Jair Bolsonaro tenta sobreviver politicamente e, infelizmente, está sendo bastante estratégico, por mais oportunista, atrapalhado ou hipócrita que demonstre ser. Sob influência dele, a Câmara dos Deputados aprovou, por 469 votos contra 17, a "PEC da Calamidade", um pacote de medidas assistencialistas que permite furar o teto de gastos públicos em até R$ 41 bilhões.
A votação de ontem foi em segundo turno e, entre as medidas aprovadas, a proposta inclui a efetivação do Auxílio Brasil no valor de R$ 600 (antes o valor era de R$ 400) e a concessão de bolsas financeiras para caminhoneiros e taxistas. A votação chegou a ser suspensa anteontem por supostos problemas de conexão de Internet, mas concluiu-se ontem, dando vitória à ala governista representada, na Câmara Federal, pelo seu presidente Arthur Lira (PP-AL).
Lembremos também que, entre os parlamentares que aprovaram a "PEC da Calamidade" ou "PEC Kamikaze" está o ruralista mineiro Franco Cartafina, do PP de Uberaba, o mesmo que colocou o "médium de peruca", falecido há 20 anos, no livro de Heróis da Pátria de forma injustificável, às custas de uma "caridade" tão farsante e tendenciosa quanto essa PEC que o parlamentar mineiro, amigo de causas antipopulares ou populistas-conservadoras, aprovou.
E o objetivo dessa PEC é garantir a reeleição de Jair Bolsonaro, que anda usando sua esperteza para capitalizar sua imagem pública, mesmo em circunstâncias que lhe parecem desfavoráveis. Apesar de ser, como presidente, uma verdadeira calamidade pública, Bolsonaro consegue sustentar sua imagem e conduzir a seu favor até mesmo situações que lhe põem em crises e encrencas.
O grande problema é que os brasileiros deixaram Bolsonaro ser eleito. Tudo começou em 2014, quando o pragmatismo carioca, apostando na ilusão de "piorar hoje para melhorar amanhã", tentou nacionalizar os retrocessos do Estado do Rio de Janeiro elegendo Eduardo Cunha e Bolsonaro "em nome da moralidade e da austeridade". E aí o Rio de Janeiro pagou caro, sucumbindo numa decadência que faz do Estado uma unidade federativa com reputação cada vez mais negativa no cenário nacional.
A partir desses pragmáticos votos dos cariocas, Eduardo Cunha - menos carismático do que um paralelepípedo de rua - depois derrubou Dilma Rousseff e, com o golpismo conduzido primeiramente por Michel Temer, abriu-se caminho para Jair Bolsonaro ser eleito, apesar das fartas opções de candidatos "não-petistas" para os eleitores escolherem em 2018.
O Brasil caiu tanto, e, desde um mercado literário que lançou um produto chamado "livros para colorir" (um desperdício de papel, que não é material barato) como "obra de não-ficção (sic)", até a catástrofe mundial da Covid-19 - , vemos um cenário distópico que nem mesmo Lula consegue lidar com a devida cautela nem prudência.
Jair Bolsonaro cresceu na medida em que os opositores do golpe político de 2016 preferiram brincar de memes, "zoando" sem muita seriedade nas redes sociais, ou fazendo protestos de rua que mais pareciam micaretas identitárias, com manifestantes fantasiados de jacaré ou falando de leite condensado e tudo, sem que houvesse uma dedicação consistente para derrubar o presidente.
Bolsonaro está ganhando tempo e um atentado contra um petista ocorreu no último fim de semana para complicar ainda mais as coisas. E ele se contradiz, se atrapalha, prejudica a todos exceto os seus seguidores, mas consegue sobreviver até mesmo às chacotas das esquerdas, enquanto o bolsonarismo inspira também incidentes abusivos como do anestesista carioca Giovanni Quintela, preso por estuprar uma paciente e acusado de violência sexual de, pelo menos, outras cinco.
O Brasil está tão complicado que Lula só errou ao criar clima de festa para seu projeto de reconstrução do país, prometer demais em sua campanha e e aliar com forças divergentes. Sorte do petista é que o Brasil anda muito infantilizado - fruto de sua profunda precaridade sociocultural, mil vezes pior do que muitos imaginam - e as pessoas veem Lula como se fosse um Papai Noel da política, que irá salvar os brasileiros do malvado Jair Bolsonaro.
Mas a realidade anda distópica e existe um medo de que haja um "dia dos cristais" igual àquele que inaugurou o holocausto nazista da Alemanha, e se ocorrer algo similar no Brasil será traumático e triste, mas será o preço pago por tanto infantilismo e tanta complacência com o golpe político de 2016 que vai desde o Centrão bolsonarista até as perigosas alianças de Lula com forças divergentes. O pesadelo brasileiro, em preparo desde 2015, está, infelizmente, a caminho.
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