A postura direitista que a funqueira Jojo Toddynho assumiu, apoiando Jair Bolsonaro, esbanjando reacionarismo e tudo, pode causar grande surpresa e até decepção por parte daqueles que acreditam na ingênua, equivocada porém dominante ideia de que o "funk" é um movimento culturalmente progressista.
Vendo que Jojo Toddynho, a one-hit wonder brasileira do sucesso "Que Tiro é Esse?" - que, nos últimos momentos da "campanha contra o preconceito" da intelligentzia do nosso país, chegou a ser comparada, tendenciosamente, com "Gaúcho (Corta-Jaca)", de Chiquinha Gonzaga - , tornou-se garota-propaganda da pavorosa rede de lojas Havan, as pessoas dormem tranquilas achando que a funqueira é uma "estranha no ninho", ao lado de nomes como Nego do Borel, Pepê e Nenem e o "divertido" Buchecha.
E aí o pessoal vai acreditando na narrativa, carregada de muito coitadismo, de que o "funk" é ideologicamente "de esquerda", que o discurso "socializante" dos funqueiros apresentou aos brasileiros pela primeira vez a doutrina revolucionária dos movimentos castristas e leninistas, carregados da revolta popular de Canudos, da Semana de Arte Moderna, da Pop-Art novaiorquina e do punk britânico.
Essas atribuições, bastante pretensiosas, estão corretas? Com muita certeza, não.
Tudo isso é um discurso marcado de muito juízo de valor, cuja produção de sentido até se encaixou perfeitamente no imaginário das pessoas. Produziu consenso, mas não é um dado verídico, conforme eu tenho que analisar, com base nos fatos.
O "funk" usou muito do apelo da "carteirada", tendo a pobreza como gancho, criando uma falácia que se tornou "verdade absoluta" porque sua estrutura discursiva é bastante organizada. São ideias fantasiosas, mas elas se disfarçam de "verdades factuais", com muitos defensores do "funk" e até os próprios funqueiros fazendo "textões" e apelos desesperados, dotados de mal-disfarçada paranoia, para impor sua tese supostamente revolucionária, popular e ativista cultural.
Sabemos, no entanto, que isso nunca passou de conversa para boi dormir. O "funk" foi o "Cabo Anselmo" dos governos de Lula e Dilma Rousseff. Era aquele fenômeno que produzia um discurso dramalhão que, em 1964, produziu a retórica do "pracinha coitadinho", com o sargento José Anselmo dos Santos, falecido em 2022, tentando comover as massas e a opinião pública.
Com muita exclusividade, o blogue Linhaça Atômica, uma das páginas onde ainda se respira Jornalismo, apontou o envolvimento de supostos militantes como o empresário-DJ Rômulo Costa, da Furacão 2000, e o presidente da Liga do Funk, Bruno Ramos, com eventos golpistas, eles que buscavam forçar a barra com suposto esquerdismo, fingindo-se "solidariedade" à presidenta Dilma Rousseff, então alvo de um processo de impeachment.
Os próprios Rômulo (que em 2016 já integrava a "bancada da Bíblia" e era sogro de uma defensora árdua do golpe contra Dilma Rousseff, Antônia Fontenelle) e Bruno mostravam um apelo populista que remetia à suposta "revolta dos sargentos" de 1963-1964, cerca de cinco décadas depois.
O próprio Bruno Ramos reconstituía a "bravura" comportamental de Cabo Anselmo, radicalizando um discurso que o presidente da APAFUNK (Associação de Amigos e Profissionais do Funk), MC Leonardo - que fazia jogo duplo "pregando" na Caros Amigos e colaborando com as Organizações Globo - , o primeiro suposto ativista do gênero.
O "funk" nasceu como fenômeno em 1989, a partir do desvirtuamento de uma tentativa de introduzir o som de Afrika Bambaataa na cultura brasileira, preferindo a forma fácil e deturpada do miami bass, um ritmo cultuado por imigrantes cubanos anti-castristas da Flórida, EUA. Com essas bases floridenses, se desenvolveu o "funk carioca" que se tornou também conhecido como "batidão" e "pancadão", mas ultimamente foi ofuscado pelo "funk ostentação" paulista e a sua franquia, o trap.
Só que, na mesma época, estava em ascensão um tentente do Exército que, investigado por um crime de indisciplina, foi aposentado e promovido a um cargo de "capitão" que nunca exerceu. Virou um fenômeno político ao ser eleito deputado federal em 1989, inaugurando a fase "pragmática" que mudaria para pior o Rio de Janeiro a partir dos anos 1990.
Esse "pragmatismo" foi uma espécie de diarreia social tardia de uma cidade, o Rio de Janeiro, ressentido por ter perdido a condição de capital do Brasil e tendo se vingado da "perda" se fundindo, em 1975, com o antigo Estado do Rio de Janeiro, pois a cidade homônima era capital de outro Estado, o da Guanabara.
Com a fusão, imposta pela ditadura militar para dissolver o lacerdismo, substituído pelo direitismo burocrático de Saturnino Braga (cuja "árvore" política gerou, depois, César Maia e Eduardo Paes), todo o Grande Rio formado em 1975 se prejudicou: a cidade do Rio de Janeiro ainda respirou algum glamour até 1989, mas depois decaiu até sucumbir à cidade decadente de hoje. Niterói, antes cosmopolita, virou um antro de provincianismo decadente, e São Gonçalo e Baixada Fluminense sucumbiram ao domínio do crime, assim como a atual capital fluminense.
E aí tivemos a onda de "pragmatismo" que contaminou o Rio de Janeiro, aquela ilusão de "piorar para melhorar", como se, piorando e restringindo as coisas a longo prazo, se pudesse obter melhorias e benefícios a longo prazo. Essa ilusão nunca trouxe os prometidos benefícios e os cariocas atualmente concorrem com os catarinenses como um dos povos mais reacionários do Brasil.
O "funk" é uma colcha de retalhos que envolve uma série de valores culturais retrógrados, trazidos pela mídia empresarial durante a ditadura militar. Vai do machismo - que contamina as supostas feministas do "funk", na verdade crias de um machismo estrutural que objetifica o corpo feminino - à espetacularização e glamourização da pobreza.
Resgatando um estado de espírito negacionista que, no Rio de Janeiro, fez eclodir, em 1904, a Revolta da Vacina - postura "ressuscitada" durante a pandemia da Covid-19 - , que não se atenua com o suposto apoio à vacina do patético sucesso "Bum Bum Tan Tan" do paulista MC Fioti, o "funk" é a expressão da precarização cultural brasileira, em prol de um "modelo de pobreza" defendido por setores paternalistas da burguesia, tendenciosamente apoiadores das políticas públicas de governos de esquerda.
Mas esse suposto esquerdismo é apenas um meio de atrair verbas estatais para complementar a enxurrada de recursos financeiros que faz do "funk" um mercado milionário, alimentado às custas da exploração da cosmética da pobreza, processo que nunca trouxe reais benefícios para a população pobre, enganada por supostos representantes culturais que, depois, se tornam muitíssimo ricos.
E aí vemos os pobres remediados, que através do "funk carioca", se convertem em pequenos burgueses através de mercados como vendas de motos ou oficinas de carros, realizando, de maneira autoritária, festas de madrugada que perturbam, impunemente, o sono das classes trabalhadoras, que precisam dormir bem cedo para acordarem, ainda de madrugada, para ir ao trabalho em lugar distante ou, nas vésperas de fins de semana ou feriados, visitar familiares ou realizar a caminhada necessária para a saúde física.
Essa imposição da poluição sonora ao som de ritmos como o "funk" e o trap, feitas por vizinhos histéricos sob o efeito de drogas e álcool, e que já matou, por vingança, aqueles que se atreveram a denunciar e reprimir a barulheira, nivela esses grupos dotados de divertimento tóxico à brutalidade bolsonarista, por mais que essas pessoas se associem ao contexto da "sociedade do amor" do Brasil de Lula 3.0.
Na verdade, o "funk" é "irmão" de Jair Bolsonaro, por mais que insista, a qualquer preço, renegar essa associação. Os fatos revelam que os dois "nasceram" no mesmo ninho, um Rio de Janeiro ressentido e rebaixado a uma "capital de Estado" como qualquer outra, usando a subjugação da vizinha Niterói como um "consolo" para a ex-Cidade Maravilhosa não poder mais "dominar o mundo".
Daí que "funk" e Bolsonaro atendem às mesmas demandas de um "pragmatismo" que deu origem à decadência sociocultural do Rio de Janeiro, um processo que já começa a contaminar áreas como a Bahia e o Sul do Brasil, ameaçando pôr nosso país a perder com uma série de retrocessos.
O direitismo de Jojo Toddynho, icone de um gênero que enriquece de maneira astronômica DJs, empresários e MCs - vários destes, hoje, suspeitos de envolvimento no mercado das bets - , nos faz lembrar que, pelas razões apresentadas acima, "funk" e Bolsonaro estão mais ligados, um ao outro, do que se imagina.
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