
Depois da quase falência do Grupo Abril e da crise das Organizações Globo, um fato se soma ao drama que hoje vive o baronato midiático.
É a morte de um dos principais barões da mídia do país, o empresário e jornalista Otávio Frias Filho, diretor de redação e dono da Folha de São Paulo.
Tavinho Frias, como era conhecido, tinha 61 anos e lutava contra um câncer, diagnosticado em setembro do ano passado.
Internado no Hospital Sírio-Libanês, ele não resistiu à doença e faleceu às 3h20 de hoje.
Com 34 anos de experiência à frente da Folha e no comando empresarial do Grupo Folha, que inclui os portais de Internet UOL e BOL, Otávio Frias Filho é considerado um modernizador da imprensa brasileira.
Culto e cortejado pelas elites paulistanas, Frias fez a Folha de São Paulo simbolizar os paradigmas dominantes de jornal, assim como Tutinha fez com a Jovem Pan no que se refere ao rádio, ambos nos anos 90.
Notório opositor do petismo, Frias era o único que dava um verniz de modernidade, associado ao PSDB e as elites conservadoras que atuavam em parte da USP.
Uma faceta pouco conhecida de Frias é a sua influência nos intelectuais que defendiam a bregalização do país, mesmo atuando na trincheira adversária da mídia de esquerda.
"Guru" não-assumido, mas evidente, da elite "pensante" na qual se integravam Paulo César Araújo, Pedro Alexandre Sanches, Mônica Neves Leme e outros, Frias deu a seus pupilos intelectuais o "sinal verde" para atuarem como freelancers do baronato midiático.
A intelectualidade "bacana", sabemos, é uma elite de intelectuais que travestiu a degradação cultural brasileira em algo "atraente", apelando para o discurso do "combate ao preconceito" para aceitar a "ditabranda do mau gosto".
Essa intelectualidade é definida como "bacana" por querer parecer simpática num cenário de anti-intelectualismo. O termo "ditabranda" foi lançado pela Folha e eu apenas adaptei para definir o apelo trash e politicamente correto do "popular demais".
O caso de Pedro Alexandre Sanches é ilustrativo. Ele é como se fosse o aluno-modelo de Frias, e durante anos representou os interesses dele quando o pupilo foi "passear" pelas redações de Caros Amigos, Fórum e, ultimamente, Carta Capital.
Sanches é uma das crias do Projeto Folha, que José Arbex Jr. descreveu como um projeto anti-esquerdista no livro Showrnalismo: A Mídia como Espetáculo, em 2004.
O Projeto Folha buscava minar o esquerdismo no periódico paulista, tirando os jornalistas associados ao comunismo aos poucos, e criando uma linha cada vez mais neoliberal.
Os últimos esquerdistas se confinaram no caderno Mais!, de textos mais complexos, até que este caderno foi também extinto.
Através da propaganda de Sanches, o chamado "popular demais" ou brega-popularesco se tornou hegemônico numa atuação conjunta entre Folha e Organizações Globo.
Foi Frias, por exemplo, que idealizou o "funk" como um pretenso modernismo cultural, embora as Organizações Globo tenham atuado de forma mais decisiva na popularização do gênero.
À Globo estavam a serviço nomes como Hermano Vianna e Denize Garcia (esta ex-RBS, que também revelou Augusto Nunes), reforçando o plano de popularização do "funk" pela corporação dos Marinho, enquanto Frias trabalhava o mesmo estilo como pretensa vanguarda cultural.
Frias "esquerdizou" a música brega que fez muito sucesso na ditadura militar e buscou enfraquecer a MPB para que não se repetisse a atuação dos emepebistas como vozes articuladas contra a ditadura militar.
Com isso, Frias resolvia trocar as bolas, e foi a partir dele que a MPB foi vista erroneamente como "elitista", numa campanha massiva para desmoralizá-la, enquanto o mainstream dos ídolos musicais "extremamente populares" era vendido como uma "plêiade de gênios incompreendidos".
O "bom esquerdista" Sanches tornou-se notório, quando em seus surtos hidrófobos tentava derrubar a reputação de Chico Buarque de Hollanda.
Sanches foi um dos símbolos de como o conservadorismo cultural de uma parcela de esquerdistas de classe média revela seus pontos frágeis.
O "filho da Folha" chegava a ter algumas de suas reportagens beneficiadas pelo "Ctrl+C/Ctrl+V" em influentes páginas de esquerda.
O jornalista que, entre outras coisas, "esquerdizou" Odair José e empurrou o "funk" (subproduto do coronelismo midiático) numa comparação tendenciosa com o MST, nessas manobras em que o pensamento desejoso manipula a realidade, deve muito a Otávio Frias Filho.
Frias buscava enfraquecer culturalmente os movimentos populares e as forças esquerdistas, treinando, direta ou indiretamente, intelectuais que foram fazer proselitismo na trincheira adversária.
Com esse enfraquecimento cultural, as esquerdas deixaram tudo perder com o golpe político de 2016.
Frias teve, portanto, essa habilidade. Como barão da grande mídia, ele pôde enfraquecer as esquerdas culturalmente, oferecendo-lhes o "canto da sereia" do brega-popularesco.
A morte de Otávio Frias Filho, portanto, não deixa de ser um choque para o baronato midiático, que agora deixa de ter consigo uma das mentes mais habilidosas, cultas e articuladas do país.
Sem Frias, o baronato midiático deixa de ter o verniz moderno que o sustentava.
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