Desde que o antes chamado "crime passional", conhecido agora como um tipo principal de feminicídio, o de natureza conjugal, tornou-se crime hediondo, um novo contexto se deu na onda de crimes desse tipo, quando homens matam suas próprias mulheres.
Até parece que eles estão cometendo esses crimes para ver se a Justiça realmente funciona para eles.
O chocante crime cometido pelo professor de Biologia, o pitboy Luís Felipe Manvalier, contra a mulher, a advogada Tatiana Spiltzer, na madrugada do dia 22 de julho último, tornou-se um dos casos mais recentes.
Laudos indicam que ela teria sido estrangulada antes de ser jogada do 4º andar, e bem antes ela tinha sido agredida pelo marido.
Manvalier estava tomando anabolizantes para ficar musculoso e lutava jiu-jitsu, e também era um fã entusiasmado de Jair Bolsonaro, portanto se comportando como o bolsonarista típico, misógino e que só vê a mulher como um troféu para sua vaidade pessoal.
O crime ocorreu na cidade de Guarapuava, no interior do Paraná. Apesar das discussões e da gritaria, quase não houve reação dos vizinhos. Quando um deles foi ligar para a polícia, o criminoso se preparava para fugir.
Luís Felipe chegou a sofrer um acidente de carro, mas hoje está preso. Pode responder não só por feminicídio, mas por agravantes que envolvem requinte de crueldade, cárcere privado e ocultação de cadáver.
Houve outros casos de feminicídio no Brasil, um deles em Brasília, imitando o caso de Guarapuava.
Outro caso que chama a atenção é em Jaraguá do Sul, no interior de Santa Catarina.
Conhecida oficialmente como a "cidade mais tranquila e segura do Brasil" pelo duvidoso Mapa da Violência do IPEA, Jaraguá do Sul registra, pelo menos, um caso de violência doméstica contra mulher por dia.
Na madrugada do último dia 04 para 05 de agosto, Marcelo Kroin matou a esposa Andreia Campos de Araújo, após uma discussão. Ele já tinha ficha criminal por agressões contra ela. Ele foi preso pouco depois. Após o crime, ele tentou levar o corpo da mulher num carro, para ocultar o cadáver.
Kroin aparece, em uma das fotos, vestindo uma camiseta da Seleção Brasileira de Futebol. Provavelmente a foto foi num restaurante, durante a Copa do Mundo de 2018, mas nada impede que ele também seja uma figura conservadora muito fácil de se encontrar no Sul do país.
A maioria dos feminicídios, nos últimos anos, acontece em cidades do interior do país. Muitas delas são consideradas "pacíficas" (só se for como o detetive feminicida com este sobrenome), mas, no caso dos Estados do Norte e Nordeste, ocorrem em cidades muito atrasadas e de vida rudimentar.
No Rio de Janeiro, a região de Jacarepaguá é um dos maiores redutos de feminicídio, embora o crime mais recente tenha ocorrido no Complexo do Alemão, quando o pintor Anderson da Silva matou a mulher, Simone da Silva, e depois se entregou à polícia.
Em todo o Brasil, a cidade com maior índice de feminicídio é Ananindeua, no interior do Pará.
A Lei Maria da Penha, que surgiu há 12 anos para condenar crimes de violência doméstica contra a mulher, foi lembrada com um multirão de prisões de suspeitos de agressão contra a mulher e, em certos casos, de feminicídio.
O que chama a atenção, nesse cenário no qual dois famosíssimos feminicidas, já octogenários, dão indício de estarem doentes de câncer, é que esses crimes ocorrem porque tais casais, separados pela tragédia criminal, em boa parte se formam em ambientes de noitadas.
A realidade das noitadas, nas quais o amor se reduz a uma mercadoria e um aperitivo para a bebedeira noturna, revela a ganância das redes de boates e casas noturnas que quer monopolizar o processo de paquera e relações amorosas na vida privada desses lugares.
A mídia hegemônica, em muitos casos complacente com o machismo, enfatiza esse consumismo sexual, no qual casais são formados artificialmente pela afinidade provisória de algumas curtições em comum.
A privatização da paquera, na qual um solitário tem que pagar caro para conseguir uma namorada - passagem de ônibus, ingresso e/ou gasto com refeições, que não são baratas e, no caminho da volta para casa, ainda tem que ter o "dinheiro do ladrão" - , mostra o quanto o amor virou aventura de risco.
Movimentos como Chega de Fiu-Fiu não conseguem evitar que os assediadores levem a melhor na chamada vida noturna ("balada", no dialeto Rede Globo-Jovem Pan-grife Reserva).
A restrição às cantadas se limita ao período diurno, à rotina das ruas e dos ambientes sociais comuns.
Os assediadores, sabendo disso, já estão evitando a prática nesses horários, indo para a vida noturna com uma conversa mais articulada e uma estratégia de conquista marcada pelo aparente senso de humor.
Ambientes como boates e casas noturnas, que praticamente monopolizam os processos de paquera e formação de casais, são muito perigosos porque também são ambientes onde se consomem álcool e drogas, inclusive ilícitas.
Embora haja uma visão glamourizada da vida noturna, na qual só aparecem pessoas bacanas nos bares, boates e casas noturnas em geral, eles são lugares onde a confiabilidade humana equivale a zero.
A mídia hegemônica, associada com essas casas para fazer propaganda subliminar em telejornais e programas de variedades, o faz visando alimentar o potencial comercial desses estabelecimentos.
Bares, boates e casas noturnas em geral costumam faturar fácil quando sua propaganda está associada à paquera, à vida amorosa, à união de casais.
A visão hedonista viciada de nossa sociedade, que pega desprevenidas até as esquerdas, ignora que a vida noturna é, praticamente, uma "terra sem lei".
Assim como todos os gatos são pardos, todas as pessoas parecem bacanas até o fim de cada noitada, como no bater do relógio do conto de Cinderela.
Até que, com o fim da badalação, as pessoas se revelam em boa parte traiçoeiras, seja de maneira imediata ou não.
É assustador que, nas fotos acima, casais sorridentes tenham tido desfecho tão extremamente violento.
É hora de criar o Chega de Fiu-Fiu da vida noturna, e apostar em ambientes sociais mais saudáveis para as paqueras e a formação de casais.
Também é hora de deixar de lado a valorização do homem como provedor-protetor, sem considerar o caráter e a afinidade pessoal.
Infelizmente, nas redes sociais, havia notado, quando eu usava o Orkut e o Facebook, que os sociopatas valorizavam mais os casais sem afinidade e viam na afinidade pessoal uma frescura e sinônimo de "grude".
A desculpa é a "oportunidade de superar as diferenças", que faz com que as diferenças irreconciliáveis, causa de divórcio em países desenvolvidos, seja vista como "estreitamento (?!) dos laços conjugais".
Vemos o quanto essa "superação de diferenças" resulta, justamente entre usuários de redes sociais, com tantos e tantos feminicídios ocorrendo em todo o Brasil.
Chegou o momento de se rever os critérios de escolha de homens e mulheres para formarem casais, e evitar as conveniências e as afinidades provisórias que só servem para forçar a formação de casais em que o amor só existe da boca para fora.
Devemos prevenir os feminicídios deixando de apostar na aventura perigosa do "amor de noitada".
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