DEPOIS QUE SUA 89 FM SE TORNOU FORMADORA DO "ROQUEIRO DE DIREITA" NO BRASIL, SEU EMPRESÁRIO JOÃO CAMARGO SINALIZA APOIO CRÍTICO A LULA.
O radialismo rock morreu. Meu livro Radialismo Rock: Por Que Não Deu Certo? está aí no mercado, com as devidas explicações sobre por que as chamadas rádios rock decaíram no Brasil, fazendo com que o ouvinte de rock, hoje, deixou de ouvir rádio e hoje prefere garimpar rock no YouTube ou no Spotify.
Num tempo em que se fala de João Camargo, dono da 89 FM e do grupo Esfera Brasil e um dos líderes da chamada elite empresarial da Faria Lima, classe que agora sinaliza um apoio crítico a Lula - condicionado pela aliança com o neoliberal da gema Geraldo Alckmin - , nota-se que até o rock sucumbiu ao cenário de devastação cultural existente no Brasil.
Nem vamos falar sobre o patético Dia Mundial do Rock, por sinal uma invenção da 89 FM e que de "mundial" só tem o nome e sua inspiração foi infeliz, o Live Aid que não era necessariamente roqueiro (tinha muito pop dançante no festival) e causou prejuízo e traumas pessoais para seu organizador Bob Geldof, porque já citamos esses problemas antes.
O que se leva em conta aqui é o quanto constrangedor ver a cultura rock no rádio ficar nas mãos da elite da Faria Lima, conduzida por um Tatola que, como dublê de roqueiro punk, faz o Billy Idol parecer o Jello Biafra. O ranço "Jovem Pan com guitarras" da 89 FM tirou todo o prazer de ouvir as tais "rádios rock" porque elas viraram um grande engodo, um lodo só, salvo noturnas exceções.
Hoje o que se entende como "rádio rock" tem tudo: programa de fofocas, talk shows, game shows, sorteio de automóvel, de viagem para cidades como Cancún e Bariloche, programa humorístico, debate esportivo, entrevistas com subcelebridades e tudo o mais. Rock, mesmo, só no fim de noite, com os dois ou três programas com especialistas em rock que prestam nessas rádios.
Radio rock 24 horas por dia? Esqueça! A maioria da programação só toca roquinho de paradas de sucessos, geralmente dos anos 1990 para cá. É "Mr. Jones" do Counting Crows tocando 200 vezes por dia, coisa que até a Jovem Pan sempre tocou, escondido entre uma Britney Spears e um Backstreet Boys.
A crítica musical sempre passou pano na 89 FM por causa de seu poder empresarial. A família Camargo é amiga dos Frias, dos Marinho. Paciência. Mas também os competentes mas complacentes críticos musicais só sintonizam a emissora paulista depois das 22 horas, quando há um repertório mais ou menos criterioso, ainda que até aí as músicas, sendo hits, dificilmente saem do previsível.
Infelizmente o radialismo rock caiu definitivamente, sob um motivo aparentemente oposto ao das rádios de rock autênticas dos anos 1980. Se emissoras como a Fluminense FM e 97 Rock sucumbiram por problemas econômicos, ou seja, por falta de dinheiro, rádios como 89 FM e Rádio Cidade, se continuam existindo (a emissora carioca apenas em forma de web radio), não têm mais representatividade entre o público genuinamente roqueiro.
Morando em São Paulo, quando eu vejo alguém sintonizado na 89 FM, ou são pessoas convencionais sem um jeitão de roqueiro, seja evidente ou latente, ou, no caso mais comum, de rapagões valentões que mais parecem peões de Barretos com traje casual urbano.
Quem gosta realmente de rock, mesmo quando se limita aos tais "grandes sucessos" - os tais hits, definidos pelo eufemismo de "clássicos" - , está ouvindo MP3. Primeiro, porque as tais "rádios rock" hoje não têm o fôlego que tinha uma Fluminense FM de 35, 40 anos atrás, capaz de jogar direto na programação normal nomes alternativos e músicas que nunca fizeram sucesso nas paradas, mesmo roqueiras.
Pouca gente percebeu, mas a Fluminense FM jogava direto na programação diária nomes até hoje desconhecidos, como Monochrome Set e Teardrop Explodes (de Julian Cope, ex-membro do lendário Crucial Three, com Pete Wylie e Ian McCulloch, este do famosíssimo Echo & the Bunnymen), ou uma banda famosa lá fora e subestimada aqui, como o XTC, que nem com canções com assobios - "Generals and Majors" e "Take This Town" - conseguem furar o bloqueio dos ouvidos entupidos de hit-parade do público brasileiro.
A Fluminense FM tocou até mesmo "Promises" dos Buzzcocks, uma banda criminosamente desprezada pelo público brasileiro, por ser uma das três grandes do punk rock britânico. E aí a gente percebe que os artistas estrangeiros que fazem sucesso no Brasil não são escolhidos necessariamente pelo valor, mas porque custam barato para as editoras de copyright brasileiras, que preferem difundir um Outfield e um Jesus Jones do que um Buzzcocks ou Ride.
Desde o final dos anos 1980, quando as "rádios rock" começaram a contratar locutores pop, que então liam notícias sobre AC/DC como se estivessem lendo novidades sobre Wando e hoje anunciam novidades de Steve Vai como se ele fosse o Justin Bieber. Genéricos vocais de Emílio Surita e Celso Portiolli escondidos em jaquetões de couro e jeans desbotados e rasgados na altura dos joelhos.
Esse comercialismo todo do radialismo rock veio porque na Internet vieram uns engraçadinhos dizendo que "rádio rock tem que vender, precisa ganhar dinheiro". Até concordo, até certo ponto, dessa necessidade, mas as rádios de rock perderam personalidade, viraram "Jovem Pan com guitarras" a ponto de surgirem locutores "sóbrios" que soam mais como comentaristas do Pânico da Pan.
Esses ideólogos do comercialismo radiofônico foi que fizeram com que o radialismo rock adotasse locução pop, repertório hit-parade e outras baboseiras, porque as rádios "precisavam vender" e restringir o número de artistas e canções tocados para "fixar" no gosto dos ouvintes.
A escolha de locução pop usava como desculpa "interagir" com o público jovem, o que era uma besteira. Eu tinha entre 11 e 13 anos (1982-1984) quando ouvi a Fluminense FM dos primórdios e eu entendia a linguagem dos locutores da época, enquanto muito marmanjão barbado de hoje aceita locução estilo Jovem Pan anunciando até bandas de thrash metal.
Da mesma forma, o fato dessas rádios adotarem locutores que não gostam de rock foi justificado pela desculpa de que eles seriam "mais profissionais", que radialista de rock não podia gostar de rock porque era "subjetivo", "pessoal". Só que locutores "profissionais" tipo Zé Luís, Demmy Morales e similares não têm conhecimento de causa e não conseguem mais do que ler textos escritos por outros, sem poder dar dicas sobre o que há de mais importante ou interessante no rock.
As "rádios rock" decaíram porque se tornaram excessivamente empresariais. Ver que a suposta "maior rádio rock do Brasil", a 89 FM, que tem a cara-de-pau de se autoproclamar "rádio alternativa" - e isso com programas tolos como Do Balacobaco e Show do Tatola - , com todo o sotaque "Jovem Pan" dos seus locutores, tem um banco de investimentos chamado "89 Investimentos", controlado pelo João Camargo, um dos irmãos donos da rádio, é constrangedor.
Na prática, a 89 é uma espécie de Rede Globo do radialismo rock, com muito poder e nenhum pingo de dignidade. São dois trios de irmãos, de um lado João Roberto, José Roberto e Roberto Irineu no grupo midiático carioca, e, de outro, João Camargo, Neneto e Júnior (José Camargo Jr.) na emissora radiofônica.
É triste ver que os Camargo tentam ser donos da rebeldia juvenil brasileira, e, depois de tanto formarem o perfil do "roqueiro de direita" - já antecipado nos anos 1990 e 2000 pela arrogância, pelo pavio curto e pela agressividade de ouvintes e até de produtores da 89 FM (e, por associação direta ou indireta, da Rádio Cidade carioca) - , agora se passam por "progressistas" e "democráticos".
Os donos da 89 escondem seu vínculo com a ditadura militar, seu apoio a Paulo Maluf, sua camaradagem com José Maria Marin - o dirigente da CBF que foi parlamentar da ditadura, que influiu na prisão de Vladimir Herzog no DOI-CODI - , mas não escondem que só passaram a se simpatizar com Lula porque este decidiu colocar Geraldo Alckmin, o queridinho da Faria Lima, como vice de sua chapa presidencial.
Que rebeldia roqueira encontrará representação através dessa família bilionária e poderosa? Hoje o roqueiro de verdade desligou o rádio, até porque as "rádios rock" se tornaram estéreis, incapazes de tocar além do previsível e escasso repertório de hit-parade. Com YouTube, Instagram, Spotify e outros canais mostrando coisas mais instigantes, já nem vale mais a pena ficar na zona de conforto do radinho para ouvir aquela "rádio rock" badalada pela imprensa musical.
O radialismo rock virou "empresarial demais", tendo um robusto departamento comercial, um setor financeiro impecável e uma estrutura de marketing bastante ambiciosa e eficiente. O problema, porém, é que isso fez as rádios perderem o diferencial, pois, no eixo Rio-São Paulo, se vê que as rádios 89 e Cidade não são diferentes de emissoras como FM O Dia, Mix, Metropolitana e, sobretudo, Jovem Pan. Rock, como estado de espírito, desapareceu definitivamente do rádio.
Correndo por fora, ouve-se muito mais rock, pois 99% do verdadeiro rock está há tempos fora do ar das "rádios rock" cada vez mais preocupadas em entrevistas subcelebridades, sortear prêmios, divulgar fofocas, piadas e comentários sobre futebol, pilotadas por locutores iguaizinhos aos Surita e Portiolli da vida, mas escondidos nas jaquetas de couro que mostram o brilho que esses radialistas não têm.
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