O chocante falecimento do ator Matthew Perry, famoso por fazer o personagem Chandler no icônico seriado de sitcom Friends - que, no Brasil do portinglês, não ganhou título em português - pode até ter tido um motivo esperado, mas nunca foi uma tragédia esperada. Afinal, Matthew, mesmo com um passado de vício em drogas, álcool e remédios, parecia para muitos recuperado ou prestes a se recuperar de uma vez.
Com apenas 54 anos, o carismático ator foi encontrado morto na banheira de sua casa, em circunstância que ainda depende de investigação. A tragédia ocorreu quatro anos e meio depois de seu xará de sobrenome, o ator Luke Perry, morto aos 53 anos incompletos por AVC causado em consequência do passado de drogas e álcool. Luke era astro de outro icônico seriado dos anos 1990, Beverly Hills 90210, que no Brasil ganhou o constrangedor nome de Barrados no Baile.
Por ironia, Matthew estreou no filme de drama pós-adolescente A Night in the Life of Jimmy Reardon, cujo ator protagonista, River Phoenix, também faleceu devido a problema com drogas, vítima de uma overdose fatal em 1993. O filme de 1988 também contou no elenco com Johnny Galecki, que segue sua carreira depois de consagrado pelo seriado A Teoria do Big Bang (The Big Bang Theory).
Hollywood tem esses problemas de ambientes tóxicos, não apenas por causa de uso de drogas, mas também da vida de curtição obsessiva que leva a excessos diversos, principalmente nas noitadas, que enganam até mesmo aqueles que nem se excedem ou excederam muito. Por exemplo, a inesquecível Brittany Murphy construiu, sem querer, sua tragédia, porque foi assediada pelo fotógrafo e fracassado cineasta inglês Simon Monjack, durante uma noitada.
Essa realidade tóxica é justamente o que o contexto do Brasil atual, da chamada "sociedade do amor" do cenário sociocultural do país de Lula 3.0, chama de "felicidade", motivada pela liberdade sem freios do hedonismo bipolar, em que a positividade tóxica se alterna entre o obscurantismo religioso pretensamente espiritualista e a libertinagem narcótica-etílica de drogas, cigarros e cervejas. E intensa mediocrização sociocultural, como um diferencial negativo do Brasil.
Aqui vemos a positividade tóxica contaminando as pessoas. De um lado, o espetáculo constrangedor que faz com que uma federação "espírita" localizada no Centro de São Paulo, onde, há pouco tempo atrás, ocorreu um suicídio dentro de um banheiro, pessoas dotadas da mais tóxica animação estejam em clima de festa cultuando um "médium" farsante que, em seu tempo, fez literatura fake, consentiu com o assassinato de um sobrinho, colaborou com a ditadura militar e vendeu como "caridade sublime" o ato humilhante de fazer pobres subservientes formarem filas para receberem precários mantimentos.
Por outro lado, vemos pessoas dessa "sociedade do amor" se entupindo de cervejas e ganhando dinheiro adoidado para usufruir de supérfluos: encher seus lares com aparelhos de TV em vários cantos das casas, comprar um automóvel para cada membro da família, fazer viagens desnecessárias para o exterior, gastar anualmente, em média, R$ 80 mil por cada lata de cerveja consumida.
A "sociedade do amor" é uma farsa que só tem esse nome para se opor ao ódio bolsonarista. Ela é tão odiosa e rancorosa quanto seus opostos. Ela se volta mais ao consumismo, pois é na verdade uma classe média abastada que descende das velhas elites escravocratas, corruptas e golpistas do passado, que fez atrocidades como exterminar povos indígenas, impor o voto de cabresto e pedir os golpes que derrubaram João Goulart em 1964 e Dilma Rousseff em 2016, mas que agora são "boazinhas" e "apoiam incondicionalmente" o governo Lula.
Mas o próprio Lula não é mais aquele e hoje seu atual governo está completamente desastroso, acentuando o peleguismo e fazendo o presidente dar ouvidos apenas a seus impulsos e errar de maneira vergonhosa. Mas esses erros não incomodam a "sociedade do amor", denominação que, na verdade, soa como eufemismo para a elite do bom atraso que tenta mascarar seu passado escravocrata e golpista agora se passando pela "sociedade mais legal do planeta".
Pois essa elite que se julga "dona de tudo" (da verdade, do povo pobre, dos mortos - vide a adoração tóxica aos "médiuns" - , do futuro, do mundo, da opinião pública, dos valores culturais) é que move essa realidade tóxica não muito diferente, mas até pior, do que aquela que eventualmente mata os River e os Perry da vida, mas pega as Marilyn e Brittany desprevenidas no meio do caminho.
O Brasil vive uma realidade tão tóxica, que as convulsões sociais continuam a pleno vapor, como se o apetite bolsonarista continuasse firme e forte. Mas fora do perímetro bolsonarista, também há muita toxicidade, seja em pessoas "felizes" que, tão sedentas por cerveja, se embriagam em pé em muitos bares e boates, seja em pessoas "também felizes" que frequentam casas "espíritas" em clima de muita festividade (tóxica, aliás, apesar das supostas "energias elevadas").
Aliás, foi justamente essa adoração tóxica a um "médium" picareta cuja "caridade mais sublime" era humilhar o povo pobre que, em filas grandes, recebia precários mantimentos que só duravam dois dias, que fez com que a atriz e apresentadora Mariana Rios tivesse sua casa assaltada no último sábado, perdendo vários objetos de luxo. Isso é que dá publicar as frases horríveis do "bondoso médium", "padroeiro das fake news", que consentiu com o assassinato do sobrinho e acobertou os crimes do seu pupilo João de Deus.
A curtição obsessiva, o luxo, a obsessão pelo supérfluo, a falta de juízo e razão enquanto se impõe opiniões e comentários equivocados, a agressividade de uma sociedade que, bolsonarista ou lulista, correspondem ao que Marilena Chauí, uma das críticas da classe média burguesa, define como uma sociedade violenta e autoritária.
Vive-se uma toxicidade de um Brasil que se acha "reconstruído" sem remover os entulhos, neuroses, obsessões e hábitos que remetem aos tempos da ditadura militar, mas que lutam para permanecer intatos mesmo sob o verniz esquerdista do governo Lula 3.0 (embora este governo seja bem menos esquerdista do que se pode imaginar, e bem menos democrático do que parece, pois Lula não dá ouvidos aos brasileiros, ocupado em seguir seus instintos impulsivos).
É tudo muito tóxico, tenso, mesmo que seja alegremente tenso, mesmo que seja aquela alegria obsessiva que só é simpática quando tudo está bem, mas quando há alguma contrariedade, o "amor" se converte em ódio, em sarcasmo, em ironias, em agressividade.
Quantos Matthew Perry brasileiros serão necessários para que, através da tragédia, se denuncie essa positividade tóxica que faz um Brasil desigual e precarizado tentar se impor ao mundo, com Lula abandonando os brasileiros em nome de uma desnecessária projeção internacional?
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