A DJ E CANTORA RAFAELA ANDRADE, CONHECIDA COMO BADSISTA.
A Veja São Paulo, ao celebrar os 100 anos da Semana de Arte Moderna, evento artístico ocorrido em fevereiro de 1922, resolveu brincar de "bola de cristal" e imaginar quem seriam os "novos expoentes" de um hipotético modernismo contemporâneo.
Isso é um velho costume da imprensa brasileira. Toda vez que existe uma efeméride de um fato ou fenômeno distante no tempo (quando antigo) e no espaço (quando estrangeiro), imagina-se uma suposta cena brasileira de "novos representantes", ignorando as diferenças de contexto e de outros aspectos.
O suplemento paulista da revista Veja pescou "novos" nomes que acredita serem "herdeiros" do legado do movimento modernista de Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Di Cavalcânti, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Manuel Bandeira, Heitor Villa-Lobos etc.
E aí vemos: Badsista (Rafaela Andrade), Novíssimo Edgar (Edgar Pereira da Silva), Élle de Bernardini, Aline Bei, Denilson Baniwa, Lyz Parayzo, Marco Dutra, Isaac Silva, Daniel Lie, Igi Ayedun e Mel Duarte.
Não posso ainda ter uma posição fechada em torno de quase todos eles, mas a Badsista chama a atenção pelo envolvimento com o ícone popularesco Linn da Quebrada, atualmente integrando o Big Brother Brasil.
Linn da Quebrada esteve entre os queridinhos de Pedro Alexandre Sanches e hoje integra o popularesco identitarista ao lado de Glória Groove e, principalmente, Pabblo Vittar.
Embora eu não possa ainda avaliar os talentos dos demais nomes envolvidos, a certeza é que é um enorme exagero atribuir a eles um "novo Modernismo".
Ando muito cético em relação a supostas renovações do cenário cultural brasileiro, num contexto em que, na música, temos a precarização instrumental do "funk" e, por outro lado, o maior compositor do Brasil na atualidade é o mediano Emicida.
Hoje em dia o que vemos no cenário cultural brasileiro é uma realimentação do mainstream. Mesmo no âmbito da provocatividade, não há uma expressão cultural que possa ser realmente vanguardista.
Pode haver gente talentosa, mas é demais dizer que eles são "alternativos", "underground", "vanguarda".
Vivemos uma sociedade brasileira extremamente midiatizada e extremamente mercantilizada.
E isso faz com que as pessoas não tenham condições de romper os limites do "sistema", até porque acredita-se que o mainstream abre mil possibilidades, como se observa na quase totalidade da sociedade que usa as redes sociais.
O próprio mainstream hoje é "excêntrico", "rebelde", "provocador", "polêmico". Tudo isso virou mercadoria e apenas brinca-se de "romper as estruturas" quando tudo ocorre na maior comodidade e os donos do "sistema" não se sentem incomodados com isso.
A única ruptura possível, nesse contexto, é apenas com o imaginário retrógrado e sociopata do bolsonarismo, fenômeno de extrema-direita hoje em séria crise.
O cenário cultural brasileiro de hoje é supervalorizado como "fértil" e "ousado", mas tudo isso se prende aos limites de um identitarismo pragmático num país em que ter senso crítico é um tabu.
Apenas se "criticam" dentro dos limites aceitáveis de uma classe média supostamente diversificada, mas velha, anacrônica e profundamente narcisista.
O Modernismo não era exclusivamente identitário e sua amplitude cultural envolvia senso crítico, arte mais visceral e uma perspectiva social ampla, sem se prender a questionamentos mornos nem a uma provocatividade como um fim em si mesmo.
O motor do Modernismo não era a vaia. Era a vontade de romper com o eurocentrismo aristocrático do século XIX. E, embora a Semana de Arte Moderna tivesse sido patrocinada pelos empresários do café, sua expressão e seu legado ultrapassaram seriamente os limites aristocráticos antes esperados.
Só o legado de Mário de Andrade já diz muito na divulgação da verdadeira cultura popular brasileira.
É triste ver Hermano Vianna fazer o papel de cosplay do Mário de Andrade e fazer "pesquisas culturais" que só serviam para misturar, ao trigo do folclore brasileiro, o joio do comercialismo brega-popularesco.
E isso é muito diferente do que prometa o "modernismo de resultados" hoje em dia.
Se sua roupagem é "independente", sua expressão é algo que não rompe com o mainstream. É a contramão do Modernismo de 1922, que derrubou paradigmas do antigo elitismo intelectual.
Hoje promete-se provocação, debate, reflexão, mas quase tudo se mantém num esforço de apenas expor questões, sem que houvesse algum senso crítico mais fibroso, até porque, no Brasil, ter senso crítico é muito mal visto pela sociedade.
A regra é trocar o senso crítico pela "síndrome do isentão", a mania de obter uma postura "nem isso nem aquilo", como se ficássemos sempre num 0 x 0 das fenomenologias.
A obsessão pela mediocridade faz com que até mesmo possíveis alternativas a isso ou aquilo ofereçam pouco, seja na literatura, artes plásticas, teatro, música e cinema.
Há exceções, mas as exceções estão tão escondidas que dificilmente conseguem se expor, mesmo em espaços identitaristas de relativa visibilidade.
O que posso concluir é que a Veja São Paulo foi infeliz em tentar montar uma "nova Semana de Arte Moderna", com as diferenças de contexto e de outros aspectos, como o fato de que o culturalismo brasileiro de hoje mais parece realimentar o mainstream do que sinalizar alguma vanguarda cultural.
Comentários
Postar um comentário