Não é preciso ter um faro de Sherlock Holmes para saber por que muitos brasileiros estão sentindo horror a senso crítico. Além dessas pessoas não abrirem mão da sensação confortável de prosperidade social, própria de seu solipsismo, elas correm o risco de serem desmascaradas.
Sim, falamos da elite do atraso, que, agora convertida em tietes de Lula 3.0 - que reduziu o antigo sindicalismo de Lula a nada, já que o peleguismo do presidente do Brasil salta a olhos vistos, mas poucos querem admitir, né? - , que não quer que volte à tona seu passado e sua árvore genealógica de frutos podres.
Esquecem que, para reconstruir um país, tem que remover o velho entulho. Mas velho entulho, para a elite do bom atraso, são velhos brinquedos dos quais se resiste a livrá-los. Daí que os "brinquedos culturais" que fazem do Brasil uma versão "vida real" da novela das nove são mantidos como se fossem pretensas relíquias vintage.
O Brasil agora virou um gigantesco Tik Tok, um Instagram cuja positividade tóxica é tão explícita quanto nunca assumida. Para todo efeito, se joga a culpa somente na dondoca que, deitada numa espreguiçadeira de um iate, com licor numa taça com limão, fala que "devemos gostar das boas coisas da vida".
O momento atual é de contestarmos o sistema de valores que se degradou nos últimos anos. O bolsonarismo ou o lavajatismo - agora costumo dizer "bolsolavajatismo" - é somente um subproduto tardio de algo que veio desde 1964, com seus paradigmas culturais, comportamentais, religiosos, morais etc, que ainda remetem aos anos de chumbo.
Ver que agora, por exemplo, inverteram os papéis de Xuxa e Renato Russo - na ironia de ambos terem nascido num 27 de março - , com "Ilariê" promovida a "canção de protesto" depois do "exemplo" de "Xibom Bom Bom", sucesso da axé-music, enquanto "Que País é Esse?", agora, ganhou a errônea reputação de "hino bolsonarista", só porque foi tocada nas passeatas do "Fora Dilma".
Isso são apenas alguns dos absurdos que o Brasil de hoje mostra, quando o senso crítico atinge seu nível mais baixo, sofrendo uma intolerância social que não se via sequer nos tempos do AI-5. Não se pode falar a verdade, mostrar fatos realistas embora desagradáveis, a ideia é passarmos pano na hipocrisia humana, entupirmos de cerveja nas noites de fins de semana, acreditar no Brasil como um mundo da fantasia e as esquerdas montarem sua galeria de direitistas favoritos.
Na verdade, contestar a realidade de hoje faz muita gente sentir medo. Um pavor de regresso das jornadas de 2013, mas não é só isso. É o pavor da elite do bom atraso ser flagrada por aqueles que souberam o que ela fez no verão passado. Ou o que seus ancestrais fizeram, açoitando escravos, dizimando indígenas, derrubando presidentes progressistas, impondo voto de cabresto.
"Vamos celebrar a estupidez humana", é o primeiro verso de "Perfeição", da Legião Urbana, música de 30 anos atrás. Um verso irônico, que reflete o desabafo que, no contexto atual, tem como ato falho o endeusamento de Michael Sullivan, o ganancioso produtor e compositor que quis destruir a MPB mas que, num contexto de muita complacência e milhares de panos passados, foi acolhido por essa mesma MPB que de vez em quando sofre da Síndrome de Estocolmo.
Pois o verso de "Um Dia de Domingo", a horripilante música que Tim Maia e Gal Costa foram obrigados a gravar, por questões contratuais, tem como refrão o verso "Faz de conta que ainda é cedo". Não se trata de fingir que o tenebroso sucesso brega-romântico tivesse a visceralidade poética de "Ainda é Cedo", da Legião Urbana, mas o ato falho indica que a canção brega, no contexto do Brasil tiquetoquizado de hoje, roubou do clássico do Rock Brasil a reputação de música respeitável.
Ainda vamos falar de como Renato Russo hoje virou vidraça, persona non grata desse Brasil cheio de tiques e toques que teima em achar que já está tudo bem quando a tal reconstrução não deu início para valer. É como numa corrida automobilística cujo corredor, só por largar em primeiro, já se acha o campeão.
Mas desde que um "médium" charlatão de Uberaba, para promover sensacionalismo com Assistencialismo barato (tipo Luciano Huck), distribuía pequenos pacotes de mantimentos para populações pobres (os pacotes parecem grandes, mas pela dimensão da pobreza, são pequenos e se esgotam rápido), fazendo as pessoas confundir tentativa com resultado nesta caridade de fachada, elas também confundem largada com chegada no processo de reconstrução nacional.
Claro, são pessoas que não percebem os problemas. Não são elas que, ganhando dinheiro fácil e sem necessidade, acumulam dívidas com a grana se esgotando. Não são elas que dormem nas calçadas das ruas ou em favelas com risco de desabamentos ou incêndios, diante de situações de tempestade ou outro perigo iminente. Não são elas que se privam de ter uma alimentação variada e saudável, até porque elas jogam fora a fartura de comida que compram em restaurantes e preferem se entupir de cerveja nas festas do pequeno grand monde.
Ressentida, a elite do bom atraso esnoba a opção de certas pessoas em ficar em casa nas noites de fins de semana, lanchando bebida lactea com biscoitos, pois não suporta o sossego dessas pessoas. Invejosa, esta elite "democrática" chama os rapazes que seguem a opção caseira de incels, atribuindo a eles um hipotético teor sociopata, típico das neuroses da positividade tóxica.
Isso mostra a hipocrisia da elite do bom atraso. Identitária, diz rejeitar o identitarismo e clama às esquerdas para valorizar as pautas trabalhistas que a própria elite despreza com muito gosto. "Democrática", ela só quer a liberdade dela, do seu hedonismo viciado e obsessivo, enquanto trata os homens do sossego caseiro de sábado à noite como se fossem terroristas.
Elas mesmas disseram a que vieram quando embarcaram na "democracia de cabresto" de Lula, que, numa atitude considerada impensável em 1989, faltou a debates estratégicos nas TVs Record e SBT. Como um corintiano convicto vai ignorar que é indo para o campo adversário que ajuda a conquistar a vitória num jogo?
Daí que percebemos o quanto, nos bastidores do PT, os lulistas reconhecem suas derrotas. Lula aumentando reprovação no seu governo, lulistas admitindo terem se assustado com o resultado bom de Jair Bolsonaro nas urnas, derrotado por uma pequena diferença de votos.
A elite do bom atraso é a classe média autoritária descrita pela filósofa Marilena Chauí, só que é uma parcela dessa classe repaginada para níveis politicamente corretos. Gente agora bancando a "boazinha", apoiando Lula incondicionalmente, até porque o presidente brasileiro posa de "leão valente" mas não é mais do que uma mascote da burguesia da Faria Lima.
Nada contra a burguesia, em si, da mesma forma que eu mesmo já ando constantemente na Faria Lima, pois moro em São Paulo. Mas não me considero burguês e não me iludo com a "generosidade" que os magnatas passaram a ter hoje em dia.
Ah, mas não posso criticar o Jorge Paulo Lemann, o Joe Biden ou similares, todos agora sócios do clubinho da esquerda de boutique e botequim. Para lacrar fácil na Internet, teria que "reconhecer" os dois como novos baluartes do guevarismo bolivariano revolucionário que tinge de vermelho as Américas, herdeiros do legado socialista de Fidel Castro.
Boicotar o senso crítico, além de evitar a exposição de certos problemas, também evita expor o passado golpista de muita gente que agora posa de "esquerdista desde os primórdios da civilização". Vamos celebrar a estupidez humana, para o bem da lacração fácil!!
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