As coisas vão se revelando. O preço de Lula se aliar com forças divergentes já começa a deixar a máscara cair, depois de uma campanha em que a fantasia era o cardápio principal, com as esquerdas identotárias sonhando ainda com o "Lulão dos sindicatos" que não existe mais.
Em reunião com empresários, no fim do mês passado, Lula disse que nada fará se não tiver a consulta do seu vice, Geraldo Alckmin. Em outras palavras, na prática o ex-governador de São Paulo dará sua palavra final, jogando um balde de água bem gelada naqueles que acreditavam que o Lulão iria ter pleno poder de decisão.
Na prática, Geraldo Alckmin atuará no governo Lula como Tancredo Neves atuou nos primeiros meses da fase parlamentarista de João Goulart, entre setembro de 1961 e junho de 1962. Lula terá uma atuação mais castrada, e seu governo tenderá a ser bastante conservador, mesmo com toda a preocupação em atender aos interesses dos mais pobres, pois não irá mexer nos privilégios abusivos dos mais ricos.
Não sejamos ingênuos. Nas últimas semanas, Lula, ao ver que se tornou o favorito irreversível das supostas pesquisas eleitorais, e ser também o preferido da eufórica esquerda festiva e infantilizada - vide, por exemplo, as charges de Daniel PXeira - , resolveu se acomodar e voltar sua campanha para o empresariado.
Como para os movimentos sociais da esquerda mainstream vale Lula de qualquer maneira, ainda que com livro de Milton Friedman a tiracolo, o petista agora se sente à vontade ao lado do empresariado, e já começa a ceder em boa parte de seu programa e até em alguns aspectos de sua pré-campanha.
Primeiro, Lula não só descartou o aborto e a regulação da mídia, como sinalizou que não irá mais revogar a reforma trabalhista e o teto de gastos, apenas cancelando alguns pontos considerados mais controversos. Lula também não irá reverter a privatização da Eletrobras e sua promessa em cobrar impostos dos mais ricos será apenas conversa para boi dormir, porque ele não vai exigir dinheiro dos seus novos aliados.
Segundo, Lula já descartou também que suas decisões e seus pontos de vista prevalecerão. Seu programa de governo não tem a exclusividade do PT, mas de outros partidos, além do próprio vice, Geraldo Alckmin, autor de várias propostas do projeto do novo governo de Lula.
Terceiro, Lula admite que terá um papel decisório menor do que muitos imaginam. Ele falou que Alckmin "governará junto" e já deu ao vice tarefas como a intermediação nas negociações entre patrões e empregados no âmbito nacional. Consta-se que a parte técnica do governo Lula ficará com o vice, enquanto o titular se concentrará em projetos de grife, ou seja, patenteados pelo PT: Bolsa Família, Fome Zero, Minha Casa Minha Vida, Mais Médicos e Cotas para Universidades, entre outros.
E agora Lula, além de afirmar que não decidirá coisa alguma sem consultar Alckmin, já mostra também que não está com muito vigor político. Em princípio, Lula afirma que só governará quatro anos, sem desejar se reeleger, mas afirmando que irá apoiar um nome novo para o Planalto. Mas há quem desconfie de que Lula não poderá completar o mandato, havendo mais chances de Alckmin ser, de fato, o presidente do Brasil.
Isso tudo se dá, por ironia, quando a campanha presidencial começa para valer. Como agora há uma obsessão pela vitória eleitoral de Lula - aquele papo de "ou Lula ou nada" de uma classe média festiva que jura "não aguentar um dia" com Bolsonaro no poder (uma grande mentira, porque se fosse isso eles já teriam lutado para tirá-lo do poder faz tempo) - , o petista já não precisa mais evocar os antigos mitos ou as atribuições fantasiosas.
No primeiro caso, Lula não precisa mais evocar o mito do antigo líder sindical que desde 2021 foi definitivamente extinto, depois de graduais reduções de seu vigor militante. Aos poucos o esquerdismo de Lula vai se tornando apenas uma mera formalidade, enquanto na prática ele está cada vez mais entrosado com o neoliberalismo, sobre o qual apenas pinta com matizes um pouco mais assistenciais.
Lula já suavizou o discurso. Diz que fará um "governo de transição", que vai apenas "recuperar o país", e suas propostas apenas vão genericamente em "combater a fome, o desemprego e a pobreza", sem detalhar de que modo realmente fará isso, já que falar vagamente nesses objetivos é coisa que qualquer tucano já faz.
Aquele governo transformador, revolucionário, do "Lula gigante dos sindicatos", do "grande leão rugindo na América Latina", tudo isso persiste nas fantasias dos lulistas deslumbrados, que ainda sonham com o antigo líder sindical renascendo no Planalto. Acham que Lula manda no empresariado e que Alckmin, mesmo tendo poder de decisão, estaria subordinado às diretrizes do petista.
Mas são só sonhos, que cabem em postagens sentimentais e emotivas nas redes sociais. A realidade é mais embaixo e a performance de Lula, como presidente de um novo mandato, tende a ser inferior à dos dois mandatos anteriores. Embora Lula diga que fará "um governo melhor do que os anteriores", as circunstâncias mostram que isso será impossível, e as atitudes e declarações do petista mostram que o sonho de um Brasil feliz de novo acabou de vez. O sonho terá que dar lugar ao realismo.
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