadão da praia.

Também não parecia curtir rock, mas também não cometia o vexame de haver os chamados fãs de uma música só.

O drama da professora Lígia Maria tem algo em comum com outro suicídio, o do também professor e ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Chancellier de Olivo.

Esse ponto comum está na realidade em que um aparato governamental, jurídico e empresarial que se autoproclama "democrático e legalista" comete arbitrariedades e ilegalidades.

Gestos extremos num contexto em que a truculência jurídica da Lava Jato atua sob o pretexto do "combate à corrupção e à impunidade".

Humilham reputações como a de Chancellier, um simples suspeito precipitadamente creditado como criminoso.

Ou então num contexto em que os direitos trabalhistas são desmontados sob a desculpa de "gerar emprego e renda".

Humilham pessoas como a Lígia Maria, pressionada a ter que pagar mais para sobreviver e tentar se curar de um câncer.

São pesadelos sociais que não cabem no imaginário dos "pragmáticos" do Rio de Janeiro e similares no resto do país.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

SIMBOLOGIA IRÔNICA

  ACIMA, A REVOLTA DE OITO DE JANEIRO EM 2023, E, ABAIXO, O MOVIMENTO DIRETAS JÁ EM 1984. Nos últimos tempos, o Brasil vive um período surreal. Uma democracia nas mãos de um único homem, o futuro de nosso país nas mãos de um idoso de 80 anos. Uma reconstrução em que se festeja antes de trabalhar. Muita gente dormindo tranquila com isso tudo e os negacionistas factuais pedindo boicote ao pensamento crítico. Duas simbologias irônicas vêm à tona para ilustraresse país surrealista onde a pobreza deixou de ser vista como um problema para ser vista como identidade sociocultural. Uma dessas simbologias está no governo Lula, que representa o ideal do “milagre brasileiro” de 1969-1974, mas em um contexto formalmente democrático, no sentido de ninguém ser punido por discordar do governo, em que pese a pressão dos negacionistas factuais nas redes sociais. Outra é a simbologia do vandalismo do Oito de Janeiro, em 2023, em que a presença de uma multidão nos edifícios da Praça dos Três Poderes, ...

COVID-19 TERIA MATADO 3 MIL FEMINICIDAS NO BRASIL

Nos dez anos da Lei do Feminicídio, o machismo sanguinário dos feminicidas continua ocorrendo com base na crença surreal de que o feminicida é o único tipo de pessoa que, no Brasil, está "proibida de morrer". Temos dois feminicidas famosos em idade de óbito, Pimenta Neves e Lindomar Castilho (87 e 84 anos, respectivamente), e muitos vão para a cama tranquilos achando que os dois são "garotões sarados com um futuro todo pela frente". O que as pessoas não entendem é que o feminicida já possui uma personalidade tóxica que o faz perder, pelo menos, 20 anos de vida. Mesmo um feminicida que chega aos 90 anos de idade é porque, na verdade, chegaria aos 110 anos. Estima-se que um feminicida considerado "saudável" e de boa posição social tem uma expectativa de vida correspondente a 80% de um homem inofensivo sob as mesmas condições. O feminicida tende a viver menos porque o ato do feminicídio não é um simples desabafo. No processo que se dá antes, durante e depois ...

"ANIMAIS CONSUMISTAS"AJUDAM A ENCARECER PRODUTOS

O consumismo voraz dos "bem de vida" mostra o quanto o impulso de comprar, sem ver o preço, ajuda a tornar os produtos ainda mais caros. Mesmo no Brasil de Lula, que promete melhorias no poder aquisitivo da população, a carestia é um perigo constante e ameaçador. A "boa" sociedade dos que se acham "melhores do que todo mundo", que sonha com um protagonismo mundial quase totalitário, entrou no auge no período do declínio da pandemia e do bolsonarismo, agora como uma elite pretensamente esclarecida pronta a realizar seu desejo de "substituir" o povo brasileiro traçado desde o golpe de 1964. Vemos também que a “boa” sociedade brasileira tem um apetite voraz pelo consumo. São animais consumistas porque sua primeira razão é ter dinheiro e consumir, atendendo ao que seus instintos e impulsos, que estão no lugar de emoções e razões, ordenam.  Para eles, ter vale mais do que ser. Eles só “são” quando têm. Preferem acumular dinheiro sem motivo e fazer de ...

ESTÁ BARATO PARA QUEM, CARA PÁLIDA?

A BURGUESIA DE CHINELOS ACHA BARATO ALUGUEL DE CASA POR R$ 2 MIL. Vivemos a supremacia de uma elite enrustida que, no Brasil, monopoliza as formas de ver e interpretar a realidade. A ilusão de que, tendo muito dinheiro e milhares de seguidores nas redes sociais dos quais umas centenas concordam com quase tudo, além de uma habilidade de criar uma narrativa organizada que faz qualquer besteira surreal soar uma pretensa verdade, faz da burguesia brasileira uma classe que impõe suas visões de mundo por se achar a "mais legal do planeta". Com isso, grandes distorções na interpretação da realidade acabam prevalecendo, mais pelo efeito manada do que por qualquer sentido lógico. "Lógica " é apenas uma aparência, ou melhor, um simulacro permitido pela organização das narrativas que, por sorte, fabricam sentido e ganham um aspecto de falsa coerência realista. Por isso, até quando se fala em salários e preços, a burguesia ilustrada brasileira, que se fantasia de "gente si...

ED MOTTA ERROU AO CRITICAR MARIA BETHÂNIA

  Ser um iconoclasta requer escolher os alvos certos das críticas severas. Requer escolher quem deveria ser desmascarado como mito, quem merece ser retirado do seu pedestal em primeiro lugar. Na empolgação, porém, um iconoclasta acaba atacando os alvos errados, mesmo quando estes estão associados a certos equivocos. Acaba criando polêmicas à toa e cometendo injustiças por conta da crítica impulsiva. Na religião, por exemplo, é notório que a chamada opinião (que se torna) pública pegue pesado demais nos pastores e bispos neopentecostais, sem se atentar de figuras mais traiçoeiras que são os chamados “médiuns”, que mexem em coisa mais grave, que é a produção de mensagens fake atribuídas a personalidades mortas, em deplorável demonstração de falsidade ideológica a serviço do obscurantismo religioso de dimensões medievais. Infelizmente tais figuras, mesmo com evidente charlatanismo, são blindadas e poupadas de críticas e repúdios até contra os piores erros. É certo que a MPB autêntica ...

THE ECONOMIST E A MEGALOMANIA DA BURGUESIA DE CHINELOS ATRAVÉS DO "FUNK"

A CANTORA ANITTA APENAS LEVA O "FUNK" PARA UM NICHO ULTRACOMERCIAL DE UM RESTRITO PÚBLICO DE ORIGEM LATINA NOS EUA. Matéria do jornal britânico The Economist alegou que o "funk" vai virar uma "febre global". O periódico descreve que "(os brasileiros modernos) preferem o sertanejo, um gênero country vibrante, e o funk, um estilo que surgiu nas favelas do Rio. O funk em particular pode se tornar global e mudar a marca do Brasil no processo". Analisando o mercado musical brasileiro, o texto faz essa menção em comparação com a excelente trilha sonora do filme Eu Ainda Estou Aqui , marcada por canções emepebistas, a julgar pela primeiro sucesso póstumo de Erasmo Carlos, "É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo", uma antiga canção resgatada de um LP de 1971. "A trilha sonora suave do filme alimenta a imaginação dos estrangeiros sobre o Brasil como um país onde bandas de samba e bossa nova cantam canções jazzísticas em calçadões de areia. Mas ...

POR QUE O JORNALISMO ESTÁ DECAINDO?

As demissões de jornalistas experientes, ao lado do falecimento de vários outros, o enxugamento empresarial dos veículos de Comunicação e a substituição dos veteranos por jovens jornalistas sem uma vivência real e com difícil aprendizado sobre a realidade da vida, mostram o quanto o Jornalismo vive seu inferno astral, mesmo num contexto aparentemente "de democracia plena" em que vivemos hoje. A invasão de comediantes influenciadores digitais, não só no ramo da dramaturgia mas também no ramo do Jornalismo, sobretudo através da porta dos fundos (olhe o trocadilho) do cargo de "analista de redes sociais" (espécie de marketing  aplicado nessas mídias), mostra o quanto a missão de informar bem está declinando de maneira catastrófica (sim, é isso mesmo que estou escrevendo). A supremacia do showrnalismo  e a onda do "noticiário água com açúcar", temperada com um sensacionalismo light  que aposta em mentiras como definir a cidade DO Salvador, na Bahia, como ...

LULA QUER QUE A REALIDADE SEJA SUBJUGADA A ELE

LULA E O MINISTRO DA SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL, SIDÔNIO PALMEIRA. A queda de popularidade do presidente Lula cria uma situação inusitada. Uma verdadeira "torre de Babel" se monta dentro do governo, com Lula cobrando ações dos ministros e o governo cobrando dos assessores de comunicação "maior empenho" para divulgar as chamadas "realizações do presidente Lula". Um rol de desentendimentos ocorrem, e acusações como "falta de transparência" e "incapacidade de se chegar à população" vêm à tona, e isso foi o tom da reunião que o ministro da Secretaria de Comunicação Social, Sidônio Palmeira, publicitário responsável pela campanha de Lula em 2022, fez com 500 profissionais de assessorias de diversos órgãos do Governo Federal, na última sexta-feira. Sidônio criticou a falta de dedicação dos ministros para darem entrevistas para falar das "realizações do governo", assim como a dificuldade do governo em apresentar esses dados ao ...

“EU ODEIO TUDO O QUE EU AMO”

As redes sociais se tornaram um paraíso da hipocrisia humana. Gente que quer parecer legal costuma se tornar mentiras de si própria. Usam nomes falsos, adotam posições ideológicas falsas, se passam por outras pessoas e exaltam virtudes e personalidades que não admirariam em situações normais. Até uma comunidade como, nos tempos do Orkut, a chamada Eu Odeio Hipocrisia foi a que mais tinha gente hipócrita. Hipócritas e mentirosos não são aqueles que dizem “Cuidado que eu minto! Eu sou hipócrita!”, mas aqueles que se passam por honestos e sinceros para enganar os mais ingênuos. Um hábito muito caraterístico dos hipócritas das redes sociais é dizer que odeiam aquilo que na verdade amam profundamente. O mito da Globolixo, por exemplo, é uma grande mentira montada por pessoas fanáticas pela Rede Globo só para dizer que “não são influenciadas” pela mídia. Essa mentira tem uns vinte anos mas só foi encampada pelos bolsonaristas de uns dez anos para cá, até porque eles são tietes da concorrente...

CRITICOS MUSICAIS SÓ OUVIAM AS DITAS "RÁDIOS ROCK" NO FIM DE NOITE

As passagens de pano, nos anos 1990 e 2000, da crítica musical em relação às ditas "rádios rock", foi uma tendência que fez muito jornalista competente rasgar seda em emissoras de rádio que não eram tão boas assim.  Vide as carícias feitas com flanelas perfumadas de muita gente boa sobre a canastrice radiofônica da Rádio Cidade, uma rádio cuja experiência roqueira foi das mais vergonhosas, superando em erros e defeitos a fase decadente da Fluminense FM. A Cidade foi poupada porque tinha uma grande estrutura empresarial por trás, era blindada pelos chefões da indústria do entretenimento (tipo Roberto Medina, por exemplo). Só que a Rádio Cidade nunca foi mais do que uma rádio "só de sucessos", que nem tinha fôlego para cobrir sequer o minimamente básico do cenário roqueiro em geral. Muito pelo contrário. Se a Fluminense FM, nos anos 1980, tinha coragem para tocar Teardrop Explodes e Monochrome Set na programação normal, nos anos 1990 a Cidade tinha medo até de tocar B...