Que a ameaça fascista de Jair Bolsonaro é uma coisa séria, isso não tem como questionar. O problema é quando, no lado da campanha de Lula, tudo parece ser feito de brincadeira, quando o termo "democracia", banalizado, só serve de pretexto para conservadores embarcarem em alguma causa nobre.
O que se vê é uma brincadeira de criança. Brincar de fazer história, brincar de protagonismo, brincar de Diretas Já, e criar um clima de festa que é incabível neste país distópico que é o Brasil. Como se fosse fácil retomar o rumo esquerdista, quando o cenário não está favorável para as esquerdas na América Latina. O que se vê como "esquerda latino-americana" são na verdade governos domesticados que pincelam seu projeto neoliberal com algumas concessões assistenciais ou identitárias.
Tudo parece bom demais. Uma estranha equação política em que se supõe que Lula, mesmo fazendo alianças mais estreitas com forças conservadoras, fará um projeto esquerdista mais ousado do que o dos governos anteriores. Isso é impossível, ainda mais que boa parte dos aliados de Lula é responsável pelo golpe de 2016 e apoiou os retrocessos de Michel Temer, pelo menos. Eles não iriam sorrir com propostas como Estado forte, reversão das privatizações e cobrança de impostos para os ricos.
Fico pasmo quando um bando de gente em boa parte grisalha, com mais de 50 anos de idade, agir como criancinhas ao quererem protagonismo, mesmo sem tantas condições para este fim. Gente que já tem netos, tem uma boa bagagem de vida, botando a lucidez, vibrante outrora, no lixo, em nome de um panfletarismo que pede Lula para presidente do Brasil, nos esquecendo que existem outros concorrentes na corrida presidencial.
Vitória eleitoral não se impõe, se conquista. E falta a Lula essa habilidade que escalar várias etapas e sair vencedor de maneira discreta, respeitosa e humilde. Em vez disso, o que se vê é um atropelamento do jogo democrático, pois as eleições presidenciais se limitaram a ser um mero telecatch político entre Lula e Bolsonaro. Uma briguinha de turrões.
E aí vejo que a palavra "democracia" é sempre acionada quando um conservador aproveita uma oportunidade para defender seus interesses. E isso vale tanto para o golpe civil-militar de 1964, que derrubou João Goulart, como para justificar as alianças da direita moderada feitas por Lula, feitas mediante a crença infantil de que o petista, mesmo abraçado aos neoliberais mais ortodoxos, irá manter ou ampliar seu projeto progressista.
É muita ingenuidade imaginar que a Faria Lima vai sorrir para um projeto político que ameaça seus privilégios históricos. Tudo pela "democracia"? Reconstruir o Brasil em clima de festa? Lula prometendo mundos e fundos, sem perceber que o nosso país está numa crise muito pior que a de 2002?
Lula não está sendo estratégico e sua obsessão em atropelar a democracia sob o pretexto de "ser o único capaz de recuperá-la" atinge níveis constrangedores. Querendo uma base de apoio só para si, da forma precipitada e antecipada como é feita, é um grave equívoco, uma vez que Lula deveria descer do pedestal e encarar a diversidade de concorrentes necessária para o jogo democrático.
O erro de Lula em combater a Terceira Via, com os lulistas partindo para humilhações, ofensas e agressões, acaba complicando as coisas, porque seria mais simples aceitar os terceiro-viáveis, que iriam pulverizar os votos para Bolsonaro. Lula se esqueceu que a Terceira Via é um subproduto do antipetismo, e, por isso, não estava roubando votos do petista, mas do atual presidente da República.
A lógica agora é deixar o projeto político meio de lado, apesar da festejada colaboração na plataforma participativa do Movimento Juntos Pelo Brasil, com 277 mil participantes dos quais mais de 14 mil baixaram o programa eleitoral da chapa Lula-Alckmin. Tudo parece fácil demais, como se o Brasil tivesse a predestinação divina de alcançar o Primeiro Mundo, quando até culturalmente o nosso país está sucateado.
A ideia de democracia está banalizada e, com isso, seu real sentido se torna desgastado, e mais uma vez vamos ver Lula tendo que pagar as contas de alianças tão divergentes ao seu projeto político, porque as elites não vão aceitar as ousadias políticas dele. Impasses assim já geraram golpes em 1964 e 2016. É necessário que as esquerdas brasileiras deixem a brincadeira de lado e releiam os livros de História.
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